domingo, 27 de setembro de 2009

Publicar em Psicologia - disponibilização de livro


Vários autores colaboraram para a confecção do livro Publicar em Psicologia, que tem o objetivo de auxiliar estudantes, autores, editores e demais interessados na publicação científica em Psicologia. Estou falando desse livro aqui no blog porque os autores fizeram um blog sobre o livro, e disponilizaram o livro inteiro para download!!

Ainda não tive a oportunidade de lê-lo, mas o farei assim que possível. Pelo gabarito dos autores, com certeza é uma boa publicação.

Muitos bons pesquisadores, seja da graduação, pós-graduação e até mesmo pessoas mais experientes e há mais tempo na área científica às vezes têm dificuldades para publicar. Para os mais experientes, a maior dificuldade costuma ser ter o artigo aceito para publicação, porque muitos são recusados. Para os mais novos, a dificuldade pode ser: como escrever? como organizar meu texto? em que língua escrever? em que revista publicar?

Fora que há questões mais específicas sobre a área da psicologia, e penso que o libro também teve esse intuito. Há, no mercado, muitos manuais de ajuda em escrita científica, mas é difícil encontrar algum voltado para a psicologia, que tem suas características específicas. É comum os manuais citarem exemplos da área da física, química e biologia, falando menos das Ciências Humanas. Além disso, a psicologia está num campo de intersecção entre vários campos de conhecimento, envolvendo as humanas, as biológicas e as exatas.

Enfim, gostaria de parabenizar os autores e organizadores pela iniciativa de disponibilizar o livro inteiro para download gratuito, além de criarem um blog para a discussão e trocas de ideias. Boas iniciativas como essa merecem divulgação.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Finanças comportamentais

Já ouviu falar em finanças comportamentais [em inglês, behavioral economics]? Ou o título foi tão inesperado que o levou a ler esse texto? Bem, finanças comportamentais é um ramo de estudo que envolve áreas como a administração, a economia e a psicologia. Como o próprio nome sugere, trata-se de estudar o comportamento financeiro das pessoas.

Comportamento financeiro pode ser tudo o que se relaciona com o uso do dinheiro; por exemplo, algumas perguntas que podem ser feitas são: por que algumas pessoas economizam mais do que outras? Os mais velhos tendem a gastar menos ou mais que os jovens? Como uma pessoa decide onde investir seu dinheiro, se, por exemplo, na poupança ou na bolsa de valores? O que conta na hora de alguém decidir abrir seu próprio negócio? Como uma dona (ou dono) de casa organiza e lida com a renda e os gastos? Como um acionista decide onde investir e onde não investir? Como decidimos no que gastar nosso dinheiro e no que não gastar? Etc e etc.

Todas as pessoas, a partir de uma certa idade, têm que administrar suas finanças pessoais. Desde muito cedo, em nossa sociedade, muitas crianças já têm que raciocinar sobre dinheiro e se comportar com relação a ele: alguns ganham trocados dos pais sem fazer nada em troca, outros precisam realizar tarefas; alguns mantêm cofrinhos, outros gastam tudo assim que ganham; precisam decidir se compram doces ou brinquedos etc.

O estudo das atitudes e comportamento financeiros das pessoas pode servir a uma dupla função: (1) Para entidades financeiras, como: empresas, para um entendimento das atitudes e comportamentos dos clientes, e para órgãos governamentais, pois pode auxiliar no planejamento de políticas públicas, evitando perdas financeiras, e (2) para as pessoas, pois entender a maneira com que lidam com o seu dinheiro é importante para que sejam elaboradas estratégias para evitar sofrimentos, dívidas, dificuldades na administração e uso etc.

A base das finanças comportamentais se relaciona ao trabalho de dois psicólogos: Amos Tversky e Daniel Kahneman. Os trabalhos destes pesquisadores, elaborados entre os anos 1974 e 1979, representam a base teórica para a análise do comportamento financeiro. Antes deles, havia um pensamento dominante na área das finanças, que é conhecido como hipótese de racionalidade ilimitada dos agentes, oriundo da teoria neoclássica.

Esse nome complicado pode ser simplificado da seguinte forma: achava-se que as pessoas eram racionais sempre, todo o tempo, ilimitadamente... Logo, seu comportamento quanto ao dinheiro era totalmente racional, pensado inteligentemente de modo a atingir a melhor escolha, como se um computador interno fizesse complicados cálculos matemáticos, estatísticos e probabilísticos e chegasse à melhor opção, e agíssemos de acordo com isso.

Como você deve desconfiar, essa hipótese não é adequada, pois as pesquisas indicam que as pessoas não pensam ou se comportam sempre de um jeito considerado “racional”. Na área da psicologia, há algum tempo fala-se que as pessoas não são racionais (Freud o disse, só para citar um nome conhecido), mas isso não era idéia corrente em todos os círculos, nem mesmo na psicologia, muito menos na economia, a principal área a estudar o comportamento financeiro.

As finanças comportamentais procuram relaxar a hipótese de racionalidade radical, e consideram inadequado conceber o indivíduo como simples autômato, calculista objetivo de problemas de otimização condicionada, refém de uma lógica inexorável. Buscam incorporar os aspectos psicológicos dos indivíduos no comportamento financeiro, evidenciando a irracionalidade das pessoas.

Na definição de Camerer (2003), a essência das finanças comportamentais é a convicção de que aumentando o realismo dos fundamentos psicológicos humanos quanto às finanças, a própria economia irá melhorar, pois se gera insights teóricos, faz-se melhores predições dos fenômenos, e sugere-se melhores formas de lidar com ela. Para esse autor, a teoria neoclássica não é completamente inútil, porque provê os economistas de uma estrutura teórica que pode ser aplicada muitas vezes, além de provê-los de predições refutáveis.

Quero chamar a atenção para a questão dos pontos de vista. Camerer e a maioria dos autores desse ramo são da economia e de áreas afins, e muitas vezes partem de um ponto de vista das empresas, com o objetivo número 1 que citei no começo, por exemplo, de otimizar lucros e evitar perdas. Querem pesquisar para entender como nossa cognição funciona, de modo que diminuamos os erros e aumentemos os acertos, para evitar perdas financeiras, para empresas, bolsa de valores, órgãos de financiamentos e órgãos governamentais gerais que lidam com dinheiro. Há também outro ponto de vista, o número 2, que é o foco nas pessoas, em como entender e melhorar a forma como lidamos com nossas finanças. Existem, ainda, estudos que unem esses dois pontos de vista.

Voltando na história, os trabalhos de Tversky e Kahneman foram essenciais para dar força a uma hipótese contrária a da racionalidade ilimitada: a da racionalidade limitada [bounded racionality], como nomeou outro pesquisador, o Simon (1957). As pesquisas desses autores fundamentaram a idéia de que os seres humanos estão sujeitos a vieses comportamentais que, muitas vezes, os afastam de uma decisão centrada na racionalidade. Portanto, muito do que sabemos sobre vieses cognitivos, vêm de pesquisas sobre tomada de decisão.

Simon (1957) argumenta que pessoas que têm que tomar decisões (1. tomadores de decisão, o termo mais utilizado; 2. Decisões como, compro o carro ou não? Invisto meu dinheiro nisso ou não?) têm limitações em suas habilidades no processamento de informações. Conseqüentemente, os tomadores de decisão não podem ser perfeitamente racionais da maneira descrita pela teoria neoclássica. Ao invés disso, os tomadores de decisão tentam fazer o melhor que podem dadas as limitações a que estão sujeitos.

A maior contribuição conceitual de Simon é a noção de que as considerações do processamento de informação (ou seja, como as informações são processadas em nossas mentes) representam um importante papel no entendimento do processo decisório humano. Deste modo, como nossa capacidade é limitada no processamento de informações, em condições de incerteza, usamos “regras práticas” ou heurísticas [heuristics] para tomar decisões.

Neste contexto, no final dos anos 60 e início dos anos 70, uma série de artigos escritos por Tversky e Kahneman revolucionou a pesquisa acadêmica em julgamento humano. A idéia central do programa “heuristics and biases” e que julgamentos em situações de incerteza freqüentemente são baseados em um número limitado de heurísticas simplificadoras em vez do processamento algoritmo mais formal e extensivo e este conceito influenciou diversas teorias e pesquisas. Os erros de cognição têm sido considerados em pesquisas de diversos campos de conhecimento, como análise de decisão, estratégia empresarial e finanças (Schwenk, 1984).

Esses trabalhos introduzem a possibilidade de que, nas suas tomadas de decisão, agentes financeiros empreguem processos heurísticos, podendo incorrer sistematicamente em vieses cognitivos. A partir dessas idéias, nas últimas duas décadas, tem aumentado o interesse não somente da comunidade acadêmica e do ambiente empresarial, pelas associações entre psicologia dos julgamentos que as pessoas realizam, e o processo de tomada de decisão (Mendes-da-Silva & Yu, 2009).

A literatura de finanças comportamentais aborda alguns dos vieses cognitivos, como esses:

- Representatividade. Inicialmente examinada por Tversky e Kahneman (1974), indivíduos que utilizam essa heurística tendem a fazer julgamentos baseados em estereótipos previamente formados. Esse viés cognitivo induz um comportamento de ignorar o papel do tamanho de uma amostra, por exemplo; ou melhor, na intuição de algumas pessoas, o tamanho da amostra não é fator relevante, apesar de constituir matéria essencial em estatística.

- Ancoragem ou ajustamento. As pessoas tendem a fazer julgamentos a partir de um valor inicial, que será ajustado para a obtenção de uma resposta final. O ajustamento realizado freqüentemente não oferece condições para considerar racional a escolha do agente. Desse modo, decisões tomadas em contextos similares podem apresentar-se diferentes, em decorrência de valores de referência distintos.

- Disponibilidade. Os eventos mais freqüentes são mais facilmente lembrados. Adicionalmente, os eventos mais prováveis são mais lembrados que os improváveis. Esta heurística, segundo Bazerman (2002), pode induzir o agente a erros sistemáticos na tomada de decisões gerenciais.

Esses autores argumentam ainda que ganhos e perdas são avaliados relativamente a um ponto neutro de referência, e que a dor associada à perda de um valor $X é maior que o prazer associado ao ganho dos mesmos $X, existindo uma tendência de superavaliar eventos de pequena probabilidade e subavaliar eventos de média e grande probabilidade.

Esse pequeno texto introduziu as finanças comportamentais. Note que apesar do nome do ramo se referir ao comportamento, muito do que é estudado é cognição. Portanto, as finanças comportamentais abrigam uma gama de estudos que se referem a comportamento, atitudes, expectativas e cognição com relação a finanças, sendo bastante ampla e abarcando múltiplas possibilidades.
Para saber mais, consulte a bibliografia citada e procure outras.

Referências

Bazerman, M. H. (2002). Judgment in managerial decision making (5th ed.). New York: Willey.

Camerer, C.F. (2003). Behavioral economics: past, present, future.

Junior, F.P.O. (2009). Finanças comportamentais no Brasil. Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Graduado em Matemática, através da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA, sob a orientação do Prof. Ms. José Hamilton Máximo de Almeida. Sobral, Ceará.

Mendes-da-Silva, W. M., Yu, A.S.O. (2009). Análise Empírica do Senso de Controle: Buscando Entender o Excesso de Confiança. RAC, Curitiba, v. 13, n. 2, art. 5, p. 247-271.

Schwenk, C. R. (1984). Cognitive simplification processes in strategic decision-making. Strategic Management Journal, 5(2), 111-128.

Simon, H. A. (1957). Models of Man. New York: John Wyler and Sons.

Tversky, A. and Kahneman, D. (1974). `Judgment under uncertainty: Heuristics and biases', Science.

domingo, 20 de setembro de 2009

Intercâmbio na UMinho – o que aprendi – parte II


Continuando a falar sobre meu intercâmbio (leia a parte I), sobre o que a UMinho tinha de diferente.

5 – Uso de softwares – Nas matérias do mestrado integrado em Psicologia Experimental, aprendemos bastante sobre o uso de softwares para realizar pesquisa. Foi algo que eu nunca tinha tido contato, e que mudou meu conceito sobre pesquisa. Aprendemos a usar o Praat (utilizado na área da linguagem), o G-power (ferramenta de estatística) e o SuperLab. Esse último oferece muitas possibilidades, o utilizamos para pesquisas na áreas da memória e na de linguagem, mas pode ser usado em muitas outras áreas. As aulas eram bastante práticas, voltadas para o aprendizado dessas ferramentas. As avaliações eram, por exemplo, realizar uma pesquisa utilizando o SuperLab, ou então provas realizadas no computador, em que tínhamos que elaborar uma pesquisa para avaliar X aspecto, usando o SuperLab. Isso fez com que eu aprendesse a dominar essas técnicas, o que foi muito importante. Agora sei outras formas de pesquisa além do questionário e da entrevista.

6 – Grupos pequenos – Só fiz uma matéria em que havia muitos alunos, as outras cinco eram grupos bem pequenos, entre 6 e 15 alunos. Há um acompanhamento mais de perto do aluno, um aprendizado mais tutorial, como foi proposto por Bolonha. As vantagens são óbvias, há mais espaço para a participação, acompanhamento, discussão, enfim, o grupo cresce mais rápido, na minha opinião, do que em um grupo muito grande.

7 – Participação em pesquisas – na UMinho os alunos podem ter como parte da nota nas matérias a participação, como sujeitos, em pesquisas. Isso facilita, e muito, a vida do pesquisador, porque consegue mais facilmente os participantes. Por outro lado, trata-se de alunos de Psicologia, o que pode enviesar algumas pesquisas (é uma crítica conhecida na área da Psicologia – a das pesquisas serem feitas, em sua maioria, com estudantes de Psicologia). Na ótica do aluno, pode ser incômodo ter que participar de pesquisas a todo o momento (não é obrigatório, mas como é uma parte da nota, a maioria tende a aceitar), mas ao mesmo tempo o leva a ter um contato maior com pesquisas, com formas e temas o que considero importante.

Esses são só alguns pontos, os que ficaram mais marcados. Essa foi minha experiência, outras pessoas podem ir à mesma universidade e ver outros aspectos. O intercâmbio foi muito marcante, porque mudou minha visão da Psicologia, mudou meus planos de carreira, não fugindo do clichê, abriu meu horizonte. Às vezes, ficamos muito fechados em nossa universidade, e não temos a possibilidade de ter uma vivência de algo diferente. O mesmo curso, em outra universidade, em outra cidade, em outro país, pode ser muito diferente. Não necessariamente você vai gostar de tudo, concordar com tudo, porém terá algo com que confrontar sua visão habitual, o que já é enriquecedor.

Quanto à minha experiência, só posso dizer que a UMinho acrescentou muito em minha vida. Agradeço muito aos professores, que em geral me aceitaram bem, e me ensinaram muito, mesmo. Ser intercambista não é fácil, você já parte de uma desvantagem com relação aos alunos regulares, que tiveram a educação inteira naquele país, têm a cultura daquele país, e fizeram toda a graduação ali. Quando o professor diz, “Como já vimos antes...” a vida de um Erasmus se complica. Ainda assim, o desafio é interessantíssimo. Procurar entender aquela visão, aquela forma de entender a Psicologia, de trabalhar e pesquisar nela, correr atrás de pelo menos um pouco que já foi dado, tentar, em alguns momentos ser como um aluno regular de lá, e ao mesmo tempo, saber, a todo momento, que é um estrangeiro (não só de outro país, mas de outra Psicologia!). Por isso, nem sempre nosso rendimento, nossas notas, são como a dos alunos regulares. As minhas não foram. Encarei o desafio de fazer muitas matérias, por isso nem sempre consegui me dedicar a todas como deveria, mas esse desafio me fez crescer bastante. Não me arrependo, portanto, da minha escolha de cursar seis disciplinas. O que trouxe delas foi muito maior do que as notas que estão escritas no meu papel do intercâmbio. Foi uma mudança de postura, de entendimento, de ponto de vista, de planos, de rumos, que ninguém conseguirá medir facilmente.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Intercâmbio na UMinho – o que aprendi – parte I

Todos sabem que um intercâmbio de estudo não se resume somente ao estudo – ganha-se experiência de vida, conhece-se lugares, etc e etc. Sim, ganhei muito em termos pessoais, mas nesse blog vou falar da minha experiência acadêmica (para dicas gerais sobre viagens, fiz outro blog, o Europa para Poupadores).

Mesmo falando da experiência acadêmica, ainda assim é difícil resumir, e o que aprendi não vai se limitar a esse post. Está em todos meus outros posts anteriores sobre a UMinho, e refletirá em todos daqui para a frente, ainda que eu nem fale no meu intercâmbio, na UMinho ou em Portugal.

Em janeiro desse ano, fui contemplada com uma bolsa do programa ISAC-Eramus (leia o post sobre). Ela cobriu um semestre de graduação na Universidade do Minho, e parti no final de fevereiro e voltei no começo de agosto. Cursei o que se refere ao segundo semestre europeu, pois o primeiro vai de setembro a janeiro, e o segundo, de fevereiro a julho. Lá pude assistir a várias matérias, para depois definir meu plano de estudos – as que eu iria realmente cursar.

Para decidir as que eu iria assistir, olhei antes a lista das matérias, que não mostrava o ano que cada qual se referia, apenas os nomes das disciplinas. Pelos nomes, escolhi mais de dez. Cortei algumas e consegui selecionar apenas seis. Depois de assistir às seis, gostei de todas. Uma era do primeiro ano, “Neurociências Cognitivas”, outra era do segundo ano, “Laboratório de Cognição Social”, e as outras quatro eram justamente todas as obrigatórias do segundo semestre do mestrado em psicologia experimental (para quem não sabe, lá o mestrado é integrado, nos dois anos seguintes aos três da licenciatura. Saiba mais no post sobre grade curricular). Essas eram: “Laboratório de memória humana”, “Laboratório de linguagem”, “Metodologia e análise de dados em psicologia experimental” e “Comportamento e cognição animal”.

Como tinha gostado de todas resolvi cursá-las, porém descobri que passavam dos créditos máximos permitidos pela universidade, que eram 35 por semestre. Cada matéria tinha 6 créditos, então eu estava com um total de 36, passando do limite. Conversei com a minha coordenadora, responsável por aprovar meu plano de estudos, e mostrei a ela quão importante era para mim estar ali e cursar todas essas matérias. Ela entendeu, disse que ninguém poderia impedir alguém que quer estudar de estudar, daí conseguiu a aprovação do Gabinete de Relações Internacionais (GRI) para que eu cursasse mais créditos que o permitido.

No GRI, falaram-me que se eu pegasse quatro matérias já estava bom, que eu deveria pegar cinco se quisesse estudar muito, e que seis era inviável. Insisti, disse que na USP eu cursava até dez matérias em um semestre, e eles aceitaram. Confesso que na hora achei que eles estavam exagerando com relação aos cuidados com o excesso de créditos, porque considerei que seis matérias não era muito, afinal na USP eu realmente costumava fazer muitas, mais do que seis com certeza. Só depois de um tempo é que percebi do que eles estavam falando...

Voltando um pouco na história, confesso também que antes de ir para a UMinho eu tinha algum preconceito com relação à universidade e à Portugal. Acho que isso infelizmente, acontece muito com os brasileiros, talvez pelas piadas de português, por desconhecimento, acabamos tendo preconceito. A UMinho não é uma universidade conhecida, eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela antes de optar na hora da bolsa. Escolhi Portugal porque eu tinha que ser fluente na língua. As universidades mais conhecidas de Portugal são a de Lisboa, Porto e Coimbra. Eu podia escolher entre Coimbra e a do Minho. Optei pela última pelos títulos das matérias, que me interessaram mais. Depois de ter conseguido a bolsa, fiquei me perguntando se tinha mesmo sido uma boa escolha. Portanto, cheguei à Portugal com baixas expectativas.

Minhas primeiras impressões sobre as aulas foram as melhores possíveis. Achei os professores super novos, e muito bons. A única matéria que era em uma sala grande, de mais de 50 pessoas, era a “Neurociências Cognitivas”, para o primeiro ano. Nessa aula havia um pouco de conversa paralela entre os alunos, o que eu não gostava muito. Mas nas demais, eram grupos pequenos, de menos de 15 pessoas, e em salas com computadores. Cada aluno se sentava em frente a um computador. Fiquei impressionada com essa infra-estrutura.

Depois descobri que havia o uso de um sistema online, o e-learning (leia mais no post). Na primeira semana, recebi os programas das matérias. Minha sensação era de estar em um lugar muito moderno. Senti-me, pela primeira vez, na psicologia do século XXI.

Cabe aqui um parêntesis. Muitos devem saber que faço algumas críticas ao curso de psicologia da USP. Gostaria de esclarecer que o curso tem suas qualidades e seus pontos fracos, como em qualquer outro lugar. Para mim, em especial, não é um curso adequado, para o que gosto de estudar e para o que almejo em minha carreira. Para outras pessoas, pode ser um curso ótimo. Por isso, queria deixar claro que essas são as minhas impressões sobre a psicologia da USP, que estão longe de ser gerais, pois há pessoas que não gostam, outras que gostam mais ou menos, outras que adoram.

Minhas principais críticas ao curso de psicologia da USP são o viés excessivo de matérias na área da clínica, de orientação psicanalítica. A carga de matérias obrigatórias vinculadas à clínica psicanalítica é absurda. As optativas não passam longe disso. Tive que passar os anos da minha graduação estudando psicanálise sem ter o mínimo interesse, enquanto podia ter me dedicado ao que realmente importa e é relevante para mim. Isso seria possível com um currículo mais aberto, que contemplasse mais áreas, com uma menor carga de obrigatórias e com mais opções nas chamadas erroneamente de “optativas” (porque sua carga horária é pesadíssima, e com poucas opções, ou seja, viram “optatórias”). Outra crítica é quanto à atualidade do que lemos. Os textos são antigos, muito antigos. Nada contra, claro que é necessário ler originais, muitas vezes. O problema é ficar restrito nisso. Eu praticamente nunca tive que ler nada da década de 90 para frente, na USP. É considerada uma universidade voltada para a pesquisa, mas eu discordo, pelo menos no curso de psicologia. O incentivo à pesquisa existe, mas ainda é muito fraco e construído sobre bases fracas.

Voltando à UMinho, minha história de intercâmbio é uma história de quebra de preconceitos. Cheguei achando que a universidade era inexpressiva e de pouca qualidade, e me enganei. Para minha surpresa, lá encontrei a psicologia que sempre quis. Senti que estavam ali quase todas as minhas idéias sobre o que deveria ser o curso, mas que eu nem mesmo cheguei a pensar claramente. Senti uma mistura de surpresa e alívio. É bom quando você não se sente mais um peixe fora d´água.

O que a UMinho tinha de diferente?? Bem, várias coisas. Vou listar algumas delas.

1 – Estrutura do curso. Gostei muito da liberdade dada ao aluno desde o início, em que ele pode optar pelas matérias que vai fazer, tendo que escolher por um tanto de cada área. (Leia mais em grade curricular). O mestrado integrado é muito bom, pois nos dois últimos anos você já está se especializando e se dedicando exclusivamente ao que gosta. Com cinco anos de graduação, como no Brasil, você é obrigado a agüentar por 5 anos estudar várias áreas que, em determinado ponto, já sabe que não se identifica. A psicologia é um campo heterogêneo. Tem muita coisa, muitas linhas teóricas, muitos autores, muitas formas de intervenção, de pesquisa. É esperado que o aluno de aproxime mais de uma área. Com o mestrado integrado, o aluno encurta o tempo de contato com as várias áreas e depois já se dedica ao que gosta. Sim, claro que nem tudo é mil maravilhas. Existem críticas a esse sistema. Conversando com alunos de lá, as principais críticas são que isso encurta o tempo de contato com as áreas, e o aluno indeciso fica prejudicado. A acusação é a de que isso diminui o tempo de estudo, apressa-o, o que pode ser prejudicial. Eu concordo um pouco com isso. Por outro lado, penso que é importante um direcionamento, porque aqueles, como eu, que decidem por uma área, ficam extremamente prejudicados com uma graduação longa.

2 – Modernidade. Com isso quero falar tanto da infra-estrutura, como as salas com computadores, quanto com relação ao material. As salas com computadores são usadas da seguinte forma: na graduação, normalmente o professor pede para entrarmos em sites, para vermos alguma coisa, por exemplo, no laboratório de cognição social entrávamos em sites de pequisa em inglês, para vermos como são feitas pesquisas nessa área. Respondíamos a algumas online, e discutíamos como eram feitas, seus objetivos e se eram atingidos. Nas aulas do mestrado, usávamos o Excel ou outros softwares para aprender a fazer pesquisa, seja tabular ou analisar dados, seja montar o experimento. Quanto ao material, os textos lidos são muito atuais. Isso não significa que é condenado que se leia algo antes dos anos 2000, claro, mas o grosso do que é lido é de 2000 para cá. Isso, para mim, foi uma novidade atordoante. Por exemplo, no laboratório de cognição social, do segundo ano, nós tivemos que ler um especial de uma revista científica sobre cognição social. Eram oito artigos em inglês, de 2008. Inacreditável. Fiquei tão feliz que poucos podem imaginar. Sabe o que é se sentir, finalmente, estando com o mundo? Falar a língua que o mundo está falando, dos temas que os cientistas relevantes estão falando? Na USP, praticamente não me lembro de ter que ler um artigo científico para uma matéria obrigatória, muito menos em inglês, muito menos um texto atual.

3 – Uso da língua inglesa. Todos os textos que tive que ler na UMinho, sem exceção, eram em inglês. Os professores muitas vezes usavam slides em inglês. Todos os trabalhos podiam ser entregues em inglês. Isso servia a uma dupla função, a primeira era a de facilitar a vida dos intercambistas, que vinham de vários lugares do mundo e que muitas vezes não eram fluentes em português. A segunda era a de incentivar os alunos a usar o inglês, que é a língua da ciência. Achei isso impressionante, muito bom. Se eu tivesse que ter lido textos em inglês desde o começo da minha graduação, hoje estaria muito melhor nisso, o que teria facilitado absurdamente minha vida. Na USP, os professores têm certo receio de dar textos obrigatórios em inglês, porque nem todos os alunos sabem. A meu ver, isso é um equívoco, porque dar textos em inglês incentivaria os que não sabem a procurar saber, e não nos privaria de ler material de qualidade, pois muitos deles estão em inglês (atenção, eu disse muitos, não todos!).

4 – Avaliação contínua. Eu sempre considerei que a avaliação de uma prova só no final de uma disciplina era algo completamente inadequado. Na UMinho, há uma avaliação contínua do aluno, o que nos obriga a sempre estar estudando, a sempre estar a par da matéria! A partir da segunda semana de aula, cheguei ao cúmulo de realizar no mínimo uma prova por semana, isso até o último dia de aula. As avaliações são feitas através de provas (que são chamadas de mini-testes), trabalhos, seminários e participação em aula. O que importa é que são feitas continuamente, sempre nos mostrando onde temos que melhorar, e nos dando chance para tal. Outro fator importante é a rigidez na correção. Os professores são muito rígidos na correção sim. Se você faz algo meia boca, vai receber uma nota meia boca. Não há nota por dó. Isso é importantíssimo. Dá para perceber que estão preocupados em formar bons alunos. Não querem nos passar por passar. Querem que realmente sejamos bons profissionais, que mostremos que aprendemos, não querem ver enrolação. “Encher lingüiça” não funciona na UMinho, pelos menos não nas matérias que fiz. Percebi que os professores super estimam os alunos, cobrando muito deles, de modo a sempre “puxá-los” para cima. O nivelamento é por cima, e não por baixo. Incrível!

Bom, vou parar por aqui a parte I, que já está longa. No próximo post continuarei a falar da minha experiência de intercâmbio.

domingo, 6 de setembro de 2009

Entrevista com coordenador do mestrado integrado em psicologia experimental da Universidade do Minho

O professor Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque, além de diretor do curso de psicologia (ver entrevista anterior), também é o coordenador do Mestrado Integrado em Psicologia Experimental. Fiz algumas perguntas sobre a escolha pela área, a perspectiva de emprego e sobre sua trajetória profissional.


CientíficaMente - Por que há tão poucas vagas no mestrado em psicologia experimental (são 8 vagas?)

Porque não valia a pena haver 20 porque não há tantos candidatos. Nós estimamos que cerca de 10% dos alunos que entram em nosso curso de psicologia queiram o mestrado nessa área. Outro motivo é que nós entendemos que o numero de alunos reduzido é o ideal para trabalhar depois na dissertação, porque nós professores ficamos com um ou dois alunos cada um, o máximo para desenvolvermos um trabalho mais próximo. Temos quatro áreas de investigação, a percepção, a memória, a linguagem e comportamento animal. Abrimos uma ou duas vagas para cada uma dessas áreas. O que queremos, de fato, é trabalhar com poucas pessoas, para um trabalho mais acompanhado.

CientíficaMente - Por que o senhor achar que a procura pelo mestrado em psicologia experimental é tão baixa?

Eu acho que as pessoas não pensam na psicologia como uma possibilidade de área de investigação. Há alunos que se confrontam com este outro lado da psicologia, com uma investigação mais básica, já mais tarde no curso. A formação em psicologia é muito centrada na clínica. Mesmo algumas das cadeiras consideradas básicas são clínicas, como a de psicopatologia, psicologia do desenvolvimento, psicologia da educação, dada com um enfoque escolar mais centrado na intervenção. Os alunos se confrontam com essa possibilidade de fazer investigação somente quando chegam aos laboratórios. Aí sim, tem o laboratório de memória, animal, percepção, e aí é a primeira vez que entram em contato com estes temas. E, claro, há pessoas que gostam de investigação e outras que não. Há quem se assuste, e há quem considere um desafio. Portanto, se cada um de nós professores conseguíssemos captar um ou dois alunos, seria ótimo. Mas a procura tem muito a ver com a representação que se tem da psicologia. Quando alguém pensa em medicina, pensa em intervenção médica, quase ninguém pensa na investigação bioquímica, tem a ver com isso.

CientíficaMente - Na minha percepção, professor, aqui na UMinho essa ligação da psicologia com clínica ainda é menor do que em outros lugares, porque os alunos ainda têm uma chance de encontrar o contato, com os laboratórios [os laboratórios são parte obrigatória da grade curricular, e correspondem a treinos em pesquisa. Saiba mais lendo sobre a grade curricular do curso de psicologia na UMinho).

Sim, é verdade, há universidades em que isso não acontece. Há universidades em que essa componente experimental é muito reduzida ou nula. Há nichos na investigação em psicologia experimental nas diversas universidades. Algumas universidades são mais clássicas, outras menos, e isso tem reflexos em como os alunos se aproximam de nós, dessa área.

CientíficaMente - Quais são as perspectivas de emprego na área?

É evidente que quem vem para a área de experimental é interessado na investigação. Nesse sentido, eu diria que quando alguém termina o curso, qual o horizonte que tem, já não é o que acontecia há 20 anos, que era ir para uma empresa. Hoje as coisas são pensadas mais a curto prazo. Para quem faz o mestrado em experimental e é bom, podemos oferecer o doutoramento, que dura 3 ou 4 anos, com bolsa garantida. Cerca de 96% dos alunos que estão a fazer o doutoramento aqui têm bolsa. Isso porque estão em um centro de investigação renomeado. E isso é importante para se conseguir uma bolsa. Portanto, a curto prazo, uma fonte de renda é a bolsa de doutoramento. A seguir, pode-de fazer um pós-doc. Eu diria que, para alguém que termina o curso ter uma perspectiva de emprego, primeiro pode se manter com as bolsas por uns anos. E depois, pode ter alguma dificuldade de arrumar emprego, mas é o que acontece em várias áreas. Engenheiros têm um emprego, mas aquilo vai acabar dali a um tempo, e aí, o que vou fazer? Várias áreas se deparam com essa questão de o que fazer depois que essa fonte de renda acabar. O mercado de trabalho não está fácil para ninguém.

CientíficaMente - Nessa área, o forte é a carreira acadêmica...

Sim, é. Aqui em Portugal ainda não há um percurso profissional para a investigação em psicologia experimental, mas há possibilidade de se trabalhar. Na área de sensorial, por exemplo, ontem eu estava a ouvir uma reportagem sobre um departamento de análise sensorial em uma cervejaria. Trata-se da aplicação da psicofísica clássica. Na área da memória, pode-se trabalhar na reabilitação cognitiva. Acho que é preciso ser empreendedor, é preciso ter vontade de fazer coisas. Isso pode ser motor para que pessoas criem sua própria empresa, seu próprio serviço.

CientíficaMente - Por que o senhor escolheu a área da psicologia experimental?

A minha formação é em clínica. Eu estava a freqüentar a área de clínica no quinto ano, a estagiar em um centro de saúde mental, e surgiu uma vaga para monitor na área de memória humana. Comecei então a dar aulas aos meus próprios colegas, do primeiro ano. Como era uma área que gostava, a partir dali nunca mais saí. Depois de ter terminado o curso ainda dei consulta por um ano, e depois achei que aquilo não tinha a ver comigo. Daí comecei a investigação com memória e faces humanas, e fiquei até hoje. Vim para a UMinho em 1993, e aqui fiquei.