O termo ethos deriva do grego e significa “da natureza da coisa”. A Etologia é a ciência das relações comparadas do comportamento animal, o que inclui também os humanos. Tem como princípio a concepção de que, assim como órgãos e outras estruturas corporais, o comportamento é produto e instrumento do processo de evolução através da seleção natural. Assim, o comportamento é produto da evolução filogenética, pois tem função adaptativa (afeta o sucesso reprodutivo) e possui algum grau de determinação genética. As quatro perguntas básicas dos etólogos, que irão orientá-los em seu trabalho, são: como o comportamento se desenvolve ao longo da vida do indivíduo? (ontogênese)? Qual é a causa? (fatores causais próximos); Como se desenvolveu no decorrer da história evolucionária? (filogênese) e qual o motivo pelo qual teria sido selecionado naturalmente? (causa final). São conhecidas como os quatro “por quês” de Tinbergen.
Por exemplo, o comportamento de mamar em humanos seria analisado sob a perspectiva etológica da seguinte forma: como o comportamento de mamar surge e vai se desenvolvendo no bebê? O que faz o bebê mamar? (Fome, estímulos visuais, olfativos, táteis etc); como o comportamento de mamar se desenvolveu nos mamíferos? E porque esse comportamento teria sido selecionado, qual a vantagem adaptativa que ele traz?
A metodologia da Etologia põe ênfase na observação e na descrição detalhada do comportamento, na situação mais natural possível. Observa-se como o animal vive em seu ambiente.
Qual seria a utilidade de um pensamento biológico, como o da Etologia, para a Psicologia? O objeto da Psicologia, de um modo geral, é o ser humano. E nós, seres humanos, somos seres biológicos e sociais concomitantemente. A integração das perspectivas biológicas e sociais é necessária para compreender o fenômeno humano. Nenhuma das visões (biológica e social), sozinha, é capaz de explicar o ser humano. A teoria da Evolução, utilizada pela Etologia como pressuposto teórico, pode ampliar a compreensão das causas do comportamento humano.
A Psicologia, de modo geral, se foca mais nos estudos de causa próxima, correspondentes aos primeiros dois “por quês” da Etologia. A importância das explicações últimas (evolução filogenética) pode ser útil no estudo do comportamento no sentido de: escolher variáveis independentes para o desenvolvimento de modelos e teorias envolvendo a análise comparativa entre espécies; compreender os fatores do ambiente que podem modular o comportamento; determinar quais variáveis serão consideradas como causa e quais serão consideradas como efeitos; descobrir explicações com grande poder de generalização. Para Eibl Eibesfeldt, o estudo com animais fornece hipóteses para se analisar questões do ser humano como, por exemplo, de que modo os genes e a cultura atuam no homem.
Além disso, o estudo comparado com outros animais é muito rico. Nossa pretensão humana muitas vezes faz com que nos consideremos o ápice da evolução. Vemos as nossas características como únicas e superiores. O estudo do comportamento dos outros animais nos tira dessa posição, pois vemos que não somos tão especiais assim, ou melhor, se somos, todos os animais são. E vemos que muito do que é humano já está presente em muitas outras espécies, o que é material importante para traçarmos as relações entre genética e cultura.
O comportamento de qualquer animal sofre influências ambientais e biológicas. Em se tratando do ser humano, a superação da divisão biológico/cultural é especialmente necessária; pois se deve buscar compreender o comportamento humano na interação complexa de fatores biológicos e culturais. A Etologia tem como pressuposto essa interação, e compreende que qualquer predisposição biológica –comportamental, anatômica, fisiológica, etc- é moldada pelo ambiente-físico e social. Na Etologia, supera-se a dicotomia instinto versus aprendizagem (nature x nurture).
O ser humano apresenta grande capacidade de aprender, contudo essa aprendizagem não ocorre de forma aleatória. As origens do comportamento não estão somente no nascimento ou mesmo durante a vida intra-uterina, mas também durante a nossa história filogenética (estudo do nosso ambiente de adaptação evolucionária). O que somos é resultado de nossas predisposições biológicas, de nossa história individual e cultural. Homens e mulheres apresentam diferentes estratégias em relação ao comportamento reprodutivo. Bebês tendem a prestar atenção em estímulos que apresentam características semelhantes à face humana. São mais sensíveis a sons parecidos com a voz feminina terna. Existem diferenças sexuais no modo de brincar de meninos e meninas e preferências para interagir com parceiros de mesmo sexo já a partir dos três anos de idade. Meninos e meninas tendem também a manter proximidade com adultos de mesmo sexo.
O significado adaptativo dessas predisposições tem importância crucial para se compreender a infância, a relação mãe/pai/bebê, as relações entre homens e mulheres, a sexualidade humana e outros aspectos do comportamento social e de habilidades cognitivas. Além disso, pode-se compreender as predisposições biológicas para o ser humano desenvolver a cultura, pois somos seres “biologicamente culturais”. O estudo de pessoas vivendo em sociedades caçadoras-coletoras (nosso ambiente de adaptação evolucionária) e de primatas não-humanos é importante, pois ajudam o etólogo a compreender as origens biológicas do comportamento humano. Conceitos como a estampagem (imprinting) e período sensível, derivados de estudos com animais, têm sido amplamente usados na discussão sobre as conseqüências do que ocorre ao longo do desenvolvimento infantil na vida adulta e na compreensão do desenvolvimento em si.
A observação e a descrição do comportamento em situações naturais ou semi-naturais de laboratório tem sido a grande contribuição da Etologia em relação a metodologia e estudo empírico do comportamento humano. O objetivo é compreender o comportamento integrado ao seu ambiente evolucionário e atual. No caso da aprendizagem, por exemplo, devemos inserí-la em um contexto ecológico. Devemos perguntar quais são os problemas comportamentais que o indivíduo deve resolver em sua adaptação em seu ambiente e como ele faz uso da aprendizagem para resolvê-lo. Contudo, como qualquer área do conhecimento, a Etologia também apresenta limitações.
Certamente a intenção do etólogo não é reduzir o comportamento humano a explicações de cunho biológico. Contudo, a busca de soluções será mais efetiva e consistente se considerarmos também o nosso passado evolutivo. A interação e o diálogo da Etologia com outras ciências, como Antropologia e Sociologia é importante para que a dimensão do comportamento humano fique mais clara. Os enfoques etológicos, psicológicos e sociais não são excludentes, mas sim complementares. Nós não somos seres exclusivamente biológicos e nem puramente culturais, “temos aptidão natural para desenvolver a cultura e aptidão cultural para desenvolver nossa biologia”.
BOWLBY, John. Abordagem etológica da pesquisa sobre desenvolvimento infantil. In: Formação e rompimento dos laços afetivos. Cap. II, p. 23-40.
Editora Unesp. Os fundamentos da Etologia. Disponível em: http://editoraunesp.com.br/index.php?m=1&codigo=103.
VIEIRA, Mauro L. Contribuições da Etologia para a compreensão do comportamento humano. 2005.