segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Aviso de férias

Leitores do CientíficaMente, meu blog completa um ano de vida! Tem sido uma boa experiência manter um blog de ciência, apesar do meu pouco tempo livre. O contato com outras pessoas e a troca de idéias é algo essencial para mim (por isso, sempre comentem!). Queria avisar que nessas férias me dedicarei a outras atividades, e provavelmente não conseguirei postar. Ano que vem estaremos de volta! Aguardem! E muito obrigada pelos que seguem meu blog.

Entrevista: professor Fernando Capovilla

É com muito prazer que publico a entrevista que fiz com o professor Fernando César Capovilla, do Instituto de Psicologia da USP. Ele se formou psicólogo em 1982 e mestre em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento pela Universidade de Brasília em 1984. É Ph. D. em Psicologia Experimental pela Temple University of Philadelphia (1989), e livre docente em Neuropsicologia pelo Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (2000).
Admiro o professor Capovilla por várias razões, mas talvez o que mais sintetize a minha opinião sobre ele seja o seguinte: quando penso em um bom psicólogo, penso nele. Quando penso em um bom profissional, em alguém que tenho orgulho de apresentar como colega de profissão, em alguém que faz da psicologia um instrumento de ajuda real, penso nele. Admiro sua valorização da pesquisa, principalmente como forma de saber se o que se está fazendo tem resultado (talvez os que não façam tenham medo dos possíveis resultados!), sua inteligência, e sua capacidade de tornar a psicologia algo científico e prático ao mesmo tempo, mostrando que não se pode separar a ajuda a pessoas da base da ciência. Isso não significa que eu concorde com todos os seus pontos de vista; o respeito ao outro inclui permitir a livre expressão. De qualquer forma, se algumas de suas idéias principais fizessem parte da psicologia do Brasil hoje, com certeza teríamos uma profissão mais eficaz e mais digna de respeito.

CientificaMente - O que é psicologia?
Capovilla - É o estudo do comportamento e da mente das pessoas e de tudo daquilo que os afetam e para os quais se orientam teleologicamente. É o estudo do efeito de fatores genéticos e ambientais (físicos, sociais e culturais – em especial lingüísticos) sobre o comportamento e a cognição das pessoas e, ao mesmo tempo, das estratégias comportamentais e cognitivas (nos vários níveis, desde o idiossincrático pessoal ao nomotético via sistemas culturais e linguísticos) de que elas se valem na tentativa de atingir seus objetivos em diversos planos, desde a perspectiva natural (envolvendo o sobreviver, o desenvolver-se, o prosperar, o expandir-se, o perpetuar-se) passando a metafísica (envolvendo o fazer sentido da vida, o atribuir – ou perceber – o significado da existência e o propósito da vida) até atingir a sobrenatural (envolvendo maneiras de conceber a eternidade, a natureza e o destino da alma, o depois da morte, o além). A Psicologia não é apenas o estudo da Mente e da Alma, mas, especialmente de como a Mente e a Alma se contemplam a si mesmas e aos seus enigmas, como interpretam a si próprias e se constroem ao assumir riscos e tomar decisões, como lidam com a frustração e a dor de seus limites e fracassos e perdas e finitude e perspectiva de sua morte à medida que passam por perdas, adoecimento, enfraquecimento, isolamento, envelhecimento. É por isso que, enquanto a psicologia com “p” minúsculo se limita ao estudo de comportamento e cognição e das contingências que os afetam; a Psicologia com “P” maiúsculo se dá na esfera da metapsicologia. Muitos professores da psicologia (aquela com “p”) passam a vida tratando fenômenos como objetos isolados da experiência, e o fazem de modo enfadonhamente frio, descritivo, asséptico e estéril. Após trancar a Alma em tubos de ensaio, chegam à conclusão de que ela é incapaz de voar. Ao contrário, Professores da Psicologia, necessariamente atentos à Metapsicologia, convidam seus estudantes a assumir o risco de romper a redoma, de contagiar-se com a experiência, de tratar o fenômeno como objeto vivo da própria experiência. Atrevem-se a quebrar a redoma que prendia a Alma e assistem entusiasmados à embevecida surpresa nos olhos de seus estudantes quando constatam que ela é capaz, sim, de voar. Aulas de psicologia tendem a isolar o objeto da experiência, como se fora ameba presa num tubo de ensaio e então, de modo frio e enfadonho, passam a arrolar e descrever seus limites. Ao contrário, aulas de Psicologia libertam o objeto da experiência da redoma permitindo que contamine os presentes e lhes devolva, ampliada, a sua perspectiva íntima do que é ser humano, fazendo-os ver, como Sêneca, que nada humano lhes é estranho. É por isso que as aulas de psicologia atêm-se ao nível do descritivo enquanto as de Psicologia atingem o nível do performático.
A Psicologia é tão ampla que pode ser usada para compreender questões de planejamento cultural e assessorar o aperfeiçoamento de políticas públicas em educação e saúde.
É o estudo da estratégia que a cultura usa para representar informações. Por exemplo, é muito difícil fazer cálculo logarítmico com algarismos romanos. Mao Tsé-Tung, em sua revolução cultural, fez uma revolução fônica, jogando boa parte dos caracteres chineses fora e preservando aqueles que tinham o mesmo som. Não contente com isso, ele inventou um alfabeto. Os norte-americanos, agora, estão mudando os sistemas de medida britânicos para o dos enciclopedistas franceses, o sistema métrico-decimal, porque é muito mais inteligente. Permite-nos fazer operações com muito mais facilidade. A psicologia tem um interesse em estudar o comportamento e a cognição humanas para resolver problemas de ajustamento, de desenvolvimento, de recuperação, de reabilitação, devidos à privação cultural, lesão cerebral, dificuldades das mais variadas. O trabalho do psicólogo é fascinante porque une o mundo das ciências biológicas com o das ciências humanas. Ou seja, leva em consideração variáveis tanto de natureza biológica, genética, constitucional, quanto variáveis de natureza cultural.

CientificaMente - E conta com os instrumentos das exatas....
Capovilla – Sim, precisamente, com os instrumentos das exatas. Porque a Psicologia, enquanto ciência, deve fazer uso de toda a metodologia experimental e estatística para lançar luz sobre os fenômenos que ela estuda e para minorar problemas de gente que sofre. “Pathos”, de patologia, é paixão e sofrimento, é padecer. Isso envolve um escopo amplo de situações. De todas as profissões, a Psicologia uma das mais lindas e ambiciosas, mas também é aquela em que se encontra o maior número de charlatões. Porque não há como, facilmente, avaliar a qualidade do profissional, dado o escopo tão ambicioso de atuação do psicólogo.

CientificaMente – Quando alguém te pergunta o que você faz, o que você é, qual a sua resposta?
Capovilla - A minha resposta é: sou professor e pesquisador. Porque estou interessado na nova geração de pesquisadores, clínicos, educadores para que consertem os problemas causados pelas gerações antigas. Tenho interesse também em pesquisa científica, para que ela (a pesquisa) possa educar as minhas crenças, e me permitir descobrir aquilo que não sei. Isso me permitirá aprender a formar as novas gerações de modo mais conseqüente, realista, útil e inspirador. Isso com honestidade e integridade, pois não se pode ensinar aquilo que não sabe. Ou melhor, não se deve tentar ensinar aquilo que não sabe. A pesquisa é uma atividade fascinante porque nos permite descobrir o que não se sabe, de modo a poupar frustrações e a magnificar os benefícios dos esforços . Por isso sou professor e pesquisador.

CientificaMente – O que você acha que é um bom psicólogo?
Capovilla - Um bom psicólogo é aquele que conhece, de maneira suficiente, em escopo e profundidade, os fenômenos com os quais ele lida. O mau psicólogo é aquele que se põe a opinar sobre aquilo que não sabe. O bom psicólogo é aquele que se dispõe a aprender com a natureza, a descobrir, fazendo uso de pesquisa científica teoricamente inspirada, socialmente relevante e impactante, e calibrada pelos resultados obtidos a partir de rigorosos recursos de controle experimental e estatístico. A psicologia experimental e a estatística estão aí para nos auxiliar e corrigir nossas concepções acerca da natureza. Um bom psicólogo atina ao sofrimento produzido pelo descaso ou pela incompetência dos demais e busca fazer pesquisa inspirada para testar o que ninguém mais testou e descobrir soluções criativas por meio de programas de pesquisa experimental e estatística arrojados e ousados. O bom psicólogo é um idealista generoso, um trabalhador incansável, um teórico inspirado, um estudioso voraz, um clínico sinceramente compadecido, um educador disposto a ser educado pelo educando e pela evidência da pesquisa científica. Tais atributos constituem talvez quase um décimo daqueles necessários para que aquele quem os possui possa ser considerado um bom psicólogo.

CientificaMente – O que distingue um psicólogo de uma pessoa de bom senso?
Capovilla – Para começar, pessoas de bom senso têm bom senso; psicólogos, nem sempre. Brincadeiras à parte, o psicólogo está muito melhor equipado que uma pessoa apenas de bom senso para enfrentar e resolver problemas de desenvolvimento de competências cognitivas e lingüísticas e sociais e emocionais essenciais ao sucesso escolar e profissional e familiar e social. Tais problemas podem ser de natureza comportamental e cognitiva, como o fracasso escolar, por exemplo. Ou de ajustamento pessoal, de desenvolvimento, de linguagem. O psicólogo conta com um arsenal de técnicas e procedimentos de avaliação para triagem e diagnóstico diferencial, bem como de intervenção para resolução de problemas em termos de prevenção e tratamento. A avaliação não é só para saber como está o paciente. Serve também para saber se o tratamento funciona, para comparar a eficácia diferencial de tratamentos, e para descobrir quais os melhores parâmetros de cada tratamento para cada quadro. Avaliação e intervenção intimamente ligadas à luz de modelos teóricos claros, práticos e precisos. A Psicologia permite ao pesquisador e ao profissional controlar as variáveis relevantes para o comportamento e a cognição humana, .unindo o melhor dos dois mundos, o da Medicina e o da Sociologia. Toda essa ambição, porém, deve ser acompanhada não apenas de inspiração à altura como, também, de abundante transpiração no trabalho árduo da pesquisa. Do contrário, a amplidão de escopo da Psicologia pode fazer com que nela se refugiem hordas de picaretas que mais prejudicam que ajudam, tão prontos a assumir ares de pretensa sabedoria quanto resistentes em se dar ao trabalho de pesquisar ou mesmo de ler boas fontes no assunto sobre o qual opinam. Alfabetização infantil, educação de surdos, e outras áreas têm sido tão notoriamente carentes de pesquisa quanto de bom senso. Aliás, a pesquisa e o bom senso costumam andar juntos. É muito difícil encontrar bom senso na ausência de pesquisa. Entre os profissionais antigos e tarimbados pela prática de ter as mãos na massa durante anos a fio, isso até pode acontecer vez por outra. Entre recém formados e universitários, quase nunca. A pesquisa educa o senso e o juízo. Ela disciplina o pensar. Na ausência dela, os devaneios atingem as raias do alucinatório. Se o psicólogo não conduzir pesquisa científica nesses campos, que tenha ao menos a decência de se abster de opinar. Do contrário, diferentemente da pessoa de bom senso que tende a ser parte da solução, o psicólogo continuará constituindo incômodo agravante do problema.

CientificaMente – Você pode dar um exemplo de situação em que o psicólogo está mais do lado do problema do que da solução?
Capovilla – As áreas de alfabetização infantil e fracasso escolar são ótimos exemplos dessa catástrofe para a psicologia brasileira e, pior, para a nação brasileira. A Psicologia brasileira falhou completamente em auxiliar a Pedagogia a descobrir e sanar os crassos erros de teoria e metodologia na área. Por isso, contribuiu de modo vergonhoso para que o fracasso escolar endêmico brasileiro se constituísse num quadro de natureza pedagogênica, um produto nefasto da incompetência das escolas em alfabetizar competentemente. Na virada do século XXI, quando o Inep descobriu que 94% da população descolar de quarta série vinha fracassando em atingir os níveis mínimos de competências estabelecidos pelo próprio MEC, os diversos diretores do Inep seguidos pelos diversos Ministros da Educação passaram a admitir candidamente que os professores alfabetizadores não mais sabem alfabetizar e que as Faculdades de Educação não mais sabem ensinar a alfabetizar. Em todo o mundo, foi a Psicologia, mais precisamente a Psicologia Experimental Cognitiva (como previa Piaget) que auxiliou a Pedagogia a recuperar a rota do sucesso. No Brasil, no entanto, durante o último quarto de século, a Psicologia brasileira esteve muito longe de fazer isso. Nesse período ela fez algo muito pior do que simplesmente se omitir. Ela não só falhou em empreender avaliação do alunado brasileiro como, também, desencorajou essa avaliação, posicionando-se do lado do establishment que descarrilou a educação soterrando o destino de milhões de brasileiros. Ao seguir Ferreiro, traiu a proposta de pesquisa de Piaget como, também, seu dever de jamais substituir pesquisa científica por especulações. Qua sera tamem, ainda que tarde, a exemplo do que fez a Psicologia do mundo civilizado desde meados de 1990, a Psicologia brasileira deve cumprir seu papel de colocar a Pedagogia brasileira nos eixos por meio da pesquisa científica, sob pena de crime doloso lesa Pátria e lesa Humanidade.

CientificaMente – No que você acha que a psicologia deveria se focar?
Capovilla – Os atributos do Estado são Educação e Saúde. A Psicologia está na interface entre as biológicas e as humanas. Portanto, problemas de educação e saúde constituem o escopo da psicologia. O psicólogo deve se dedicar a resolver problemas relevantes da educação e da saúde. Especialmente o psicólogo que trabalha em sistema público, seja federal, estadual ou municipal. Todos reclamam da má qualidade do serviço público, dos péssimos serviços de Educação e Saúde oferecidos pelo Estado. O que poucos se lembram é que nós, das universidades públicas, estamos do lado de cá do balcão do governo. Somos nós os funcionários públicos mantidos pelo erário, pelo suor do trabalhador, por uma das mais pesadas cargas tributárias do planeta sobre as costas de uma nação de contribuintes. E o que temos a oferecer de concreto em termos de produtos de Educação e Saúde para atender às fortes e sofridas demandas da população? Devemos ter esta questão como a pulga atrás de nossas orelhas quando escolhemos um tema de pesquisa científica para nossos alunos de treino de pesquisa, de iniciação científica, de mestrado, de doutorado, de pós-doutorado. Curiosidade científica não é motivo justificável, não é motivo aceitável para fazer pesquisa em universidade pública. Quer fazer pesquisa para resolver sus curiosidade? Ótimo! Então que o faça usando seu próprio dinheiro. Dinheiro público é para resolver problemas da população que paga (e muito caro) pelo nosso tempo e trabalho. Então que dediquemos nosso tempo e trabalho à população. Nosso tempo e trabalho são muito dispendiosos para a população. Que eles, pelo menos, valham à pena para essa população. Que tenhamos responsabilidade na escolha de nossos temas de pesquisa. Dentre as inúmeras áreas de interesse nacional e forte angústia para nossa nação está a busca de solução dos problemas de fracasso escolar no Brasil, fracasso da inclusão de surdos e de paralisados cerebrais, dentre outros. Pode-se especular e teorizar ad nauseum. No final das contas, o que realmente interessa para quem padece do problema é que ele seja resolvido. Quando você tem um problema mecânico e seu carro para na avenida na hora do rush você não quer que o mecânico especule sobre as coisas: quer que ele faça seu carro pegar e o tire do sufoco. Quando você tem uma forte dor incapacitante, você não espera de seu médico preleções problematizadoras sobre o mundo. Tudo o que você espera dele é diagnóstico preciso e resolução do problema. Embaraçosamente tolo é o aluninho que acredita que o psicólogo deva “problematizar” as coisas. No mundo real, o que não falta são problemas. O que falta são soluções. Quem é competente pesquisa em busca de encontrar soluções cada vez mais eficazes. Só os tolos e incompetentes é que acreditam em “problematizar”. Precisamos de pesquisa científica em educação e saúde capaz de orientar políticas públicas de modo embasado sobre alfabetização e prevenção de fracasso escolar, sobre educação de surdos, sobre prevenção e tratamento de dislexia, sobre prevenção de distúrbios de comportamento e desenvolvimento, sobre prevenção e tratamento eficiente de seqüelas de lesões cerebrais, dentre tantas áreas completamente carentes de psicólogos competentes.
São apenas alguns exemplos de áreas relevantes nas quais o psicólogo não tem trabalhado e nas quais existe uma demanda muito grande por psicólogos. São áreas em que há possibilidade para o profissional de satisfação, de desenvolvimento de auto-estima, de ter lugar no mundo, de ser uma pessoa produtiva, de ser uma pessoa que muda o mundo e contribui para que ele melhore. Se os psicólogos trabalhassem nessas áreas eles teriam mais satisfação pessoal e profissional, minorariam o fardo nas pessoas que padecem desses problemas, e ajudariam a projetar uma imagem de Psicologia muito mais desejável e respeitável para a população em geral. Alheio a essa forte demanda de mercado mais amplo e falhando em atendê-la, o profissional de psicologia continua se privando de uma forte fonte de satisfação intelectual, profissional, emocional e espiritual, e, obtusamente concentrado num mercado saturado das mesmas pequenas e batidas coisas, continua vivendo de migalhas ao pé da mesa, enquanto o banquete está logo, um pouco mais acima, ali à sua espera.


CientificaMente – Você está apresentando uma visão muito diferente do que os psicólogos têm feito, que é se dedicar mais a casos individuais, na clínica particular, por exemplo, e não a gerais, como políticas públicas ou problemas apresentados por grande número de pessoas. Nessa sua proposta, como ficariam os casos individuais?
Capovilla – Os casos individuais se beneficiam muito de políticas públicas para atender a população de maneira geral. Por exemplo, existem serviços de atendimento a crianças disléxicas, mas eles estão abarrotados de crianças que simplesmente não foram alfabetizadas, que simplesmente foram mal-educadas. As crianças disléxicas que têm um problema constitucional, de alteração anatômica do cérebro, têm de competir com uma legião de crianças que não têm qualquer anomalia neuroanátomofuncional, mas que simplesmente não tiveram a oportunidade de aprender a ler e a escrever. Se adotarmos políticas públicas eficazes de alfabetização, desafogaremos o sistema público de atendimento dessas crianças e ao mesmo tempo o sistema de ensino. As escolas no Brasil estão infladas de crianças multirrepetentes, assim as classes estão superlotadas, os professores sobrecarregados e mal pagos. Os professores ficam insatisfeitos com seu trabalho, as escolas são depredadas, enfim, isso contribui para o caos. Quando políticas públicas passam a ser orientadas cientificamente a partir da descoberta de como alfabetizar as crianças, as iniciativas particulares de sucesso na alfabetização passam a estar disponíveis para todos. Temos de passar a premiar os acertos e descobrir o que é que está sendo feito por quem produz bons resultados. Se descobrirmos como melhor alfabetizar crianças, poupamos muito fracasso, muita perda de auto-estima, muita depredação, muito sofrimento humano. Essas são coisas com as quais psicólogo trabalha, mas ele deve saber que seu paciente não está no vácuo, no vazio. Ele é um paciente situado e datado, que pertence a uma sociedade. Nós, psicólogos, podemos ter uma atuação na sociedade. Uma vez satisfeitas as necessidades nomotéticas, ou seja, gerais, as idiossincráticas poderão ser trabalhadas com maestria. Porém da forma como estamos fazendo, estamos tratando os pacientes como se eles não vivessem num contexto, e aí o trabalho é perfumaria. É um trabalho que mal arranha a superfície do problema, não resolve nada. Quando políticas públicas conseqüentes estiverem em ação, as crianças disléxicas terão tratamento preventivo e remediativo específicos. Especialização é imprescindível. O psicólogo tem ambição demasiada e esforço mal direcionado e insuficiente. Ou se esforça muito mais para manter a sua ambição ou então desce do pedestal, percebe que o escopo de problemas que ele vai ser capaz de resolver é bem menor, assume com humildade que não sabe resolver certos problemas e aí se põe a resolver os problemas aos quais ele se dedica a pesquisar e a estudar. Por exemplo, somos procurados constantemente para resolver problemas de crianças que fracassam na escola. Só aceitamos se pudermos avaliar os colegas de classe dessa criança, porque isso nos dá o parâmetro do que é normal para aquela amostra de crianças, de tal sorte a compreender mais adequadamente a queixa da professora em relação ao aluno. Quer dizer, ele tem um desempenho que chamou a atenção por ser muito fraco, deve ter algum problema. Mas como receber essa criança na clínica sem antes saber o que os colegas dele sabem como pano de fundo, linha de base, para compreender o desvio dele em relação aos seus colegas. Essa informação é indispensável para saber se, de fato, essa criança tem um problema de natureza biológica. Não devemos usar normas da população de classe média, ou média alta ou estrangeiros para avaliar o desempenho dessa criança. Precisamos saber sobre o seu ambiente. O psicólogo lida com os pacientes de maneira honesta, real, verdadeira, profunda. Entendendo o contexto, ele pode compreender a natureza do problema do paciente. E isso é satisfazer os dois lados, ou seja, levar em consideração variáveis de natureza não apenas antropológica, social e cultural, como também variáveis de natureza psicológica. As últimas não existem no vazio, somente no contexto das primeiras. Embora você nem sempre possa intervir e resolver problemas de natureza social, quando puder, deve fazê-lo. A primeira coisa que o psicólogo deve fazer é lidar com políticas públicas de educação e saúde e descobrir como melhorá-las e aperfeiçoá-las para minorar o sofrimento, de tal forma que aqueles que chegam à clínica são efetivamente casos clínicos, e não casos de fracasso por falta de oportunidade de aprender. A educação previne, impede que a criança fracasse. As crianças que não prosperaram em um sistema escolar bem organizado, são crianças que merecem a atenção do psicólogo clínico. Assim, precisamos, antes, organizar esse sistema escolar. Precisamos fechar a torneira para, então, poder enxugar o chão.

CientificaMente – Você está dizendo que o psicólogo nunca deve deixar de estudar e pesquisar...
Sem dúvida. Estudar e pesquisar sempre. Educar-se a partir da evidência científica, orientada metodologicamente, pela psicologia experimental e estatística. Porque os problemas são muito complexos e a especialização é uma necessidade. Quando você se dá conta da complexidade da mente humana, da arquitetura cognitiva e tudo aquilo que pode dar errado, você percebe que intervenção preventiva e de reabilitação é briga para cachorro grande. É uma área para gourmet intelectual, porque é necessário devorar muito dado científico, muitos estudos. Extrair tudo aquilo o que a ciência já sabe, e então, uma vez descobertos os limites do que a ciência já descobriu sobre os casos que nós atendemos, é necessário pegar o touro pelos chifres, ou seja, delinear pesquisas científicas para descobrir aquilo que ninguém mais sabe. Fazemos isso direto com Libras, por exemplo, com crianças surdas. Elas produzem tantas paralexias, tantas paragrafias, que ninguém mais é capaz de explicar. O que noz fazemos é descobrir a natureza dessas paralexias e paragrafias para evitá-las, descobrimos o que elas nos ensinam sobre a mente humana. Suponhamos que você deseje estudar como surdos compreendem provérbios escritos, por exemplo. Antes de fazer isso, você terá de ter como avaliar o nível de raciocínio não verbal e verbal no surdo, seu nível de vocabulário receptivo em Português e Libras, sua competência de leitura e compreensão de textos, e assim por diante. Ou seja, há muito trabalho prévio de base a ser feito antes que possamos conduzir pesquisas mais sofisticadas, e o spciólogo tende a se esquecer disso. Para que possamos produzir resultados eficientes é necessário cobrir os problemas de base. Só conseguimos entender as paralexias e paragrafias depois que tivermos testes de desenvolvimento normal de língua de sinais. Muitas competências devem ser avaliadas antes de aplicar um instrumento dessa natureza, provérbios em surdos, por exemplo, que isso é só um dos exemplos que podemos dar do que o psicólogo tem de fazer. Ele tem que fazer muito trabalho de base antes disso. Por exemplo, quase todo mundo avalia funções cognitivas das pessoas por meio de figuras. Porém, quão adequadas são essas figuras? Há tantas pesquisas a serem feitas para que nós possamos ser cada vez mais eficazes, e é tudo isso o que o psicólogo precisa fazer. O psicólogo precisa estudar a língua, as figuras que usa para avaliar e intervir, precisa estudar a melhor ordem de intervenção, a leitura orofacial, a memória fonológica, qual é o léxico necessário para que uma criança consiga ler um jornal médio, enfim, são tantas variáveis que você precisa estudar antes de prestar um serviço... Por exemplo, no serviço de atendimento a afásicos eles colocam os afásicos para conviver, mas efetivamente que tipo de intervenção eles fazem? Há tantas coisas a serem descobertas para que nós possamos começar a ser eficazes para os pacientes... Outro exemplo é a isquemia. São muito comuns acidentes vasculares isquêmicos, que deixam seqüelas terríveis que poderiam ser prevenidas com medicações ministradas logo depois da isquemia. No primeiro mundo, quando um paciente tem isquemia, imediatamente ele recebe essa medicação. No Brasil, as pessoas ficam horas na fila, e aí vêm todas as seqüelas. O sistema público de saúde gasta depois muito com esses pacientes para não produzir quase nenhum efeito. Então isso é falta de política pública em saúde e é uma coisa em que o psicólogo precisa trabalhar. Lidando com pacientes com lesões cerebrais pode-se constar que não ficam seqüelas quando são administrados os medicamentos. A pesquisa científica deve dar origem a mobilização e atuação social e política, como vemos em associações de surdos, de pacientes com doenças neuromusculares, com pessoas amputadas, e assim por diante. Da mesma forma, dislexia é perfeitamente passível de prevenção a um custo muito baixo. Porque temos tanta educação de jovens e adultos? Porque o ensino regular falha em alfabetizar competentemente na idade certa, e aí depois o sucesso é muito menor, e o custo, muito maior. Isso é falta de política pública. E o psicólogo se omite de auxiliar o governo a gerar melhores políticas públicas. Sem pesquisa científica o psicólogo é um ser muito irrelevante. Ele deveria se envergonhar da falta de participação social. O psicólogo é muito mais que um mero cidadão ou uma pessoa de bom senso, ele tem de fazer uso do conhecimento científico para descobrir o melhor caminho para orientar políticas públicas em educação e saúde, para minorar o sofrimento das pessoas. Sou da época em que tínhamos estudo sobre os problemas brasileiros, considerada uma disciplina do governo militar, mas nele estudávamos esse tipo de coisa. De alguma forma perdemos nossa noção de civismo, nos tornamos inconseqüentes e quase irrelevantes. Mas há um grupo crescente de estudantes e psicólogoa que pretende fazer parte da solução, e não do problema. Esse grupo vem acusando os erros da psicologia brasileira com o objetivo único de retificá-la e edifica-la em bases mais científicas e humanitárias. Mas é preciso ter muita coragem e retidão para isso, pois estamos mexendo com modelos que, embora desacreditados mundialmente, ainda são dominantes por aqui. A psicologia brasileira tem de entrar nos eixos. Está muito, muito mal das pernas. Iniciativas recentes do Conselho de Psicologia são meritórias com relação aos testes, por exemplo, porque descredenciam instrumentos inadequados, que se propõem a avaliar e que não têm nenhuma base científica, nenhuma consistência metodológica. A mesma coisa que se faz com esses instrumentos de avaliação psicológica deveria ser feita nos instrumentos de intervenção psicológica. É apenas a partir da avaliação sistemática que se pode descobrir se uma intervenção funciona e em que medida e para que casos.
A vida é muito mais do que a nossa mera carreira, e ainda que sejamos perseguidos por falar a dura verdade, é uma questão de princípios. Uma das coisas que eu recomendaria para a psicologia é uma maior responsabilidade cívica, maior compromisso moral e ético para que possamos transcender as limitações da nossa psicologia comezinha. O que é a verdade? Verdade é aquilo que não é a falsidade, e como descobrimos o que é falsidade? Por meio da ciência. A ciência desmascara asserções universais falsas. Popper demonstrou claramente, é para isso que serve a ciência. O que é falso? Asserções universais que são refutadas. A verdade tem a ver com a ciência, se não tivesse eu não gastaria meu tempo precioso em ciência. A verdade é, por definição, a antítese da falsidade. E a falsidade está aí para ser desmascarada pela ciência, que deve refutar hipóteses falsas. Você descobre o que não funciona, e aí você sabe que seu conhecimento sobre o que funciona é provisório, mas pelo menos o que não funciona você desmascara. É necessário que a psicologia comece a levar a realidade em consideração, ou seja, que ela tenha um pouco mais de bom senso.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Seminário de Debates "DIREITOS DOS ANIMAIS: faces da intolerância"

O Laboratório de Estudos sobre a Intolerância da Universidade de São Paulo (LEI-USP) e o Instituto de Estudos Avançados (IEA) convidam a todos a comparecer no Seminário de Debates "Direitos dos Animais: faces da intolerância".
Data: dias 6 e 7 de novembro
Horário: das 10h. às 18h.
Local: Anfiteatro da História - Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Contato: (11) 3091 2441
Entrada franca e certificado de participação aos interessados

PROGRAMAÇÃO DO EVENTO:

Quinta-feira, 06/11:
10:00 às 12:00: Mesa Redonda "História da intolerância em relação aos animais"
Zilda Marcia Grícoli Iokoi (professora livre docente história/USP e diretora LEI)Rodrigo Medina Zagni (professor da Univ. Cruzeiro do Sul e pesquisador LEI)Juliana Prado da Silva (graduanda em história/USP)
Intervalo para almoço.
14:00 às 15:45: Mesa Redonda "Pode o direito eliminar a intolerância??"
Paulo Santos de Almeida (graduado em direito e professor doutor EACH/USP)Vânia Rall Daró (graduada em direito/USP, tradutora pública e intérprete comercial)Artur Matuck (graduado em comunicação e professor livre docente ECA/USP)
15:45 às 16:00: coffee break
16:00 às 18:00: Mesa Redonda "Somos todos primatas"
César Ades (graduado em psicologia, professor titular IP/USP)Heron José de Santana Gordilho (promotor de justiça/BA e professor adjunto UFBA)

Sexta-feira, 07/11:
10:00 às 12:00: Mesa Redonda "Os animais nas diferentes culturas"
Renato da Silva Queiroz (graduado em ciências sociais, professor titular antropologia/USP)Valéria Barbosa de Magalhães (graduada em ciências sociais e professora doutora EACH/USP)Laerte Fernando Levai (promotor de justiça/Ministério Público do Estado de São Paulo)
Intervalo para almoço
14:00 às 15:45: Mesa Redonda "Ética na ciência"
Thales Tréz (graduado em biologia e professor titular da UNIFAL/MG)Nádia Farage (graduada em ciências sociais e professora doutora do IFCH/UNICAMP)Luiz Marques (graduado em ciências sociais e professor doutor do IFCH/UNICAMP)
15:45 às 16:00: coffee break
16:00 às 18:00: Mesa Redonda "Considerações filosóficas sobre o uso que fazemos dos animais"
João Epifânio Regis Lima (doutor em filosofia/USP. Professor titular UniversidadeMetodista)Irvênia Luiza de Santis Prada (veterinária e professora titular da FMVZ/USP)

domingo, 28 de setembro de 2008

Humanos e cães: uma velha relação

Você pode não estar ciente disso, mas nesse exato momento várias espécies convivem com você numa relação muito íntima. Estima-se que haja por volta de 100 trilhões de microorganismos em todo o nosso corpo: estômago, pele, intestino, axilas, boca, entre outros. A convivência com outros seres é parte da vida humana, sejam as relações harmônicas ou desarmônicas.

Mais uma ligação entre humanos e outras espécies, que nem sempre é vista pelo ângulo das relações entre diferentes seres vivos, remonta há milhares de anos. Trata-se da relação entre os humanos e todos os animais domesticados, alguns visando à produção de leite e consumo de carne, por exemplo, e outros para a companhia, como os animais de estimação.

Criar animais de estimação é uma atividade muito comum entre nós, e costumamos gastar muita afeição e dinheiro com eles. Existem indícios de que a associação dos humanos com os cães, os mais populares dentre os pets, tenha começado há aproximadamente 12.000 anos. Fornecer tantos recursos a outra espécie não é tão freqüente no reino animal. Sendo assim, por que os humanos fazem isso com seus cachorros?

A convivência entre nós e outros seres vivos tem sido estudada por biólogos, que as classificam em, basicamente, três tipos: quando há benefícios para ambas as partes, como no mutualismo; quando somente uma das partes é beneficiada e a outra é indiferente, como no comensalismo; e quando é benéfica para uma das partes e maléfica para a outra, como no parasitismo.

Apesar de convivermos com muitos outros seres vivos, como no caso da relação benéfica com as bactérias que habitam nossos intestinos, os cientistas que estudam o comportamento animal e psicólogos evolucionistas se intrigam com a relação entre humanos e animais de estimação. A questão é como, do ponto de vista evolutivo, desenvolvemos uma relação tão similar a que temos com outros humanos – com fortes laços emocionais – com uma outra espécie.

A análise das relações entre seres vivos em termos de benefícios e malefícios pode nos dar dicas de como evoluiu essa relação tão peculiar. Podemos olhar para as vantagens ou desvantagens que os cães nos proporcionam hoje como uma dica do que teria acontecido ao longo do nosso passado conjunto. Para a nossa relação com os animais de estimação ter sido adaptativa no sentido evolutivo, é preciso que ela tenha trazido vantagens adaptativas aos nossos antepassados e os benefícios, superados os custos. Essa é uma parte da resposta à pergunta por que gostamos de nossos cães, pois se refere a um nível de explicações numa escala temporal distante. Vamos agora lançar nosso olhar para mecanismos evolutivos, que levam milhares de anos para se estabelecer.

Para sabermos se nossa relação com o cão se enquadra mais no mutualismo, comensalismo ou parasitismo precisamos examinar as vantagens e desvantagens para cada um dos envolvidos. Não se esqueça de que essas vantagens e desvantagens são analisadas pelos cientistas de agora, e não foram assim vistas e vividas pelos nossos ancestrais e os dos cães. O que eles sentiam trata-se de um nível mais próximo de análise, que será discutido mais adiante.

As vantagens para os animais são óbvias: nós somos fonte de alimentação, abrigo, proteção e cuidado para eles, e ainda favorecemos sua procriação. As lojas de pet shop têm aproveitado a nossa dedicação a eles – compramos diversas rações, bolachas, brinquedinhos, casinhas, ossinhos, enfim, uma miríade de produtos. Provemos muitos recursos aos nossos animais, alimentando-os, protegendo-os e levando-os ao veterinário quando ficam doentes.

Para os cães as vantagens dessa relação tão próxima com os humanos são imensas; sua população se tornou muito maior do que seria caso não houvesse essa associação com os humanos. Imagine seus parentes lobos nas florestas - cada vez mais degradadas - o quanto têm que se esforçar para conseguir alimento diariamente, fugir de predadores, se abrigar de fenômenos climáticos, se recuperar de doenças e machucados, enfim, sobreviver e se reproduzir não é nada fácil. Nossos cães, em geral, vivem bem mais sossegados, excluindo-se os casos de maus tratos, que em nossa sociedade são passíveis de punições na justiça. Felizmente, a conscientização para o bem estar animal tem crescido.

Para os humanos, há uma vasta literatura falando sobre os benefícios na saúde fisiológica e psicológica que os animais nos proporcionam. Por exemplo, menor incidência de doenças cardiovasculares, redução dos níveis de triglicérides, colesterol e pressão sanguínea, melhor recuperação e maior taxa de sobrevivência a infartos do miocárdio, menor incidência de doenças, diminuição das reações típicas do estresse, maior bem estar psicológico, maior taxa recuperação de doenças psiquiátricas e aumento do cuidado pessoal e da auto-estima. Além disso, cães treinados são amplamente utilizados na assistência de pessoas com deficiências e idosos. Pelo menos hoje em dia, possuir um animal de estimação pode fazer muito bem a seu dono. Contudo, é difícil avaliar se os benefícios na saúde são suficientes para uma contribuição discernível em nosso passado evolutivo e se superaram os custos de manter um animal.

Por isso há uma discussão acerca de como a relação entre os seres humanos e os animais de estimação seria classificada do ponto de vista das relações entre os seres vivos. Alguns autores, como Serpell, acreditam que a relação entre animais de estimação e humanos é de mutualismo. Ele argumenta que os animais têm sido úteis aos humanos para transporte, vestimenta, caça, alimentação e como animais de estimação. Outros argumentam que a relação seria de comensalismo, pois o que proveríamos aos animais não nos seria tão custoso. Porém, John Archer, outro pesquisador, tem uma hipótese curiosa: a relação seria de parasitismo, porém de um tipo especial - o parasitismo social.

Parasitismo social é a situação em que uma espécie manipula o comportamento da outra para obter um benefício, sem fornecer vantagem em troca à altura. Por exemplo, o pássaro cuco bota seus ovos em ninhos de outras espécies de pássaro, e seus filhotes manipulam o comportamento dessas outras espécies, fingindo ser um legítimo filhote, de modo que elas os alimentam e os protegem.

Archer nos convida a olhar para as características faciais e comportamentais dos cães: face rechonchuda, movimentos desajeitados, testa larga, olhos expressivos. Há tempos estudiosos do comportamento humano sabem que tendemos a responder de uma forma parental a certas características faciais e corporais encontradas em bebês humanos. Isso quer dizer que sentimos vontade de cuidar e proteger seres que apresentem essas características, que são típicas dos bebês humanos. Por isso somos facilmente atraídos por personagens de desenho animado como o Piu-piu, o Dumbo e o Mickey Mouse, gostamos de acariciar brinquedos como ursos de pelúcia, e nos atraímos tanto por animais a quem muitas vezes tratamos como bebês – os cachorros, por exemplo.

Há evidências convincentes de que as pessoas usualmente vêem sua relação com seus animais de estimação como similares às que têm com seus filhos. Os donos de animais de estimação os tratam como crianças, por exemplo, brincando com eles, falando com um tom materno - a chamada fala “tatibitate” - continuamente se referem a eles como “meu bebê”, e cuidam e os acariciam como se fossem bebês humanos, mesmo quando o cão já é adulto. Em um estudo de Berryman e pesquisadores, foi encontrado que os animais de estimação são vistos como tão próximos quanto “o próprio filho” entre humanos. Outras evidências de que os animais atuam como substitutos de crianças podem ser encontradas em estudos de outras culturas: eles incluem até mesmo a amamentação de animais filhotes por mulheres lactantes.

Archer diz que em nosso passado evolutivo, os cães como que manipularam as respostas parentais humanas, assim como os cucos. Trata-se de uma voz ativa, porém o que se quer dizer é que quando começamos a criar cachorros, selecionamos os que tinham características de bebês humanos porque elas nos atraem, e ao longo das gerações esses animais foram se reproduzindo e hoje estão largamente representados – é o que se chama de domesticação. Os cães podem ser considerados como manipuladores da espécie humana, no nível de análise evolutiva.

É claro que essa manipulação não implica intenção consciente – nenhum cão pensa que está manipulando seu dono através de expressões faciais e comportamentos que desencadeiam nossa vontade de cuidar e protegê-los. Lembre-se de que estamos no nível distante. Manipulação é um termo evolucionista que aqui significa conseguir benefícios do hospedeiro humano aproveitando-se de dispositivos comportamentais já existentes. Mas os cães não pensaram e não pensam em nos manipular intencionalmente. Eles simplesmente têm características que gostamos, nos dão carinho e gostam verdadeiramente de nós, assim como nós deles. No nível de análise próximo, ou seja, falando-se em um cão e uma pessoa, é isso que acontece. Os termos evolucionistas são usados numa análise maior, ao longo de várias gerações, e não implicam em intenção dos seres.

Assim, agora vamos para uma análise em nível próximo, no âmbito de nossas vidas – a segunda parte da resposta à pergunta do por que gostamos de cachorros. Essa análise já começou antes, quando falamos que os cães parecem bebês. Temos desenvolvido com os cães laços fortes. Há várias pesquisas sobre a importância que um cachorro pode ter na vida de uma pessoa. Além daquelas que vimos sobre como um cão pode ser considerado como um filho, outras peculiaridades da relação tem sido estudadas. E uma relação tão próxima e emocional também interessa aos psicólogos em geral, que cada vez mais têm se deparado com questões acerca da relação entre humanos e cachorros.

Há estudos que apontam que a relação emocional com os cães pode ser considerada como substituta àquelas que se têm com um cônjuge ou com os próprios pais. Foi feita uma pesquisa intercultural sobre animais de estimação e se encontrou que os animais servem a uma variedade de papéis além do de “filho”. O cachorro parece suprir, em muitos casos, uma necessidade emocional. Ele pode ser uma fonte de segurança, e quando as pessoas se sentem ansiosas o cão pode ter um efeito calmante. Assim, a natureza do laço entre humanos e cães contém um forte elemento de segurança, e ele pode substituir a companhia de um outro humano.

O apego emocional que temos com os cães é enorme. Pesquisadores construíram um questionário contendo frases que indicavam níveis de apego com um cachorro de estimação, como, por exemplo, carregar a fotografia do cachorro, deixá-lo dormir em sua cama, freqüentemente falar e interagir com ele, e defini-lo como um membro da família. Os dados indicaram altos níveis de apego entre donos e seus cachorros. Quase a metade definia seu cachorro como um membro da família, 67% carregava uma fotografia dele em sua carteira, 73% deixava eles dormirem em sua cama e 40% comemorava o aniversário do cachorro. As mulheres apresentaram um apego mais forte com seus animais do que os homens.

Um outro estudo também mostrou forte apego por parte de muitos donos, em que muitos entrevistados concordaram com itens tais como ver o animal como uma importante parte de suas vidas e como aquele que promove um senso de conforto.

Relatos sobre as reações à perda de um animal de estimação também mostram como é forte o apego desenvolvido. O pesar de perder um animal de estimação pode ser igual ao custo de perder uma pessoa amada. O processo de luto envolve angústia, pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo de se despedir de uma relação estabelecida. Estudos indicam que há claros paralelos entre as variadas reações que as pessoas apresentam seguidamente à perda de um animal de estimação àquelas sentidas por uma perda de um relacionamento entre humanos.

Uma visão comum, principalmente entre aqueles que não têm animais de estimação, é a de que esse sentimento forte com cães indica que a pessoa tem uma inadequação nas relações interpessoais com outros humanos. O apego com os animais de estimação pode não ser bem visto e julgado como típico de pessoas socialmente desajustadas, imaturas e fracas, como se fosse errado destinar afeição a outra espécie. Serpell acredita que essa visão pode vir da tradição judaico-cristã da Europa ocidental de considerar que os animais foram criados para servir ao homem, que deve então dominar essas consideradas criaturas inferiores e nunca se equiparar a elas. A Biologia atual não considera os outros animais inferiores ao homem, que também é um animal.

Algumas pesquisas foram feitas e encontraram mais características de personalidade consideradas positivas entre aqueles que têm animais de estimação do que os que não têm. Também foi encontrado que as pessoas que têm relações mais fortes e seguras com outros humanos são as que têm apego mais forte com seus animais, contrariando a idéia de que seriam desajustadas socialmente.

Uma outra visão que se tem é a de que essa relação com animais de estimação é específica ao mundo ocidental moderno. Contudo, evidências arqueológicas, geográficas, históricas e antropológicas contrariam essa idéia. Evidências da domesticação dos cães remontam milhares de anos atrás – incluindo um humano enterrado junto a um cão. Várias evidências fósseis indicam que a domesticação dos cães começou quando os pegamos como animais de estimação, e não para outros propósitos, como a caça. Além disso, possuir animais de estimação foi comum na Grécia e Roma antigas, e em vários locais da Europa, China, Japão e África, e até mesmo em sociedades tribais, como na América do norte e do sul e na Austrália. Assim, possuir um animal por afeição e não para fins alimentícios ou de trabalho - na sociedade ocidental denominado como animal de estimação - tem sido comum nas sociedades humanas em geral.

É claro que na sociedade ocidental atual há condições para que possuir animais de estimação seja muito comum. Os arranjos sociais favorecem os laços com os pets: a demografia está caindo, as famílias são menores e estão sendo modificadas, com mais pessoas morando sozinhas. Apesar da falta de evidência para que as pessoas que se ligam aos seus animais serem desajustadas socialmente, as pessoas que moram sozinhas ou não têm filhos parecem ser mais apegadas aos seus animais, o que não significa que tenham dificuldades no contato com outros humanos.

Além disso, a sociedade ocidental parece enfatizar a individualidade, a racionalidade e o controle, o livre-arbítrio e o materialismo, diferentemente de sociedades tradicionais que enfatizam valores comunitários, a expressão emocional e a espiritualidade. Essas diferenças afetam as crenças e atitudes das pessoas. Assim, a atividade de possuir animais de estimação pode ser muito acentuada no ocidente talvez pelo preenchimento de necessidades emocionais que os animais proporcionam, e que em outras sociedades são supridas de outras maneiras. Contudo, estudos transculturais indicam que possuir animais de estimação está mais relacionado com tradições e crenças a respeito dos animais – como a idéia de que são inferiores, pouco dignos do cuidado humano – do que com a extensão da família ou com a dimensão coletivista ou individualista da sociedade. Porém, em uma tradição cultural particular, a existência de menos contatos sociais pode acentuar o apego aos animais.

Alguns autores têm sugerido que os cães podem agir como catalisadores sociais: esses animais aumentariam a freqüência de interações sociais e elevariam ou reforçariam a rede de relações entre pessoas. Em pesquisas feitas, o animal agiu como um facilitador de contato inicial, “quebrando o gelo”, removendo inibições em conversas casuais, e provendo um tópico neutro e seguro de conversação. Wood e colaboradores confirmaram esta linha de pensamento em entrevistas realizadas na Austrália. Eles encontraram relação positiva entre proprietários de animais de estimação e formas de contato social, interação e percepção de amizade entre vizinhos. Os proprietários tiveram maior índice de engajamento social, referindo-se a aspectos da vida social (como normas, confiança mútua e redes sociais) que fazem com que pessoas ajam em conjunto de forma mais eficiente e para atingir um objetivo comum.

No estudo de passeio real com cães dos pesquisadores ingleses Nicholas e Collis, experimentadores passearam com e sem um cão. Mais desconhecidos se aproximaram deles quando estavam com o cão do que quando estavam sozinhos. Outro pesquisador demonstrou que donos de cães conversam mais com outras pessoas quando passeiam com seus cães no parque do que quando vão sozinhos. Como vimos anteriormente, há vários estudos sobre os benefícios na saúde que os cães podem proporcionar, e normalmente isso é atribuído ao conforto emocional que promovem. Porém, Nicholas e Collis argumentam que essa melhora na saúde pode ser também efeito do aumento das interações sociais que promove. A sensação de integração social que possuir um animal de estimação pode ter contribuiria também para elevar o bem-estar de seus donos.

Enfim, a velha asserção “o cão é o melhor amigo do homem”, em termos evolutivos pode ser invertida para “o homem é o melhor amigo do cão”. Porém, no âmbito de nossas vidas os cães têm assumido vários papéis, mas que podem ser resumidos como o de amigo. Para unir os sentidos evolutivos e o da nossa vida ficaria melhor então: cães e homens, uma velha relação de amizade.

Adaptado do original "Por que gostamos de cachorros?" publicado na revista Psique Ciência & Vida, Editora Escala, número 32.

Referências

ARCHER, J. Why do people love their pets? Evolution and Human Behavior, v. 18, p. 237-259, 1997.

McNicholas, J.; Collis, G. Dogs as catalysts for social interactions: robustness of the effecf. British Journal of Psychology, v. 91, p. 61-70, 2000.
SERPELL, J. A. Beneficial effects of a pet ownership on some aspects of human health and behaviour. Journal Animal Behaviour Science 47: 49-60, 1996.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O luto na morte de animais de estimação


Possuir animais de estimação é uma atividade muito comum entre os humanos, e as pessoas dedicam muita afeição e dinheiro a eles. Vários exemplos como oferecer recompensas quando eles são perdidos, pagar por cuidados médicos, comprar-lhe presentes, alimentá-los e até mesmo disputar sua guarda judicialmente mostram a importância do apego emocional dos donos com seus animais de estimação (Archer, 1996).

Há poucos estudos sobre a relação humanos e animais de estimação em termos de apego, um conceito elaborado por Bowlby e usualmente aplicado para relações próximas entre membros da mesma espécie, incluindo humanos. O apego remete à formação do vínculo com as pessoas e às características das interações sociais vivenciadas entre elas.

Katcher e colaboradores (1983, citado em Archer, 1996) construíram um questionário contendo sentenças que indicavam um possível apego com um cachorro de estimação, como, por exemplo, carregar a fotografia do cachorro, deixá-lo dormir em sua cama, freqüentemente falar e interagir com ele, e defini-lo como um membro da família. Os dados indicaram altos níveis de apego entre donos e seus cachorros. Quase a metade definia seu cachorro como um membro da família, 67% carregava uma fotografia dele em sua carteira, 73% deixava eles dormirem em sua cama e 40% comemorava o aniversário do cachorro. As mulheres apresentaram um apego mais forte com seus animais do que os homens.

Um outro estudo mais elaborado, feito por Archer e colaboradores (citado em Archer, 1996), também mostrou forte apego por parte de muitos donos, com uma considerável proporção endossando itens tais como ver o animal como uma importante parte de suas vidas e como aquele que promove um senso de conforto.

Estudos sobre as reações à perda de um animal de estimação mostram como é forte o apego desenvolvido. Usando o modelo da teoria de apego (Bowlby, 1969, 1973, citado em Archer, 1996), Parkes (1986, citado em Archer, 1996) se referiu ao pesar de perder um animal de estimação como o custo de perder uma pessoa amada. O processo de luto envolve angústia e pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo mental de se despedir de uma relação estabelecida. Evidências sistemáticas indicam que há claros paralelos entre as variadas reações que as pessoas apresentam seguidamente à perda de um animal de estimação àquelas sentidas por uma perda de um relacionamento entre humanos (Archer, 1996). Várias investigações específicas de luto seguido à perda de um animal de estimação têm sido feitas.
Há estudos que tendem para uma descrição mais qualitativa, mostrando paralelos entre o luto seguido da morte de um humano e da morte de um animal de estimação. Stewart (1983, citado por Archer, 1996) relatou que uma minoria de sua amostra (18%) ficou tão perturbada que foi incapaz de continuar com sua rotina normal, e um terço descreveu si mesmos como muito angustiados. Dunn e colaboradores (1992, citado por Archer, 1996) estudaram uma amostra de aproximadamente 1.000 donos de animais de estimação aflitos nos Estados Unidos e encontrou que o luto foi breve, porém intenso. Tristeza ainda era aparente em metade da amostra um mês após a perda, e choro e culpa em aproximadamente um quarto.

Archer e Winchester (1994, citado em Archer, 1996) incorporaram aspectos da reação de luto conhecidas de estudos de luto por perdas humanas (Parker, 1986, citado em Archer 1996) em um questionário de 40 itens, que foi completado por 88 britânicos que haviam perdido um animal de estimação no ano antecedente. Muitos itens foram endossados pela maioria da amostra: por exemplo, 74% disseram que seus pensamentos voltavam e voltavam para a perda do animal de estimação, e 60% disseram que se sentiram atraídos por animais que lembravam o animal perdido. Contudo, comparado com o que podemos esperar no caso de aflição humana, havia uma proporção menor de pessoas que se sentiram depressivas ou ansiosas ou nervosas como um resultado da perda.

Similarmente, em uma pesquisa com grande amostra de casais de meia idade nos Estados Unidos, Gage e Holcomb (1991, citado por Archer, 1996) encontraram que a morte de um animal de estimação é percebida como menos estressante que a morte de um parente ou amigo próximos. Em outra amostra grande, com pessoas idosas nos Estados Unidos, Rajaram e colaboradores (1993, citado por Archer, 1996) encontraram que a morte de um animal de estimação foi associada com índices de depressão bem menores do que nos casos de morte de uma pessoa significativa, como o cônjuge.

Em contraste, dois outros estudos nos Estados Unidos que usaram uma versão adaptada das escalas usadas para verificar o luto humano (The Grief Experience Inventory [GEI]; Sanders et al, 1985; citado em Archer, 1996) encontraram que os níveis seguidos da perda do animal de estimação são comparáveis àqueles encontrados após a perda de um ser humano amado. Drake-Hurst (1991, citado por Archer, 1996) comparou as respostas de luto de pessoas que haviam perdido um animal de estimação com aquelas que haviam perdido um cônjuge e não encontraram diferenças significativas em 9 de 12 escalas GEI. Gerwolls e Labott (1994, citado por Archer, 1996) fizeram um estudo longitudinal do luto seguido à perda do animal de estimação e encontraram valores comparáveis com figuras de modelos de perda de um dos pais, do filho ou cônjuge (Sanders et al, 1985, citado por Archer, 1996).

Archer e Winchester (1994, citado por Archer, 1996) projetaram uma avaliação grosseira do apego emocional com seus animais de estimação e encontraram paralelo com o escore total de luto obtido de um questionário. Outros estudos (Gerwolls e Labott, 1994; Gosse, 1989; Gosse e Barnes, 1994, citado em Archer, 1996) também encontraram a avaliação da intensidade do apego com o primeiro animal de estimação como preditora de medidas de intensidade de luto. Esses achados dão apoio à posição geral de Parker de que a intensidade do luto indica a intensidade do apego - em outras palavras, o custo do relacionamento.

Essas são evidências de várias fontes de que o apego com animais de estimação pode ser intenso, e quebrar esse laço pode, em vários casos, induzir a uma reação de luto de severidade comparada à perda de uma relação humana próxima (Archer, 1996). Apesar de o luto seguido à perda de um animal de estimação ser comumente severo, Baydak (2000) considera que ele não é largamente reconhecido em nossa sociedade. Ele seria um luto não-autorizado, entendido como o luto que uma pessoa vive quando tem uma perda que não pode ser abertamente reconhecida, chorada publicamente, ou socialmente apoiada.

Para Baydak, quando a perda está de acordo com as normas sociais, o luto individual é suportado pela rede social, o que facilita tanto o processo de luto quanto a coesão social. Quando isso não acontece, e a sociedade não reconhece e nem legitima o luto, as reações de estresse podem ser intensificadas, e os problemas relacionados ao luto podem ser exacerbados. Em caso de animais de estimação, normalmente frases como “Era só um cachorro...” mostram esse não reconhecimento. A morte do animal é tratada como um acontecimento trivial e de pouca importância.

Baydak fala também que além do luto social não-autorizado existe o luto intrapsíquico não-autorizado. Nós internalizamos crenças, valores e expectativas sociais. Está implícito no comentário “Era só um cachorro...” que os animais não são dignos de luto e a noção de que há algo inerentemente errado com alguém que entra em processo de luto após a morte de um animal. Assim, quando um animal de estimação morre, muitos donos estão totalmente despreparados para a intensidade de seu luto, e ficam embaraçados e com vergonha dele. A sociedade tende a dar mais suporte à criança que perde um animal de estimação do que a um adulto.

Até agora se falou em luto de adultos, mas e as crianças? Corr (2003) estudou livros infantis que contam histórias de morte de animais de estimação. Sua atenção foi para como é tratado esse tema nesses livros. Ele diz que os animais de estimação são importantes para as crianças por muitas razões: eles servem como amigos, companheiros de brincadeiras, e fonte de amor incondicional. Além disso, os animais de estimação ajudam a ensinar às crianças sobre as responsabilidades que estão envolvidas em cuidar de uma outra criatura viva. E também, por causa do ciclo de vida mais curto deles, os animais de estimação podem ensinar às crianças importantes lições sobre perda, morte e luto.

Corr achou, nos livros infantis que pesquisou, que a relação entre uma criança e seu animal de estimação é tratada como algo muito importante, e a perda do animal é um evento muito significativo. Os livros costumam também passar a idéia de que é importante a criança viver a experiência e expressar o luto, e que rituais podem ajudar a comemorar a vida do animal que já foi perdido. Outras questões comumente tratadas nos livros são o tipo de morte do animal (natural, por eutanásia ou acidental), se é ou não desejável adquirir outro animal logo após a perda de um, e questões envolvendo a reflexão do que é a vida e do que é a morte.

Kaufman & Kaufman (2006) consideram que o luto infantil normalmente inclui conseqüências imediatas e no longo prazo, tais quais depressão, ansiedade, retraimento social, distúrbios comportamentais e queda no rendimento escolar. A perda do animal de estimação não é menos importante, porque freqüentemente ele é considerado pela criança como membro da família. Para eles, a sociedade não reconhece sempre o significado do luto do animal de estimação para a criança - assim como já falamos em relação ao adulto - o que pode resultar em um luto não resolvido. Esses autores enfatizam que os pais precisam não considerar a morte do animal de estimação como algo trivial. Os pais devem apreciar o papel que o animal tem na vida da criança e assistir às crianças em variadas formas de expressão de sua dor, seja verbalmente, artisticamente (através de desenhos, por exemplo) ou na escrita.

Referências

Archer, J. (1997) Why do people love their pets? Evolution and Human Behavior, v. 18, p. 237-259.

Baydak, M.A. (2000). Human grief on the death of a pet. National Library of Canada, Faculty os Social Work. University of Manitoba.

Corr, C.A. (2003). Pet Loss in death-related literature for children. Omega, 48 (4), 399-414.

Kaufman, K.R.& Kaufman, N.D. (2006). And then the dog died. Death Studies, 30 (1), 61-76.

Kovács, M.J. (1992). Morte e desenvolvimento humano. Casa do Psicólogo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Gêmeos idênticos

Os estudos modernos com gêmeos demonstram que aqueles que foram separados no nascimento ou pouco depois dele são mais semelhantes do que os que foram criados juntos ou separados com uma idade mais avançada. Como isso pode ser explicado?

O estudo com gêmeos é muito importante para a psicologia, pois se trata de uma situação natural que parece ter sido bolada por cientistas: pessoas com carga genética idêntica (no caso dos monozigóticos), que tanto podem ter a mesma criação, quando criadas juntas, como criações totalmente diferentes, quando são separadas no nascimento. O debate nature versus nurture ou natureza versus criação se enriquece através de estudos empíricos com esse grupo de pessoas.


Até a década de 70 os estudos com gêmeos não eram confiáveis, pois envolviam invenção de dados, falta de ética etc. Hoje, a maioria dos estudos com gêmeos são realizados com mais cuidados, e são comuns principalmente na disciplina conhecida como genética do comportamento. Entre humanos, aproximadamente 1 em cada 250 nascimentos é de gêmeos idênticos e muitos das pesquisas são feitas em países escandinavos, onde os governos mantém gigantescos bancos de dados sobre seus cidadãos.

Voltando à questão inicial, Ridley (2003) provê uma possível explicação para o fato de que as pesquisas apontam que gêmeos idênticos criados separados sejam mais semelhantes do que os criados juntos:

“Pequenas diferenças no caráter inato são exageradas pela prática, não aplainadas por ela. Isso é o que acontece entre gêmeos idênticos. Se um é mais extrovertido que outro, eles gradualmente exagerarão esta diferença” (Ridley, 2003, p. 323).

Portanto, os gêmeos criados juntos tenderiam a reforçar suas diferenças para se diferenciarem um do outro, já os separados não teriam essa preocupação. De qualquer forma, os testes confirmam que os gêmeos idênticos, separados ou não ao nascer, são muito parecidos, mas não idênticos, em praticamente qualquer característica que se possa medir, seja em se tratando de personalidade, de hábitos ou de desenvolvimentos de doenças.

“(...) a esquizofrenia é acentuadamente concordante com gêmeos idênticos, que têm em comum todo o DNA e a maior parte do ambiente, porém muito menos concordante com gêmeos fraternos, que têm em comum apenas metade do DNA (do DNA que varia na população) e a maior parte do ambiente” (Pinker, 2004, p. 74).

Muitas outras condições que são encontradas em famílias são mais concordantes em gêmeos idênticos do que em gêmeos não-idênticos, são mais acertadamente prognosticadas com base em parentes biológicos do que em parentes adotivos e mal prognosticadas com base em qualquer característica mensurável do ambiente. São algumas dessas condições: autismo, dislexia, atraso na linguagem, deficiência na linguagem, depressões graves, distúrbio bipolar, distúrbio obsessivo-compulsivo, orientação sexual etc.

Gêmeos idênticos são muito mais semelhantes do que os não-idênticos, sejam criados juntos ou separados, gêmeos idênticos criados separadamente são muito semelhantes; irmãos biológicos, sejam criados juntos ou separados, são muito mais parecidos do que irmãos adotivos. Além disso, gêmeos idênticos criados separadamente são muito mais similares que gêmeos não-idênticos criados separadamente.

“Gêmeos idênticos pensam e sentem de modos tão semelhantes que às vezes desconfiam estar ligados por telepatia. (...) São semelhantes em inteligência verbal, matemática e geral, no grau de satisfação com a vida e em características de personalidade como ser introvertido, aquiescente, neurótico, consciencioso e receptivo à experiência. Têm atitudes semelhantes diante de questões polêmicas como pena de morte, religião e música moderna. São parecidos não só em testes de papel e lápis, mas no comportamento consequencial como jogar-se, divorciar-se, cometer crimes, envolver-se em acidentes e ver televisão. (...)”. (Pinker, 2004, p. 74).

Assim, os estudos demonstram que diferenças em mentes podem provir de diferenças em genes. Isso não significa que o papel da criação seja nulo, pelo contrário, a herdabilidade depende inteiramente do contexto. De qualquer forma, o papel dos genes não pode ser ignorado.

Para saber mais

Pinker, S. (2004) Tábula rasa - negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras.

Ridley, M. (2003) O que nos faz humanos. Editora Record.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Homens e mulheres: iguais ou diferentes?

Meninos gostam de carrinhos, meninas gostam de bonecas. Esses gostos são facilmente explicáveis pela cultura; afinal, desde que nascem as crianças são estimuladas pela sociedade a adotarem o comportamento típico de seu gênero. Será então que as meninas brincam de boneca e os meninos de carrinho porque são dados a eles esses brinquedos?

Se eles vivessem em um mundo sem diferenciação, em que pais não estimulassem seus filhos a brincar de certas formas e com determinados brinquedos, o que aconteceria?

Antes de responder à questão, gostaríamos que você imaginasse o seguinte experimento. Suponha que pesquisadores dessem a macacos fêmeas e machos brinquedos humanos, tais quais bonecas, carrinhos e livros. O que você acha que aconteceria?

Esse experimento foi feito. Pesquisadores deram esses brinquedos a 44 macacos-vervet machos e 44 fêmeas e depois avaliaram as suas preferências por cada brinquedo, medindo quanto tempo passavam com cada um. As análises estatísticas demonstraram que os machos mostraram um interesse significativamente maior pelos brinquedos considerados masculinos e as fêmeas, pelos femininos. E os dois sexos não demonstraram diferenças na preferência pelo livro (Miller & Kanazawa, 2007).

O velho domínio masculino
De acordo com uma história antiga o homem foi feito primeiro por Deus e a mulher era apenas parte de seu corpo, mais precisamente sua costela. A grande ironia nessa história é que a Biologia moderna mostrou que o default do programa genético fetal é o desenvolvimento de um corpo feminino, ou seja, se seis semanas após a concepção o cromossomo Y não desencadear uma certa proteína, um feto feminino será gerado automaticamente (Pinel, 2005). Sim, nesses termos, é como se o homem saísse da “costela” da mulher.

A lenda bíblica revela a supremacia masculina que têm ocorrido há tempos, em que homem é sinônimo de ser humano. O feminismo do século passado foi uma reação a esse domínio, e graças a esse movimento e a outras mudanças sociais as mulheres alcançaram grandes conquistas. Junto com tudo isso, porém, surgiu uma tendência que continua até hoje: a de se negar as diferenças entre homens e mulheres. As únicas diferenças que não estão envolvidas em polêmicas acaloradas são as que se referem aos aparelhos genitais.

A negação da natureza humana
O gênero de um indivíduo é uma de suas dimensões mais essenciais. Trata-se da primeira característica que notamos em outro indivíduo, e isso nos fornece modos de nos comportar frente ao outro. Cada gênero tem uma forma de se vestir, de agir, de se relacionar e ele é um referencial para a nossa identidade. Tamanha é esta importância, não se limitando somente à nossa cultura, que em grande quantidade dos idiomas da Terra os pronomes são declinados com base no gênero do substantivo ao qual se referem. Em todas as culturas humanas, homens e mulheres são vistos como possuidores de naturezas diferentes.
Todas as culturas dividem o trabalho por sexo, com mais responsabilidade pela criação dos filhos para as mulheres e mais controle das esferas pública e política para os homens. Essa divisão de trabalho emergiu mesmo em uma cultura em que todos haviam se comprometido a erradicá-la, os kibutzim israelenses (Pinker, 2004). Dada tão grande influência seria de se esperar que as ciências do homem, sejam as sociais ou as da saúde, se ocupassem grandemente com o estudo das particularidades de cada sexo.

Surpreendentemente durante grande parte do século XX, em que as ciências em geral se desenvolveram de forma nunca vista na história da humanidade, não só os estudos das diferenças entre gênero foram raros como muito esforço foi feito no sentido de provar que tais diferenças eram somente de ordem cultural e que, por esse motivo, poderiam (e deveriam) ser eliminadas. A “negação contemporânea da natureza humana” (Pinker, 2004) encontra terreno fértil no campo dos gêneros.

Evidências
Falar em genes e biologia com relação às diferenças comportamentais entre os sexos foi, por muito tempo, uma heresia. Todas as supostas diferenças entre meninos e meninas seriam devidas à criação, a uma sociedade machista que faria imposições comportamentais de modo que a dominação masculina continuasse. Contudo, diversos estudos mostram que muitas das diferenças comportamentais dos sexos podem ser devidas a nossa natureza.

As diferenças entre meninos e meninas já aparecem no primeiro dia de vida. Simon Baron-Cohen e colegas realizaram um experimento com bebês de um dia de idade. Apresentaram simultaneamente a fotografia do rosto de uma mulher e um móbile mecânico a 102 bebês recém-nascidos, sem saber o sexo de cada um. Isso foi filmado e uma comissão julgadora avaliou em qual objeto cada bebê prestou mais atenção, e somente depois de tudo foi revelado o sexo dos bebês. A análise mostrou que mais meninos preferiram olhar para o móbile mecânico e as meninas, para o rosto (Miller & Kanazawa, 2007).

Experiências realizadas com crianças de aproximadamente dois anos demonstram que, nessa idade, o individuo não tem a noção exata dos estereótipos. Quando questionado a respeito de quais brinquedos são classificados como de meninas ou de meninos, ele não é capaz de identificar carrinho como sendo de garoto ou boneca como sendo de garota. Mas quando questionado a respeito de sua preferência, a menina escolhe bonecas e o menino escolhe carrinhos (Baron-Cohen, 2003).

Pesquisas mostram o que o senso comum já sabia: que os homens demonstram maior tendência a realizarem sexo casual, ou seja, sexo sem envolvimento afetivo prévio. A maioria dos homens também desejara ter um número maior de parceiras sexuais, teria um maior desejo por variedade sexual (Varella, 2007).

Além disso, temos o experimento citado no início, que revela que as diferenças entre os sexos são compartilhadas pelos macacos. Os macacos do experimento não foram socializados por humanos e jamais haviam visto aqueles brinquedos antes. Se as diferenças entre os sexos fossem apenas culturais, deveriam variar muito conforme a sociedade e a espécie, e não é o que os estudos revelam.Em todas as sociedades humanas conhecidas, e entre muitas espécies, principalmente entre os mamíferos, os machos são, em média, mais agressivos, violentos e competitivos, e as fêmeas, em média, mais sociáveis, atenciosas e dedicadas à criação, nutrição e educação (Pinker, 2004; Miller & Kanazawa, 2007).

Isso significa que nada é cultural?
Voltando à pergunta do início, meninos brincam de carrinho e meninas de boneca porque são dados a eles esses brinquedos? A resposta é sim. Porém são dados a eles esses brinquedos porque gostam deles. Os pais provavelmente mais reagem aos gostos das crianças do que os causam (Baron-Cohen, 2003).

Além disso, a oposição entre natureza e criação é falsa. A criação reforça a natureza. Não é possível afirmarmos que a sociedade é a única responsável pelo fato de que meninos e meninas diferem significativamente entre si. Causa e efeito são provavelmente circulares. As pessoas tanto gostam de fazer aquilo em que elas acham que são boas como são boas no que gostam de fazer (Ridley, 2003).

[Meninos] gostam mais de brinquedos, armas, competição e ação do que bonecas, romance, relacionamentos e famílias. É claro que eles não vêm ao mundo com todas essas preferências plenamente formadas, mas nascem com alguma preferência inefável a se identificarem com coisas de meninos. Isso é o que a psicóloga infantil Sandra Scarr chamou de “escolha de nicho”: a tendência de escolher a criação que é adequada a sua natureza (Ridley, 2003, p. 80-81).

Portanto, a resposta à questão “as diferenças entre homens e mulheres são culturais?” é sim. Mas não só. O problema não está em admitir o papel da cultura, que é óbvio, o problema é negar o papel da nossa biologia.

Falácias
A polêmica em torno dos estudos com base genética/cerebral/biológica envolve muitas concepções equivocadas. A primeira delas já vimos, que é colocar natureza e criação como excludentes. Outras envolvem falácias que concernem ao “ser” e ao “dever ser”.

Será que o que é natural é necessariamente bom? A falácia naturalista, termo cunhado pelo filósofo inglês George Edward Moore no início do século XX, embora tenha sido identificada bem antes por Hume, é o salto do ser para o dever ser, ou seja, a tendência a acreditar que o que é natural é bom; que o que é deve ser. Por exemplo, pode-se cometer o erro da falácia naturalista e dizer: “Como as pessoas são geneticamente diferentes e dotadas de diferentes habilidades e talentos inatos, elas devem ser tratadas de forma diferente” (Miller & Kanazawa, 2007).

Já a falácia moralista é o oposto da falácia naturalista. Refere-se ao salto de dever ser para o ser, a alegação de que o modo como as coisas deveriam ser é o modo como são. É a tendência de acreditar que o que é bom é natural; o que deve ser é. Por exemplo: “Como todos devem ser tratados igualmente, não existem diferenças genéticas inatas entre as pessoas”. Ridley a chama de falácia naturalista reversa.

Tanto a falácia naturalista quanto a moralista estão envolvidas na negação das diferenças entre homens e mulheres. No primeiro caso, negam-se estudos de base genética porque há um grande medo de que se for confirmado que existem diferenças naturais entre os sexos, logo é correto tratá-los de forma diferente. No segundo caso, negam-se estudos de base genética porque não pode haver diferença genética alguma, já que todos devem ser tratados igualmente. De acordo com Miller & Kazanawa (2007) a falácia moralista tem sido um problema muito maior do que a falácia naturalista em discussões acadêmicas.

Estereótipos
Os estudos também são rechaçados por se considerar que fortalecem estereótipos.
Não se pode descartar uma observação por considerá-la um estereótipo - como se isso, repentinamente, a tornasse uma inverdade, que não merece discussão ou explicação. Muitos estereótipos são generalizações empíricas com uma base estatística e por isso, em média, tendem a ser verdadeiros. O único problema com estereótipos e generalizações empíricas é que eles nem sempre são verdadeiros para todos os casos individuais. Sempre existem exceções individuais para estereótipos. Existem muitos pais dedicados e mulheres criminosas, mesmo que as generalizações ainda sejam verdadeiras.

O perigo está na aplicação das generalizações estatísticas a casos individuais, que podem ou não ser exceções (Miller & Kazanawa, 2007).

As generalizações sobre um sexo sempre serão falsas para muitos indivíduos (Pinker, 2004).

Os estudos normalmente se referem a médias, isso significa situar um grupo, e não um indivíduo em particular. Muitas pessoas não se encaixam nas médias, e isso não é algo condenável. Ninguém tem a obrigação de se ajustar aos parâmetros médios do seu gênero.

Diferença e desigualdade
Outra noção corrente é a de que homens e mulheres somente terão direitos iguais se forem exatamente iguais. Em última instância, ninguém é igual. As pessoas da mesma idade, da mesma classe econômica, da mesma cidade podem ser parecidas, mas exatamente iguais não são. Nem mesmo gêmeos idênticos são idênticos em seus traços de personalidade, no modo de se vestir, nos gostos, nas crenças etc. A singularidade é uma regra entre os humanos. E apesar disso, existem várias leis que concernem a grupos, como idosos, crianças, motoristas, mulheres, aposentados etc.

Isso se relaciona com a idéia de que a diferença implique necessariamente em desigualdade. Não se pode achar que escondendo ou negando as diferenças é que a igualdade será conquistada. A afirmação de que existe diferença entre as pessoas não é contraditória com a igualdade de direitos, pois todos somos diferentes. Essa onda de negação das pesquisas sobre homens e mulheres é uma tentativa de se evitar que a igualdade não seja conquistada. Todavia, não é suprimindo diferenças e nem forçando uma igualdade de comportamento que se conquista a igualdade de direito e de respeito. Forçar uma igualdade de comportamento é que é cruel.

Os estudos das diferenças não afirmam que os atributos típicos de um dos gêneros sejam intrinsecamente superiores aos do outro. É um equívoco comum acreditar que as conclusões de estudos fornecem uma base para a discriminação, afirmando qual sexo é melhor e qual é pior. Estudar as diferenças comportamentais entre homens e mulheres não acarreta, necessariamente, discriminação. As pesquisas sérias não são feitas com esse intuito. As áreas das ciências cognitivas, das neurociências, e até mesmo da medicina, por exemplo, têm avançado muito nos últimos anos no estudo das diferenças entre homens e mulheres, tanto no que diz respeito ao comportamento quanto à anatomia, mecanismos neuronais, influências hormonais, entre outros. Tais avanços promovem mudanças no sentido de tratar os corpos de homens e mulheres mais de acordo com as suas singularidades.

O medo, evidentemente, é que diferença implique desigualdade – de que se os sexos diferem em qualquer aspecto, os homens teriam de ser melhores, ou mais dominantes, ou ficar com toda a diversão (Pinker, 2004).

Um sexo nunca será melhor que o outro e, embora um sexo possa ser melhor em determinado ramo de habilidades, isso de maneira nenhuma serve para generalizar, julgando-o como superior. Algumas pessoas consideram que exaltar as diferenças entre gêneros diminui as mulheres, entretanto achar que as características típicas dos homens são melhores que as das mulheres é o maior machismo de todos.

Além disso, homens e mulheres são muito mais semelhantes do que diferentes. Não somos idênticos, mas

Homens e mulheres possuem todos os mesmo genes, com exceção de um punhado no cromossomo Y, e seus cérebros são tão semelhantes que é preciso um neuanatomista com olho de águia para enconstrar as pequenas diferenças entre eles. Seus níveis médios de inteligência são iguais, segundo as melhores estimativas psicométricas, e eles usam a linguagem e pensam sobre o mundo físico e vivo da mesma maneira geral. Sentem as mesmas emoções básicas e ambos gostam de sexo, buscam parceiros conjugais inteligentes e gentis, sentem ciúme, fazem sacrifícios pelos filhos, competem por status e parceiros sexuais e às vezes cometem agressão ao se empenhar por seus interesses (Pinker, 2004).

Referências

Baron-Cohen, Simon (2003) Diferença essencial - A verdade sobre o cérebro de homens e mulheres. Rio de Janeiro: Objetiva.

Miller, A.S.; Kanazawa, S. (2007) Por que homens jogam & Mulheres compram sapatos. Rio de Janeiro: Editora Prestígio.

Pinel, J. P. (2005) Biopsicologia. Porto Alegre: Artmed, cap. 13 - Hormônios e desenvolvimento sexual (pp. 349-366).

Pinker, S. (2004) Tábula rasa - negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras.

Ridley, M. (2003) O que nos faz humanos. Editora Record.

Varella, M.A.C. (2007) Múltiplos parceiros. Revista de divulgação científica Psiquê, número 18.