terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ciúme – o que é pior para você?

Responda rápido, o que te incomodaria mais, (a) imaginar que seu parceiro teve relações sexuais com outra pessoa, tendo a certeza de que não formaram um vínculo emocional ou (b) imaginar que seu parceiro está apaixonado por essa outra pessoa, tendo a certeza de que não tiveram relações sexuais?


Se você é homem, é mais provável que tenha respondido (a), e se é mulher, que tenha respondido (b). Essa pergunta foi feita por pesquisadores em várias partes do mundo: Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Coréia, Japão e Suécia, que encontraram, em todos esses países, que homens ficam mais perturbados com o primeiro cenário, e as mulheres, com o segundo. O que pode explicar isso?


Bem, para começar, o ciúme pode ser definido como uma reação negativa ao envolvimento sexual e/ou amoroso real ou imaginado do seu parceiro com outra pessoa. Muitos estudos procuraram investigar se homens e mulheres diferem em seu ciúme, e não encontraram que um sexo seja mais ciumento do que outro.


As diferenças, porém, poderiam estar em algum outro aspecto que não o nível de ciúme. E as circunstâncias específicas que o geram? Poderiam ser diferentes para os gêneros?


Alguns psicólogos evolucionistas sugeriram que sim. Certamente haveria alguma diferença entre homens e mulheres, já que suas biologias reprodutivas são diferentes. Nos humanos, assim como na maioria dos mamíferos, a gestação ocorre dentro das mulheres, e não dos homens. A Teoria do Investimento Parental, de Trivers, afirma que o sexo que tem gastos obrigatórios maiores com a reprodução será mais seletivo na sua escolha do parceiro do que o sexo que investe obrigatoriamente menos.


Assim, as mulheres carregam custos maiores pela gestação interna, porém não sofrem com a dúvida de que o filho é seu. Nenhuma mulher duvida de que o filho que carrega é seu, já o homem não tem 100% de certeza de que é mesmo o pai (“Mama´s baby, papa´s maybe”). A infidelidade sexual da mulher, para o homem, é um forte indicativo de que ele poderia estar criando um filho que não é seu.


Já para a mulher, que com a longa gestação e infância dependente do filho necessita da ajuda do parceiro para adquirir recursos (comida, abrigo, defesa etc), uma infidelidade sexual do parceiro pode não significar necessariamente que ele irá abandoná-la, porém se estiver emocionalmente envolvido com a outra, esse é um indício mais forte de que ele poderá deixá-la ou desviar recursos para a outra.


Por isso, David Buss criou sua teoria dos tipos de ciúme – emocional e sexual – que difeririam em homens e mulheres. Claro que tanto a traição sexual quanto a emocional são ruins para ambos os sexos, mas Buss afirma que quando temos que escolher necessariamente entre uma das duas, as mulheres acham pior a segunda, e os homens, a primeira.


Essa tendência de os homens terem um ciúme sexual maior do que as mulheres, e essas, um ciúme emocional maior do que os homens na escolha forçada, provavelmente se relaciona com nosso passado evolutivo, em que as pressões seletivas foram diferentes para homens e mulheres, por seu papel reprodutivo diferenciado.


Você pode estar pensando, mas eu não tenho filhos e não penso nisso quando penso em traição. Sim, claro, praticamente ninguém pensa nisso (embora alguns pensem). O que está em jogo quando se fala em passado evolutivo e nessa explicação são as causas últimas, ou seja, por que razões, durante nossa evolução biológica, tal comportamento teria sido selecionado? Quando, porém, se fala do comportamento ou da situação em si, ocorrendo agora, a pergunta é outra: que fatores desencadeiam tal comportamento? A resposta pode envolver vários níveis de explicação, como hormônios, neurotransmissores, causas emocionais, cognitivas, infância, traumas etc.


Imagine a cena: você combina de almoçar com sua namorada e quando chega no restaurante, ela está na mesa conversando com outro cara, e os dois estão sentados bem próximos e dando risadas. Você sente ciúme agora porque viu sua namorada conversando com outro de um jeito que considera diferente, o que pode indicar que os dois têm ou podem ter um caso, e não porque ela pode carregar um filho que é dele e você terá que criar!


O raciocínio evolucionista vem como uma outra pergunta, que não é excludente com as causas próximas, e não pode ser confundido com ela: os tipos de ciúme provavelmente foram selecionados ao longo da nossa evolução pelos motivos acima descritos, essa é a resposta distal para “por que homens têm mais ciúme sexual e as mulheres, mais emocional?”. Uma resposta proximal envolve nossa cognição, emoção, hormônios, situações da vida que desencadeiam ciúme, mudanças no comportamento do parceiro. Somos psicologicamente voltados para perceber certos sinais que desencadeiam o ciúme, homens e mulheres diferem nesses sinais, e provavelmente essa nossa psicologia de hoje é fruto de uma história evolutiva.


Alguns pesquisadores, contudo, notaram algo de estranho na explicação dos tipos de ciúme de Buss. Eles sugerem que as diferenças encontradas nas pesquisas não se deve a uma suposta história evolutiva diferenciada, e sim ao fato de que homens e mulheres interpretam a situação de infidelidade de modo diferente. Chamaram essa hipótese de double-shot (dose dupla): a infidelidade sexual e a emocional não ocorreriam independentemente, e os indivíduos não escolheriam aquele cenário que mais o perturbariam, e sim o que mais confiavelmente indicaria a ocorrência do outro tipo de infidelidade.


Os homens achariam a infidelidade sexual da parceira mais perturbadora porque se ela está tendo relações sexuais com outro, provavelmente é porque está apaixonada, e o contrário não ocorreria, necessariamente. As mulheres achariam a infidelidade emocional mais perturbadora porque se ele está apaixonado, provavelmente está também tendo relações sexuais com a pessoa, mas não necessariamente o contrário.


Pesquisadores, foram, então, atrás de evidências para essa nova hipótese, até mesmo o próprio Buss. Eles realmente encontraram que tanto homens quanto mulheres acreditam que homens podem fazer sexo sem estarem apaixonados, e que os que estão apaixonados provavelmente estão fazendo sexo. Em contraste, tanto homens quanto mulheres acreditam que as mulheres podem se apaixonar sem fazer sexo, e que as que estão fazendo sexo provavelmente estão apaixonadas.


Contudo, Buss e outros pesquisadores argumentaram que a teoria da dose dupla não provê uma explicação de porque os homens e as mulheres diferem na sua escolha pelo cenário de traição sexual ou emocional. Além disso, a teoria da dose dupla também não explica porque as mulheres tendem a fazer sexo quando estão apaixonadas, e os homens não necessariamente, o que a explicação evolutiva explica. Em resposta a essa teoria, Buss modificou seus questionários, e ainda assim encontrou que o sexo do sujeito explica a diferença entre ciúme sexual e emocional.


Veja vídeos de David Buss no Marco Evolutivo.


Referências


Buss, D.M., Larsen, R.J., & Western, D. (1996). Sex differences in jealousy: Not gone, not forgotten and not explained by alternative hypotheses Psychological Science, 7, 373-375.


Dijkstra, P. Groothof, H.A.K. Poel, G.A., Laverman, T.T.G.., Schrier, M., Buunk, B. P. (2001) Sex differences in the events that elicit jealousy among homosexuals. Personal Relationships, 8, 41-54.


Trivers, R. (1972). Parental investment and sexual selection. In B. Campbell (Ed.), Sexual selection and the descent of man, 1871-1971. Chicago: Aldine.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Ciência e religião - a saída pacífica de Stephen Jay Gould

Todos conhecem o velho debate evolucionismo x criacionismo, que ainda tem rendido embates, o mais conhecido deles é a tentativa de se eliminar o ensino da evolução nas escolas, ou de, pelo menos, que as duas supostas “teorias” tenham o mesmo tempo de dedicação nas salas de aula.


Sthephen Jay Gould foi um destacado paleontólogo, biológo evolucionista e filósofo da ciência, que lecionou em Harvard, e faleceu em 2002. Seu nome é freqüentemente ligado a argumentos contra a Teoria da Evolução, sendo utilizado por muitos “do lado” do criacionismo. Isso principalmente pela teoria do equilíbrio pontuado, que desenvolveu junto a Niels Eldredge, propondo um mecanismo diferente ao de Darwin para a mudança evolutiva.


A ironia é que Gould foi um dos nomes mais influentes na derrota de leis que permitiam o ensino do criacionismo nas escolas em lugar do evolucionismo nos EUA. Sua obra tem sido mal-interpretada e usada a favor do criacionismo por aqueles que pouco entendem de ciência.


No livro “Pilares do tempo”, Gould trata da relação entre ciência e religião. Longe de ter uma atitude radical contra a religião, Gould, que nesse livro se diz agnóstico, propõe uma solução para o conflito entre ciência e religião, sem desvalorizar nem atacar nenhuma delas.


O próprio admite que não é uma idéia original. Muitas pessoas têm em mente que ciência é uma coisa, religião é outra, cada uma deve ficar restrita a seu lugar, e pronto. É exatamente isso que ele propõe, ou seja, uma separação respeitosa. Apesar de alguns outros acharem que o ideal seria uma unificação entre ciência e religião, Gould é cético:


Não vejo como a ciência e a religião podem ser unificadas, ou mesmo sintetizadas, sob qualquer esquema comum de explicação ou análise: mas tampouco entendo por que as duas experiências devem ser conflitantes. A ciência tenta documentar o caráter factual do mundo natural, desenvolvendo teorias que coordenem e expliquem esses fatos. A religião, por sua vez, opera na esfera igualmente importante, mas completamente diferente, dos desígnios, significados e valores humanos – assuntos que a esfera factual da ciência pode até esclarecer, mas nunca solucionar. De modo semelhante, enquanto os cientistas devem agir segundo princípios éticos, alguns específicos à sua profissão, a validade desses princípios nunca pode ser deduzida das descobertas factuais da ciência” (p. 12).


Sua proposta é simples: a não interferência respeitosa, em que ambas seriam magistérios não-interferentes. A palavra magistério se refere aqui a uma área de autoridade acadêmica; um magistério é uma área em que um modo de ensinamento tem suas ferramentas apropriadas para um discurso e solução significativos.


O autor chama a atenção para a falácia da guerra entre a ciência e religião, que diz ter sido forçada muitas vezes. Por exemplo, na questão da terra plana. Na escola, ouvimos a história de que Colombo, o fiel representante da ciência, lutou bravamente contra as trevas da religião e ousou navegar numa Terra que os medievais acreditavam ser plana. Gould diz que todos os maiores pensadores acreditavam que a Terra era esférica, e que não houve esse embate entre Colombo e Igreja, não do modo como nos foi contado, para forçar uma batalha.


São citadas duas obras, de Draper e White, que forçam uma suposta guerra entre ciência religião, e ambas iniciam com o exemplo da terra plana. Essa guerra foi se desenvolvendo como um tema-chave da história ocidental, e nos é ensinada nas escolas. É como se as duas fossem incompatíveis, não pudessem existir juntas, e a humanidade tivesse que escolher entre uma delas. A idéia que nos é passada é a de que a ciência significa liberdade e progresso, por oposição à repressão, escuridão e ignorância da religião. Esse ponto de vista ainda é adotado por muitos intelectuais.


Gould prefere uma visão menos maniqueísta, em que ambas têm a sua importância, suas características e seu lugar na vida humana (na plenitude da vida!). O ponto de vista dos magistérios, em que cada uma se restringe ao seu âmbito, impediria maiores conflitos.


A imposição do criacionismo nas escolas é um claro exemplo de não-separação-respeitosa, pois a religião invade o que é terreno da ciência. Por isso, Gould lutou bravamente contra as leis americanas que permitiam que isso ocorresse. Ele deixa claro que não lutou contra a religião, e sim pela invasão de um magistério por outro.


“ (...) nossa batalha com o criacionismo é política e específica, de modo algum religiosa, nem sequer genuinamente intelectual. (Perdoem minha agressividade, mas, até onde pude perceber, o criacionismo da Terra jovem não oferece nada que tenha algum mérito intelectual – apenas um punhado de alegações julgadas dentro do magistério da ciência e desacreditadas de maneira conclusiva há mais de um século)” (p.102).


O inimigo não é a religião, mas o dogmatismo e a intolerância, uma tradição tão antiga quanto a espécie humana e impossível de ser extinta sem uma eterna vigilância (...)” (p.118).


O autor mostra que a resistência contra a teoria de Darwin aparece também porque as pessoas tiram lições morais de fatos científicos. “(...) a verdade factual, da maneira como for constituída, não pode ditar nem sequer sugerir a verdade moral.”, interpretando que o darwinismo é uma defesa da guerra, dominação e exploração doméstica. Esse seria um exemplo de invasão da ciência para outros magistérios, não só a religião, como os valores sociais e culturais. “(...) a ciência não pode ditar uma política social” (p.133).


Referência


Gould, S.J.(2002) Pilares do tempo. Rocco: Rio de Janeiro.