terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Afinal, por que a vergonha existe?

Quando nossas avós nos dizem “Aquele lá é um sem-vergonha...” já podemos esperar que o que se seguirá é uma série de reprovações e recomendações de cautela com relação ao sujeito. Parece, então, que a vergonha é uma virtude, e ser desavergonhado, algo nada bom. Mas o que diria aquela pessoa que treme só de pensar em falar em público, ou ir a uma festa, até mesmo em procurar emprego ou reclamar seus direitos de consumidor? Com certeza que a vergonha é um peso do qual gostaria de se livrar na primeira oportunidade. E como seria o mundo totalmente privado da vergonha?
Primeiro é bom definir o que é a vergonha. Essa é uma emoção considerada autoconsciente ou social, porque ela nasce como conseqüência das relações sociais em que as pessoas não apenas interagem como também avaliam e julgam a si mesmas e aos outros. Ela é autoconsciente justamente porque desperta o indivíduo à consciência de si mesmo, e assim permite que regule seu comportamento.
Alguns autores, como Lewis, falam que para sermos capazes de sentir uma emoção social quatro aquisições cognitivas são necessárias: a capacidade de distinguir normas, regras e objetivos; a capacidade de avaliar os próprios comportamentos em relação a essas normas, regras e objetivos; o desenvolvimento da autoconsciência e a capacidade de focar em si mesmo.
Todas essas habilidades cognitivas parecem estar relacionadas com o desenvolvimento da “teoria da mente”. Apesar do nome, não se trata de uma teoria como estamos habituados a ouvir, como uma teoria científica. Trata-se da denominação de uma capacidade tipicamente humana: a de inferir estados mentais dos outros. É um sistema de referências que viabiliza comparações entre nosso mundo interno, subjetivo e o mundo externo, dos outros, permitindo que possamos nos ver representados na mente do outro.

O outro é como eu
Para ficar mais claro, essa é a capacidade que nos permite entender os outros como seres iguais a nós, que pensam também, que têm intenções, e que, portanto, têm opiniões, expectativas, e fazem julgamentos das outras pessoas. Assim, é provável que a vergonha surja no momento em que a criança passa a se ver como um ser social e consegue se colocar na perspectiva do outro, que é quando ela desenvolve a sua “teoria da mente”. Essa capacidade cognitiva permite uma assimilação de valores e normas sociais e acontece por volta dos três ou quatro anos. Contudo, não há consenso entre os estudiosos sobre a idade em que a vergonha, em si, apareça. Para alguns, traços da vergonha já começam antes do pleno desenvolvimento da teoria da mente.
De qualquer modo, a partir do momento em que a criança é capaz de sentir a vergonha plena, vivencia um turbilhão de sentimentos típicos. Normalmente quando acometida por essa emoção, a pessoa julga a si mesma como má, sente-se inferior, culpa a si mesma e possui um aumento da sua autoconsciência. Algumas pesquisas indicam que o envergonhado, em geral, não se sente injustiçado, não possui desejo forte de vingança; tenta fugir da exposição pública, foca seus pensamentos em si mesmo, tenta escapar dos olhares e não possui desejo forte de se desvincular dos sujeitos que presenciaram a sua falta.
A vergonha pode estar relacionada à quebra de regras, ao não respeito às normas e a valores sociais. Tem a ver com o fato do indivíduo se sentir inadequado. As pessoas querem se sentir atraentes, amadas e desejadas pelos outros. Temos uma grande preocupação com a imagem pública, isto é, com a forma como gostaríamos que os outros nos enxergassem e por isso, sentimos vergonha de nós mesmos quando reconhecemos que transgredimos ou que fomos incapazes de cumprir alguma regra ou comportamento considerado atrativo pelos outros. Por isso, ser o centro das atenções pode tão facilmente despertar a vergonha, pois é nessa situação que a pessoa está particularmente vulnerável ao julgamento alheio, e teme não corresponder às expectativas do grupo ou às próprias.
Assim, uma pessoa pode sentir vergonha a partir de avaliações internas, de seu autojulgamento, mesmo que ninguém a esteja criticando ou condenando. O indivíduo considera-se alguém não muito bom porque sente que outras pessoas perceberam que ele não possui competência ou que feriu regras, como ele pensou de si mesmo. Ou então ele sente vergonha só de imaginar essa situação, mesmo que ela tenha pouca chance de ocorrer. A vergonha estaria ligada a sentimentos de inferioridade que ocorreriam de duas formas: a partir do julgamento que o indivíduo faz de si próprio e a partir da perda de hierarquia ou status, este último vindo do seu grupo social. A culpa que ele sente de si mesmo pode fazer com que ele tome atitudes reparatórias, tentando consertar algo que fez de errado ou que julgou ter feito.

Função adaptativa
E aí está a provável função adaptativa da vergonha. Durante nosso processo evolutivo, a vida social foi tomando crescente importância. Assim, novos mecanismos foram surgindo a partir dos já existentes, para que fosse possível manter o equilíbrio social. E fazem parte desses novos mecanismos as emoções autoconscientes, pois conduzem os indivíduos ao respeito às normas sociais, provocam o automonitoramento em encontros sociais e despertam a chamada ansiedade social, que nesse sentido não é uma patologia, mas sim a preocupação em apaziguar desentendimentos, formar laços ou temer uma imagem ruim no grupo.
Vale lembrar que determinada característica física ou comportamental é adaptativa quando ela favorece a sobrevivência de um indivíduo, o que, em última análise, o ajudará também a deixar descendentes. Como a maior parte do que somos evoluiu durante o ambiente de adaptação ancestral, extenso período em que nossos antepassados sobreviveram como caçadores coletores, nem todos os comportamentos que herdamos são adaptativos ou funcionais nos dias de hoje.
Quem experimenta emoções autoconscientes como a vergonha colhe resultados como automonitoramento, aumento do olhar para si mesmo, autovigilância, aumento de sua autoconsciência e maior cuidado com o seu comportamento social. Portanto, a provável função evolutiva das emoções autoconscientes seria o cuidado com a imagem pública, que influencia o nível de atratividade social, tão importante para a aceitação no grupo e, indiretamente, para o sucesso reprodutivo. Além do mais, em um grupo no qual as pessoas seguem mais as normas há mais coesão, logo pode haver mais benefício para os indivíduos pertencentes a ele.
Outro ponto importante quando se fala em vida social é a comunicação do que se está sentindo para os outros. Daí voltamos àqueles mecanismos que antecederam as emoções autoconscientes. Em primatas não-humanos, como os chimpanzés, é comum uma exibição de gestos de apaziguamento em caso de transgressões. O mais característico é uma exibição silenciosa dos dentes, muito semelhante a um sorriso. Alguns pesquisadores acreditam que a vergonha seja característica unicamente dos humanos, já que demanda a “teoria da mente”, cuja existência não foi conclusivamente encontrada em qualquer outra espécie. Mas os gestos de apaziguamento dos chimpanzés nos mostram que provavelmente ali está a vergonha em sua forma incipiente. E apontam também para outro aspecto da vergonha, que é a sua comunicação para os outros.
Alguns gestos típicos da vergonha são mãos na boca, sorriso, corpo encolhido, desvio do olhar, rosto vermelho. Enrubescer ou ficar vermelho é uma das formas mais conspícuas de aparentar vergonha, é “dar bandeira” de que você foi acometido por ela. Será que corar tem algo a ver com a comunicação da vergonha para os outros? Afinal, por que isso acontece?

Dando bandeira
Darwin, em seu livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, de 1872, dedica um capítulo às emoções que desencadeariam o rubor. Ele diz que “o enrubescer é a mais especial e a mais humana de todas as emoções humanas”. Para ele, seria a preocupação exagerada com o que os outros pensam sobre nossa aparência pessoal que causaria o rubor. Tal idéia pode ser sustentada pelo fato de que a parte mais valorizada e observada do corpo, e que tem mais ligação com a avaliação do belo ou o feio, ser também a parte mais afetada pelo rubor: o rosto.
Várias emoções ligadas à preocupação com a opinião alheia podem levar ao rubor. Para Darwin, a vergonha é a sensibilidade à opinião alheia e, por isso, está intimamente ligada ao enrubescimento. Na presença de estranhos, o envergonhado cora por preocupação com sua aparência. Na presença de conhecidos, cora pela preocupação com a conduta moral.
Ainda segundo Darwin, vários autores acreditariam que o rubor é um instrumento de expressão, embora ele discorde. Segundo ele, o rubor não tem função, é apenas uma conseqüência fisiológica de fenômenos que acontecem em nosso corpo em determinadas situações, podendo até trazer desvantagens: constrange quem o observa e traz mais embaraço a quem o apresenta.
Na mesma linha de Darwin, alguns autores acreditam que o enrubescimento é uma conseqüência da avaliação interpessoal. Ou seja, quando tomamos consciência de que somos observados e representados pelo outro. Aqui o enrubescimento não teria uma função propriamente dita, sobre a qual a seleção natural teria atuado e a teria selecionado. Mas seria uma conseqüência da atenção do indivíduo sobre si mesmo. O indivíduo desperta sua autoconsciência (e logo emoções autoconscientes), avalia-se e sabe que está sendo avaliado pelo outro. Darwin também defendeu esta idéia em seus trabalhos. Por exemplo, quando uma pessoa tem que expressar suas idéias em público, e sente-se avaliada pelo outro.
Já outros pesquisadores, como Peter de Jong, pensam que o enrubescimento seria uma abordagem comunicativa e reparadora. Assim como os gestos de apaziguamento dos chimpanzés, o rubor seria uma tentativa de apaziguar e manter a coesão do grupo, um sinal de temor de possível represália do grupo, como agressão ou banimento.
Alguém que comete um descuido, como, por exemplo, quebrar algum objeto, se fica vermelho pode ser tido como alguém que reconhece sua falta, e assim, pode ser julgado mais brandamente. É alguém com “vergonha na cara”, ou seja, que reconhece suas faltas, que se preocupa com suas atitudes. Expressões involuntárias de emoção mostrariam que a pessoa é capaz de sentir vergonha, culpa e pode ser confiável. Uma pessoa que ruboriza quando comete erros passa a impressão de real arrependimento. As expressões não-verbais da vergonha podem ser enternecedoras e gerar simpatia e até mesmo atratividade. O rubor, então, entendido como forma de comunicação, pode ter sido selecionado ao longo da nossa evolução por sua função de amenizar situações.
Alguns autores discordam dessa visão e argumentam que uma pessoa que ruboriza facilmente poderia ser relacionada com fraqueza, uma imagem não favorável. Além do mais, um assunto pessoal levantado durante um diálogo pode causar rubor mesmo quando a pessoa não é o centro das atenções. Nesse caso o rubor é que pode chamar a atenção para a pessoa ruborizada, fazendo que ruborize ainda mais, mesmo sem sua vontade. Outro aparecimento indesejado do rubor seria quando uma pessoa falsamente acusada ruboriza. O enrubescimento dessa pessoa seria interpretado como admissão de culpa, sendo que ela poderia ter ruborizado pelo simples fato de ter sido apontada. Nesses casos, o rubor, em vez de trazer vantagens, traria desvantagens.
Muitos críticos da hipótese de apaziguamento apontam também que em nosso ambiente de adaptação ancestral éramos negros e que o rubor não teria a importância que tem para pessoas de pele clara, pois a visualização do rubor em pessoas de pele escura é mais difícil.


Parte de nossas vidas
Foi feito um estudo sobre enrubescimento em pessoas de pele clara e escura, e ele apontou que o aumento do fluxo sangüíneo e a temperatura no rosto em situações de embaraço não diferem entre elas. O que ocorre é que o tom da pele regula a intensidade de ruborização percebida pelos outros. Em pessoas de pele clara o rubor é mais evidente. Em outro estudo foram entregues questionários sobre o rubor a negros. Seus resultados apontam para a importância do rubor como regulador social também entre grupos de pessoas de pele mais escura, pois 80% dos negros entrevistados afirmam que percebem quando outro negro cora, principalmente se esta pessoa for da família ou conhecido. Apesar desses resultados, a polêmica ainda continua, e muitos pesquisadores não acreditam que a intensidade do rubor percebido entre negros seja suficiente para conferir alguma vantagem adaptativa.
Apesar das controvérsias da função do rubor, e de ele ser percebido mais facilmente em alguns povos, o fato é que ele é encontrado em muitos deles, assim como outros gestos típicos da vergonha. Europeus, hindus, polinésios, índios norte-americanos, malaios e chineses foram observados e notou-se que em todas as culturas se manifestavam expressões como o desvio do olhar, o rubor e a cabeça baixa. Tendo sido ou não selecionado naturalmente por uma provável função de apaziguamento, ou sendo apenas uma conseqüência fisiológica, ele faz parte de nossas vidas.
Mesmo sendo muito comum entre os povos, como os estudos indicam, a cultura confere particularidades ao rubor. Alguns pesquisadores afirmam que índios brasileiros passaram a enrubescer após o contato com o branco, pois começaram a prestar mais atenção em si mesmos, devido às interferências e ao novo modo de vida. Alguns povos praticamente não enrubescem, enquanto em outros isso é muito comum ocorrer. Parece que entre os ocidentais houve um reforçamento cultural do rubor. Há mais autoconsciência social que, associada ao tom mais claro de pele, intensificou o aparecimento do corar.
E há variação individual também. Algumas pessoas coram com muito menos dificuldade do que outras, e algumas nunca coram. A vergonha também varia de pessoa para pessoa. Existem aquelas que só a sentem em certas situações, como falar em público ou cometer alguma gafe, enquanto outras já a sentem ao menor sinal de atenção voltada para elas. Essas últimas são conhecidas como tímidos.
Como os tímidos responderiam à questão inicial, será que eles gostariam que a vergonha simplesmente não existisse? Muita vergonha pode nos dificultar a vida, nos impedir de fazer muitas coisas. Contudo, algum grau dela é necessário. Se não nos preocupássemos nem um pouco com o que os outros pensam, não mediríamos nossas ações e não repararíamos nossas faltas. A vida social ficaria bem mais difícil, o que é uma ironia para os tímidos, para quem a vergonha parece impedir os contatos sociais. Parece que a vergonha é como vários outros traços humanos: é necessária em pequena dose, mas sua falta ou excesso pode nos colocar em apuros.

Cantinho da entrevista: a voz do especialista

Yevaldo Lemos Pereira é doutorando pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e estudou embaraço, vergonha e humilhação no mestrado dentro da abordagem da Psicologia Evolucionista. Agora, no doutorado, estuda o enrubescimento social. Ele contribuiu grandemente com o desenvolvimento desse texto e aceitou responder a algumas perguntas sobre sua área de estudo.

Isabella - Como surgiu o seu interesse pelo tema?
Yevaldo - Enrubescimento é praticamente uma extensão de vergonha e embaraço, emoções que foram tema do meu mestrado em conjunto com humilhação. Mas há uma particularidade maior. Na época de Charles Darwin, os criacionistas defendiam que o rubor tinha sido deixado pelo Criador para que os homens pudessem mostrar sua culpa. Dentro dessa premissa, homens enrubesciam. Como se supunha que os negros e os nativos das colônias não enrubesciam, eles não seriam de todo homens, o que servia para justificar a escravidão. E o pior, eles citavam passagens bíblicas para justificar seu argumento, e é claro, para defender seus interesses.
A família de Darwin se opunha à escravidão há gerações. Mas ele sentiu tamanha repulsa em sua primeira experiência com escravos quando o Beagle atracou na Bahia, que chegou a brigar com o capitão do navio, que defendia a escravidão. Por essa atitude, ele quase teve que abandonar sua viagem de volta ao mundo. Essa contrariedade era tão forte em Darwin que alguns autores defendem que ele teria inclusive manipulado as explicações teóricas quanto à função e presença do rubor na humanidade somente para contrariar os criacionistas e se opor à escravidão. Sendo assim, surpreendentemente, Darwin defendeu em A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais que o rubor não é adaptativo, isto é, que o rubor não é fruto da evolução por meio da seleção natural.

Isabella - Existe uma explicação evolutiva nesse tema?
Yevaldo - Dentro da abordagem psicobiológica, parte significativa dos comportamentos presentes na humanidade foram adaptativos em algum lugar do passado da nossa espécie. Se alguns não fazem sentido nos dias de hoje, como o grooming (efetuado entre as pessoas via telefone por meio de conversas intermináveis em que o que menos importa é o assunto), esses comportamentos não são suficientes mal de forma a prejudicar a sobrevivência. É possível que o rubor exista para apaziguar, como acreditam o pesquisador holandês Peter de Jong e colegas. Eu trabalho nessa hipótese.

Isabella - Fale um pouco da sua pesquisa no doutorado.
Yevaldo - Minha pesquisa de doutorado relaciona uma possível função para o rubor dentro do contexto de apaziguamento, como acontece com o sorriso humano. Mas essa idéia causa problemas visto que, embora negros e etnias de pele mais escura enrubesçam tanto quanto pessoas de pele mais clara, a visualização é mais difícil. Sendo assim como é que ficaria essa hipótese de apaziguamento?

Isabella - Você se considera tímido?
Yevaldo - Com certeza. Mas acho que já fui muito mais e, acredito que meu tema de estudo ajudou-me a superar. Talvez assumindo ou libertando-me na demonstração de expressões de embaraço como o sorriso, por exemplo. Mas um tímido será sempre um tímido e vez por outra a autoconsciência, como a que ocorre em certas situações sociais, bloqueia-me totalmente os pensamentos.
Texto adaptado da publicação original na revista Psique Ciência & Vida, número 24, jan/2008.


Para saber mais


Darwin, C. (2000) A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais. Companhia das Letras. (Original publicado em 1872).

De Jong, P.J. (1999) Communicative and Remedial Effects of Social Blushing. Journal of Nonverbal Behavior, 23 (3), 197-217.

Pereira, Y.L. (2002) Conseqüências adaptativas e diferenciação de emoções autoconscientes: embaraço, vergonha e humilhação. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Dica de livro: O que nos faz humanos

Apesar do nome sugerir um livro de poemas ou algo do gênero, logo o subtítulo ajuda a esclarecer: genes, natureza e experiência. Ainda ficou vago? Então vamos à primeira frase da contracapa: “O comportamento humano é produto da natureza (genes), ou da criação (ambiente)?” Ok, talvez você pense, “Ah, não, de novo esse assunto... todos já estão cansados de saber que não é nem uma coisa e nem outra, o ser humano é uma mistura complexa de genes e ambiente”. Mesmo que você seja esclarecido disso (até porque os professores de Psicologia e áreas afins minimamente sensatos repetem esse discurso incessantemente) ainda assim você pode ganhar muito com essa leitura. Vamos lá!

Matt Ridley, o autor, é um zoólogo que conduz muito bem os capítulos sempre com esse fio condutor: “não é mais uma questão de natureza versus criação, mas de natureza via criação" (Observação cabível: o título original do livro é “Nature via nurture”, um trocadilho que só faz sentido em inglês, pois nurture pode ser traduzido como “criação”).

Por que me apaixonei pelo livro? Porque assim como muitos, também não agüentava mais ouvir a ladainha de “interação complexa entre ambiente e genética”, mas foi esse autor que me mostrou de maneira clara, com exemplos, o que isso realmente quer dizer. Aliás, isso acabou virando um discurso politicamente correto. Claro, um pesquisador sério não é bem visto quando se mostra extremista, então ficar num meio termo, afirmando que tanto genes quanto criação importam parece ser uma saída muito boa. Contudo, muitas vezes o discurso se torna vazio, parece que se falando nisso falou-se tudo. Até porque ninguém vai contradizer e poucos vão questionar.

Enfim, alguns pontos em que ele toca. Primeiro, sabe aquela história de o ser humano e o chimpanzé terem aproximadamente 98% dos genes idênticos? Pois é, o que isso significa exatamente? Ridley lança luz nesse tema falando de genética em linguagem compreensível e cativante. Que mais... hum... instintos. O ser humano tem instintos? A inteligência é genética ou se deve à aprendizagem? A criação é reversível e a natureza não? O que significa exatamente um gene? Genes e livre-arbítrio são incompatíveis?

Bom, são temas com certeza muito interessantes. Ridley passa por eles sempre citando grandes nomes, como Darwin, Galton, William James, Pavlov, Watson, Freud, Durkheim, Skinner, Piaget, Lorenz, grandes conhecidos dos psicólogos. Uma coisa que é central (e que não vai “estragar” a leitura de ninguém, espero que só aguce a curiosidade) é que o autor diz que grande parte dos mal-entendidos e confusões se deve ao fato de achar-se que os genes são irreversíveis, imutáveis, e a criação sim. Logo, a igualdade política, econômica, enfim, entre os humanos, só poderia ser alcançada através da cultura (ou criação, ou ambiente). Entram aí vários medos humanos, como o da não-existência de livre-arbítrio, o de nunca ser possível alcançar a igualdade entre as pessoas e de se fazer justiça social, o de não sermos seres especiais feitos à imagem e semelhança de Deus... Enfim... Isso está me lembrando a outro livro... Tabula Rasa.... Esse vai ficar para uma futura dica.

Obs 2. Se alguém tiver lido O que nos faz humanos ou quiser falar mais sobre isso (rs) faça comentários aqui. Estou carente de boas discussões na Psicologia (leve desabafo).

O que noz faz humanos. Matt Ridley. Editora Record, 2004, 399 páginas.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Especial Psicologia Evolucionista

Permitam-me outra proganda. Saiu no mês passado e ainda está nas bancas a edição especial da revista Psique sobre Psicologia Evolucionista.

É legal para quem quer saber mais da área, como um primeiro contato. Eu e o pessoal do laboratório (PSE-Etologia-USP) escrevemos alguns dos textos, com temas variados, como: mal-entendidos comuns que ocorrem nessa abordagem, depressão pós-parto, amizade, desejo por variedade sexual, como fazemos escolhas, porque nos atraímos por características dos filhotes etc.

Fica aí a dica.