domingo, 7 de novembro de 2010

Resenha - Psychology, a graphic guide to your mind and behaviour

Costumo me interessar por materiais que passem conteúdo de forma didática, e nessa linha, os livros feitos em estilo de história em quadrinhos, com desenhos, piadas, gráficos, me chamam a atenção. Adquiri o livro Psychology, A graphic guide to your mind and behaviour, de Nigel C. Benson, por curiosidade e em busca de um livro pequeno e simples que provesse uma noção geral do que é a psicologia.


O livro faz parte da coleção "Introducing", que tem o objetivo de introduzir grandes temas ou áreas de conhecimento de forma didática. Alguns outros títulos da série são "Post-modernism", "Phisolophy", "Logic", "Ethics", "Freud" e "Mind & Brain", esse último me interessa bastante, mas não encontrei para comprar. O livro é pequeno tanto em altura e largura, quanto em número de páginas, fácil de carregar e de ler.




A primeira página começa com a questão central, "What is psychology?", e coloca as várias definições postas ao longo do tempo. Todas as páginas contém ilustrações, muitas são de figuras destacadas no campo, como Freud e Skinner. O livro tem um tom de graça, quando possível, faz uma piada ou coloca a informação de modo engraçado. Isso não faz com que perca o conteúdo, pelo contrário, a meu ver torna a absorção mais fácil e duradoura. Um ponto forte é que há uma tentativa de dar voz às mais variadas teorias dentro da psicologia, justamente mostrando a variedade e amplitude da área, em que nenhuma está com toda a razão, e nenhuma com nenhuma razão.


A quem o livro pode interessar? A princípio, leigos curiosos podem tirar bastante proveito, porque a linguagem é simples, e toca em dúvidas que as pessoas em geral têm, como qual a diferença entre psicologia e psiquiatria, qual a metodologia usada nos experimentos, e introduz as teorias de Freud, de Skinner, da Gestalt. Porém, apesar de o livro parecer "pequeno", creio que alunos de psicologia também se beneficiariam bastante. Normalmente na faculdade temos várias matérias, cada uma de uma linha teórica, mas dificilmente temos uma visão ampla de tudo, em que fique clara a história das ideias, tanto em linha temporal quanto no impacto e aceitação em cada momento.


Li o livro após ter me formado, e confesso que ele me ajudou a organizar algumas coisas que estavam soltas na minha cabeça, dando sentido para teorias e/ou autores que pareciam dispersos. Claro que não se trata de uma super reflexão complexa, contudo como ponto de partida cumpre seu papel. Talvez seja interessante para alunos de primeiro ano, ávidos por uma visão mais ampla que os ajude a entender o que é aquele campo de conhecimento, afinal. Algumas questões que estamos sempre discutindo no curso, como se psicologia é ciência, qual o papel da genética no comportamento humano, a utilidade dos testde de QI, etc, são abordados.


Claro que não se pode ter uma visão ingênua e achar que o livro é neutro e conta a história de uma maneira que seria a única possível. O autor tem seus vieses, como qualquer um, e ainda que seja visível o esforço para dar espaço para as mais diversas teorias, a forma como ele organiza, nos conta as coisas, diz algo sobre o que ele pensa ser a psicologia. Outros autores fariam diferente, o que não invalida nem a sua forma de contar nem a de outros. Mais abertamente, percebi um claro viés contra o que o autor chama de perspectiva bio-psicológica, na página 115 ele escreve: "Although not a School, it has a strong tendency towards a reductionist approach - reducing behaviour to its neuronal and biochemical elements. To most bio-pshycologists, the mind and counsciouness are simply the activities of the brain. (...)".


Primeiro que ele utiliza o termo reducionismo sem explicá-lo, o que passa a impressão de que ele quer deixar a interpretação popular sem modificação, a de que o reducionismo é reduzir de modo a perder, a deixar de lado, de modo danoso. De fato, o reducionismo é uma estratégia muito utilizada em ciência, que consiste em fazer um recorte, realmente diminuir o objeto de análise, para que ele possa ser estudado. O reducionismo, porém, não significa, necessariamente, que esse corte é feito de modo danoso, já que os pesquisadores costumam ter em mente que aquele é um recorte, e não o fenômeno em si, e fazem os devidos ajustes ao falar do fenômeno real. O reducionismo é necessário ao se estudar muitos fenômenos, e, em si, não é ruim, pode ser ruim se tomado como o fenômeno em si, mas não é o habitual.


O modo como ele utiliza a palavra "simplesmente" deixa passar que ele discorda fortemente dessa abordagem, que para ele parece ser uma tentativa de explicar tudo, o comportamento, a mente, a consciência, através de sinapses e neurotransmissores. Tenho que concordar com ele que muitos pesquisadores têm levado adiante essa ideia, numa obsessão em encontrar no hardware, o cérebro, a explicação para tudo. Porém, extremistas podem ser encontrados em qualquer abordagem, não sendo privilégio de nenhuma em particular. O que considerei inadequado por parte do autor foi a crítica mordaz a essa abordagem, demonstrando claro preconceito, pegando um mau uso que pode ser cometido em qualquer linha, e tomando como se fosse a regra. Fora isso, em poucas outras passagens encontrei tal viés pessoal tão explícito. Ou o viés estava lá, e eu não o percebi por ter o mesmo viés... (isso pode acontecer!).


Portanto, tendo em mente que o livro é feito por um autor, que tem seu próprio modo de passar a informação, com suas ideias, vieses, fraquezas etc., e que não é a verdade absoluta, creio que se trata de um bom guia para uma visão geral da psicologia. Tanto leigos quanto estudantes de psicologia podem se beneficiar. O livro é engraçado, gostoso de ler, e nos faz pensar, o que considero qualidades destacáveis.




Benson, N.C. (2007) Psychology: a graphic guide to your mind and behaviour. Icon Books.

sábado, 12 de junho de 2010

Dica de livro - O erro de Descartes


A emoção tem sido largamente considerada como a face oposta da razão. De acordo com a tradição popular, muitas vezes deveríamos pensar fria e racionalmente, e não se deixar dominar pelos sentimentos. O ser humano tem sido diferenciado dos animais pela sua suposta “racionalidade”, que o permitiria dominar suas paixões animais. Além disso, o homem foi tido, por muito tempo, como o senhor da razão, e as mulheres, da emoção, sendo, por isso, consideradas inferiores a eles.

Na filosofia, grandes pensadores como Aristóteles, Descartes e Spinoza analisaram as emoções. Charles Darwin (1872/2000) considerava as emoções como equivalentes comportamentais de vestígios de órgãos (como o apêndice), que derivariam de fases anteriores da evolução. Na psicologia, Freud desenvolveu teorias sobre desordens emocionais e traumas infantis. Esses grandes nomes influenciaram a opinião popular quanto às emoções serem de pouca utilidade e danosas (Oatley, 1999).

No âmbito mais específico sobre mente e cognição, a emoção foi, por muitas décadas, negligenciada na área das ciências cognitivas (Damásio, 2006; Del Nero, 2002; Oatley, 1999). Quando comparada com a literatura em aprendizagem ou percepção, a pesquisa em emoções está atrasada (Oatley, 1999). Um dos primeiros trabalhos que envolviam uma aproximação cognitiva das emoções foi o de Bowlby (1969/1990), que propôs que as crianças desenvolvem um modelo mental da sua relação com seu cuidador.

De acordo com a Enciclopédia de Ciências Cognitivas do MIT (1999), as emoções por si apenas se tornaram um tópico científico legítimo nas décadas recentes. Uma parte da aceitação se deve aos influentes estudos trans-culturais de Paul Eckman sobre expressão facial (Ekman, Sorenson, & Friesen 1969), que sugeriram uma base inata e biológica para a experiência emocional. Fatores sociais também facilitaram a entrada das emoções na arena da pesquisa em neurociência, como o apoio popular às emoções como uma característica significante da vida humana (McCarthy, 1989).

Um dos neurocientistas que tem se debruçado sobre o tema das emoções é António Damásio. Sua visão das emoções no contexto do funcionamento cerebral e mental, somada aos seus trabalhos desenvolvidos, podem ser considerados revolucionários.

Em "O Erro de Descartes" (2006), Damásio trabalha com o tema das emoções e sentimentos do ponto de vista neurocientífico. Para o autor, os sentimentos são tão cognitivos quanto qualquer outra percepção. As emoções são parte integrante do cérebro humano, que nos habilita à interação com o meio. O autor mostra como que as emoções são parte essenciais da racionalidade.

A hipótese do marcador somático envolve a idéia de que a emoção é parte integrante do processo de raciocínio e pode auxiliar esse processo, ao invés de atrapalhá-lo. A emoção abriria a possibilidade de levar seres vivos a agir de maneira inteligente sem precisar pensar com inteligência. O sistema de raciocínio teria evoluído como uma extensão do sistema emocional automático.

O nome marcador somático vem do fato de que sentiríamos um estado somático, do corpo (emoção), que marcaria uma imagem. O marcador-somático faria convergir nossa atenção para o resultado negativo ou positivo a que a ação poderia nos conduzir, e atuaria como um alarme automático.

[...] os marcadores somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Esses sentimentos e emoções foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários (Damásio, 2006, p. 206).

A emoção proviria ao cérebro um quadro do estado do resto do corpo, por isso “marcador somático”. O sentimento seria a “vista” momentânea de uma parte da paisagem corporal. “[...] a essência de um sentimento (o processo de viver uma emoção) não é uma qualidade mental ilusória associada a um objeto, mas sim a percepção direta de uma paisagem específica: a paisagem do corpo” (Damásio, 2006, p. 14).

Afinal, qual o erro de Descartes? A separação abissal entre o corpo e a mente. Mais especificamente, a sepração das operações mais refinadas da mente, para um lado, e da estrutura e funcionamento do organismo biológico, para o outro.

Para saber mais, leia esse maravilhoso livro!

Referências

Bowlby, J. (1990). Apego e perda: Apego, a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes. Original publicado em 1969.

Darwin, C. (2000). A expressão das emoções nos homens e nos animais. Companhia das Letras. Original publicado em 1872.

Damásio, A.R. (2006) O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.

Del Nero, H. S. (2002) O sítio da mente: pensamento, emoção e vontade no cérebro humano. Versão eletrônica.

Ekman, P., E. Sorenson, and W. Friesen. (1969). Pan-cultural elements in facial displays of emotion. Science 186: 86–88.

McCarthy, E. D. (1989). Emotions are social things: An essay in the sociology of emotions. In D. Franks and E. D. McCarthy, Eds., The Sociology of Emotions: Original Essays and Research Papers. Greenwich, CT: JAI Press, pp. 51–72.



Oatley, K. Emotions. In Wilson, R.A., Keil, F.C. (editores) (1999) The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences.


domingo, 17 de janeiro de 2010

Isso é irracional!

O conceito de racionalidade é pouco discutido no círculo da psicologia, sendo mais comum à filosofia. Por isso, decidi escrever um pouco sobre ele, de um ponto de vista da psicologia cognitiva.

Irei me basear no autor Jonathan Baron (2008), professor de psicologia na University of Pennsylvania. Usamos muito o conceito de racionalidade no nosso dia-a-dia, fulano é “racional”, siclano foi “irracional” etc. Nesses casos, racional parece significar decisão acertada, pensada friamente, sem a influência de emoções, com lógica.

Baron tem uma definição diferente para racionalidade, que é pensamento racional é aquele que melhor ajuda as pessoas a atingirem seus objetivos. Isso inclui a procura por evidências que ajudem a uma decisão mais acertada, e inferência. Assim, o pensamento racional pode ser definido relativamente a uma certa pessoa, em certo período, que tem certo conjunto de crenças e objetivos. A racionalidade concerne aos métodos de pensamento que usamos, e não às conclusões do pensar.

Uma pessoa não é “irracional” ou “racional”, porque a racionalidade não é uma questão de tudo ou nada, e sim de grau, um modo de pensar pode ser mais racional que outro.Racionalidade também não é uma questão de pensamento egoísta e frio. Objetivos morais, como respeitar os sentimentos dos outros, ajudar pessoas, são objetivos que a maioria de nós temos.

O pensamento não precisa não ter emoções para ser racional. As emoções são um tipo de evidência, que nos levam a decisão. Além disso, ter emoções prazeirosas normalmente já são os nossos objetivos, assim como evitar as não-prazeirosas.

Normalmente se usa “emoção” como um substituto para “irracional”. A relação entre pensamento racional e emoção é muito mais complexa do que um simples contraste entre eles. Separar razão e emoção é algo comum e equivocado, dificilmente essas duas dimensões são separadas, como tem defendido o neurocientista Antonio Damásio.

Pensar racionalmente também não é o mesmo que pensar muito, porque se refere mais ao método do que a quantidade. Pensar muito leva tempo e pode significar que não se está com um bom método. E cada situação requer um tanto de tempo a ser dispendido.

Outra ideia comum é a de que a pessoa que pensa racionalmente não pode ser uma pessoa feliz. Talvez isso tenha a ver com o fato de pensar que felicidade necessite um tanto de auto-engano. Por exemplo, “essa situação não é tão ruim assim, poderia ser pior”, “não estudei muito, mas deve ser o suficiente para ir bem no teste”. Em alguns casos, o auto-engano pode ser útil, por exemplo, quando se está numa situação que não pode ser mudada (uma doença incurável). Porém, em outros casos, o melhor para atingir seus objetivos é não se enganar. Se você quer tirar boas notas, não se engane achando que o pouco que estudou irá bastar, porque isso o afastará de atingir sua meta.

Referência

Baron, J. (2008) Thinking and deciding. Cambridge University Press.