sábado, 17 de maio de 2008

Entrevista: carreira do psicólogo

Esta semana conversei um pouco com o professor Marcelo Afonso Ribeiro, do departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP, sobre a carreira do psicólogo. Bom, acabamos falando de outras coisas também, como a representação social da psicologia. Confira!

CientíficaMente - O que é Psicologia?
Eu acho que a psicologia é uma área de saber que vem do cotidiano, da filosofia, e que se dedica, com coragem e ousadia, a tentar entender o comportamento humano. A psicologia, de alguma maneira, tem como objetivo estudar o que acontece na relação entre o corpo biológico e uma sociedade constituída, entender a relação indivíduo e mundo social e construir teorias que possam dar conta de ajudar também. Pensando na parte mais prática, ajudar as pessoas com as suas questões, com os seus conflitos nessa relação.

CientíficaMente – Professor, você acha que as pessoas, em geral, sabem o que é a psicologia?
Eu acho que tem um estereótipo do que é o psicólogo, muito via mídia: o psicólogo clínico, aquele que atende problemas, que faz diagnóstico, com quem você vai conversar porque tem um problema. Essa é uma das áreas da psicologia que ainda existe, não que tenha deixado de existir, mas acho que como todas as outras profissões, há uma fragmentação. Os limites já não estão mais claros entre o que é uma atribuição do psicólogo, atribuição do administrador, do médico, do cientista social, e de todas as outras profissões. Isso é interessante em um nível, porque você tem aí mais possibilidades de trabalho. Não é exclusivo da psicologia estudar o ser humano, outras áreas também se dedicam a atuar. Por outro lado, também é perigoso, porque você tem a entrada de áreas, pessoas, que não têm o rigor necessário. Então essa fragmentação é positiva porque faz crescer, mas também é negativa porque entram mais coisas que não são necessariamente boas. E no senso comum as pessoas não conseguem definir o que é o quê.

CientíficaMente - E qual você acha que é a principal causa dessa visão senso comum da psicologia?
De alguma maneira, quem não tem acesso via escola, via educação a alguma área do saber, acaba tendo contato pela mídia impressa e televisiva. Há muitos profissionais que vão à mídia e falam em nome da área, alguns com propriedade, outros não. Alguns nem mesmo são da área e as pessoas os identificam como se fossem. Como exemplos temos aqueles programas de auditório cujos apresentadores não são psicólogos, no entanto as pessoas acham que são. Eles inclusive fazem interpretações ao vivo, que são duvidosas. Então as pessoas vão construindo uma representação social do que é o psicólogo a partir disso, daí acontecem muitas misturas. Eu acho que o que mais forma o senso comum é a mídia. Em muitas revistas há seções sobre comportamento em que supostos profissionais dão a sua opinião quando não teriam condição de fazê-lo.

CientíficaMente - Você vê alguma saída para isso?
Eu acho que a psicologia deveria - na verdade o Conselho Federal (CFP) há alguns anos tenta fazer isso - freqüentar mais a mídia só que com qualidade, com rigor, até de forma institucional, explicitando o que é a psicologia. Esse espaço está sendo conquistado aos poucos, por exemplo, o CFP teve, por algum tempo, um espaço no canal Futura. Contudo, eu fico pensando, quem é que tem acesso a um canal de TV paga? É restrito a pessoas que provavelmente já têm outra visão da psicologia. Acho que deveria haver um espaço para mostrar o que é a psicologia, explicitando aquilo que parece estar formando a opinião das pessoas. Não sei exatamente como, porque é uma tarefa difícil.

CientíficaMente - E com relação à carreira do psicólogo, hoje em dia há mais possibilidades além da clínica?
A psicologia tem as áreas mais tradicionais, instituídas, em que algumas já não mais tão seguras. Por exemplo, o consultório antigamente era a opção óbvia – você se formava, abria seu consultório e pronto. Hoje em dia você até pode abrir seu consultório, tentar uma estabilidade, porém há mais pessoas fazendo isso e não está tão simples assim você manter essa atividade. Você pode trabalhar em escolas, que abriram mais espaço para nós, e as empresas, que sempre tiveram vagas e provavelmente sempre terão. Essas áreas já são instituídas, mas hoje se abriram mais possibilidades. Áreas em que nem se pensava que o psicólogo poderia contribuir, como na política, na gestão, em instituições, em comunidades, no trânsito, com engenheiros, enfim tudo que envolva impactos no comportamento humano cabe também ao psicólogo. O problema é que, por exemplo, pensando em alguém que está em formação, você acaba tendo contato com as áreas mais tradicionais, e tem outras áreas que você vai constituindo seu espaço. Isso é algo bom, porque agora você pode chegar e dizer que tem um conhecimento, que pode contribuir. Você pode construir um espaço, apesar de que leva um tempo para isso ocorrer. O risco é as pessoas não te reconhecerem como psicólogo, dão outro nome, fica como outra coisa. Estamos nessa abertura de novos campos de trabalho, mas que ainda não estão consolidados como tal. Alguns já estão, como a psicologia jurídica, a psicologia do esporte, a psicologia hospitalar, que há dez, quinze anos ninguém saberia dizer o que eram. Também podemos aproveitar áreas que estão consolidadas em outros países. Hoje há mais abertura, por outro lado isso deixa as pessoas sem referências, mais confusas com relação ao que o psicólogo é e faz.

CientíficaMente - E o que você acha que diferencia o psicólogo dos demais profissionais que lidam com humanos?
Eu acho que é o olhar. Nós desenvolvemos um olhar que é muito específico. O curso - teoricamente, não que todos tenham isso - te dá uma chave de leitura da realidade muito particular (chamo de realidade as pessoas, as instituições, as organizações, dimensões da vida). Isso nos ajuda a entender para além da superfície. Acho que a maioria das profissões não vai para além da superfície, até porque não se propõem a isso. As nossas grandes ferramentas são o diagnóstico, em um sentido mais amplo, pensado em termos de leituras, interpretação, análise da realidade, e a forma como se acessa essa realidade. A entrevista, por exemplo, é um instrumento fantástico que nós temos, e nós extraímos coisas dessa entrevista que outros profissionais não extraem. É uma leitura muito particular da realidade, que consegue entender um pouco as pessoas, as relações das pessoas, e ajudar no que estabelece o cotidiano de todas as outras profissões.

CientíficaMente - Você acha que as faculdades, os cursos de psicologia em geral, conseguem mostrar esse campo aberto de atuação do psicólogo?
Olha, mais ou menos. O campo tradicional é apresentado. Não dá para dizer genericamente, acho que algumas faculdades têm isso, essa preocupação, outras não têm. Algumas fazem isso de um modo mais integrado, dentro do currículo, outras não, fazem palestras, por exemplo. As faculdades estão preocupadas, mas varia o nível de preocupação e ação para dar conta disso. Até porque tem muita coisa nova, e muitas áreas ainda não estão consolidadas, umas são legais, outras não. Às vezes você traz para dentro do curso de psicologia alguém que mistura psicologia e coisas esotéricas, o que é um problema. A formação em psicologia é algo complicado. Você fecha a grade curricular e aí surge uma nova área.

CientíficaMente - E o que você acha que os alunos podem fazer para entrar mais em contato com as possibilidades de carreira?
Eu acho que tem que conversar muito com os professores, e também com os colegas. Às vezes o colega que senta a seu lado está fazendo um estágio muito legal, em algo que você nem imaginava. Principalmente conversar com os professores, porque às vezes ele dá uma aula que tem que dar, mas a experiência dele é outra. Uma coisa que não se faz, eu como aluno não fazia e não vejo meus alunos fazendo, é conhecer um pouco o professor. Ver o que ele faz, o que ele pesquisa, o que ele estuda, onde ele trabalhou, o que já fez... Saber a história de vida dele é interessante, até porque ele pode te dar dicas de por onde ir, como caminhar. É importante conversar com vários, não com um só. Hoje em dia temos a Internet, mas nem sempre você sabe se a informação é válida. É legal ter alguém como uma referência, que te ajude nesse caminho. Eu ainda acho que a graduação é um espaço de exploração e de experimentação. Esse é o objetivo. Quanto mais se explorar e se utilizar do material físico e humano da universidade, melhor. Não que isso vá garantir que quando você se forme terá uma inserção perfeita no mercado de trabalho. No entanto, quanto mais informação, mais fácil você consegue. Claro que há também outros fatores, como características pessoais, contingências do momento, da área que você escolheu. Tem áreas que a inserção é fácil, e em outras você terá que inventar e batalhar para abrir seu espaço.

Queria agradecer ao professor Marcelo pela entrevista e por nos fazer refletir um pouco sobre psicologia e carreira. E claro, por dar a dica de que nós, alunos de graduação, devemos ser mais ativos e aproveitar ao máximo as possibilidades do curso, não ficando apenas restritos ao âmbito das aulas.

Concordo plenamente com o professor Marcelo que a graduação deve ser um espaço de experimentação, e conversar com professores é algo realmente importante. Aguardem as próximas entrevistas do CientíficaMente.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Terapia Cognitiva x Psicologia Cognitiva

Confundir terapia cognitiva com psicologia cognitiva é comum. Apesar de terem algumas semelhanças, elas não são sinônimas.

A terapia cognitiva (TC) foi desenvolvida por Aaron Beck no início da década de 60, na Universidade da Pensilvânia, EUA. Nessa época, Beck tinha como objetivo investigar os mecanismos inconscientes propostos pela psicanálise para explicação da depressão a partir de estudos empíricos e observações clínicas sistemáticas. Os resultados de suas investigações não se mostraram compatíveis com as pressuposições psicanalíticas, levando-o a buscar outros construtos que explicassem mais satisfatoriamente os dados empíricos observados.


Sua preocupação era oferecer um modelo abrangente do funcionamento cognitivo (inicialmente de depressivos), que apresentasse coerência interna e compatibilidade com as observações clínicas, possibilitando que novas intervenções psicoterápicas pudessem ser desenvolvidas.

A terapia de Beck foi então concebida como uma psicoterapia breve, estruturada, orientada para o presente, direcionada para a resolução de problemas atuais e para modificar comportamentos disfuncionais. Desde então, Beck e seus seguidores vêm adaptando com sucesso essa terapia para um conjunto surpreendentemente diverso de populações e desordens psiquiátricas, como depressão, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo etc.

Logo depois houve uma junção com pressupostos da terapia comportamental, e daí nasceu a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Ultimamente esse termo acaba abrangendo muitas formas de terapia, algumas com enfoque mais cognitivista, outras mais comportamentalistas, porém em geral todas buscam mudanças adaptativas e a avaliação de resultados da terapia é fundamental.

A TCC se baseia no modelo mediacional, ou seja, uma mudança cognitiva media ou leva a uma mudança comportamental. Assim, sentimentos, pensamentos e comportamentos são inter-relacionados, isto é, eles influenciam uns aos outros. Os pacientes são ensinados a reconhecer os padrões afetivos, cognitivos (crenças) e comportamentais que pioram os seus sintomas. Uma vez que o padrão seja reconhecido, técnicas da TCC podem ser usadas para "quebrar o ciclo" por meio de modificação de respostas cognitivas ou comportamentais.

Apesar de ser contemporânea ao desenvolvimento da terapia cognitiva, a psicologia cognitiva teve outra trajetória. Seu surgimento se insere num movimento mais amplo, o das chamadas “ciências cognitivas” e pode ser circunscrito a um período particularmente fecundo que vai de 1955 até inicio dos anos 60, que envolve a chamada “revolução cognitiva”, com seu caráter eminentemente interdisciplinar e como “a nova retomada por parte da ciência, das questões filosóficas mais antigas acerca da mente humana, sua natureza, as relações que ela mantêm com o organismo (o cérebro), com outrem e com o mundo.”

Alguns dos fatores desencadeantes do movimento cognitivista foram, por um lado, o fracasso do behaviorismo em explicar os aspectos mais elevados do comportamento humano a partir do paradigma estímulo-resposta e, por outro, pesquisas que reintroduziram no repertório da pesquisa psicológica os termos “mentalistas”, banidos pelo rigor artificial do behaviorismo. Somam-se a isso os trabalhos de Chomsky sobre a linguagem e principalmente o surgimento da modelagem computacional da mente, que só foi possível graças ao movimento cibernético e ao advento da Inteligência Artificial.

Em termos de metodologia de pesquisa, os avanços nas pesquisas em pacientes com lesão cerebral, a retomada do tempo de reação na medida dos processos mentais, e, no campo da epistemologia, as mudanças paradigmáticas levaram alguns cientistas de renome a se unirem em torno desse novo paradigma para a investigação dos fenômenos mentais. O estudo dos processos cognitivos da perspectiva do processamento da informação tem, então, caracterizado a psicologia cognitiva nos últimos 50 anos.

Embora esse novo movimento tenha surgido numa tentativa interdisciplinar de estudar a mente, é preciso lembrar que o enfoque dos eventos mentais foi dado sob a ótica da metodologia experimental em psicologia, que recebeu grande contribuição dos psicólogos que levaram adiante o objetivo de estudar o homem como um processador de informações.
Considerado, então, um arcabouço, uma espécie de “guia” para as pesquisas em psicologia cognitiva, o processamento da informação se constitui numa maneira de focalizar os aspectos mentais, mas de forma alguma é a única maneira. Algumas áreas de pesquisa da psicologia cognitiva são: área ligada à representação da informação na memória, incluindo imagem e memória semântica, bem como a representação do conhecimento lingüístico; área ligada aos modelos de memória estruturados temporalmente, recuperação da informação na memória e níveis de processamento; área ligada à atenção e processamento perceptivo e área ligada à pesquisa em psicolingüística.

Assim, historicamente, houve desenvolvimentos praticamente independentes da TC, por um lado, e da psicologia cognitiva, por outro – muito embora houvesse plena compatibilidade entre conhecimentos construídos em cada um desses dois âmbitos.Em diversos momentos, foi apontada uma carência de integração entre o campo da pesquisa básica (ou seja, pesquisas que visam a construir conhecimentos sobre um objeto de estudo específico, sem quaisquer comprometimentos com áreas aplicadas) e a psicoterapia. Na área da TC são realizadas pesquisas mais voltadas para a prática psicoterápica, enquanto na psicologia cognitiva busca-se estudar a cognição humana em geral, sem compromisso com terapia.

Atualmente, existe um movimento de integração entre psicologia cognitiva e TC, em que se buscam unificar, na prática psicoterápica, refinamentos em termos explicativos acerca do funcionamento cognitivo nos mais diversos transtornos psiquiátricos. Tais sofisticações teóricas - construídas usualmente a partir de pesquisas experimentais - apresentam implicações no que tange a estratégias de intervenção, revelando um importante ganho que se obtém quando há uma prática de psicoterapia com sólidos fundamentos empíricos.
Referências
Juruenal, M.F. (2001). Terapia cognitiva: abordagem para o transtorno afetivo bipolar. Rev. Psic. Clín. 28(6), 322-330.
Pergher, G.K.; Stein, L.M.; Wainer, R. (XXXX). Estudos sobre a memória na depressão: abordagem para o transtorno afeitvo bipolar. Revista de Psiquiatria Clínica.
Rodrigues, C.M.L.; Lopes, E.J. (XXXX) A Psicologia cogntiva no Brasil: um panorama dos anos 90.