domingo, 30 de março de 2008

Psicólogos que estudam a percepção

Ainda dentro da linha de informar as pessoas sobre o que é a psicologia, resolvi falar um pouco mais sobre áreas pouco conhecidas e/ou entendidas dessa profissão. Estive conversando com o professor Klaus Bruno Tiedemann, que leciona a matéria Psicologia Sensorial e parte da matéria Percepção e Cognição para a graduação de psicologia na USP, e resolvi fazer uma pequena entrevista com ele. Costumeiramente ele dá uma perguntinha ao final de suas aulas, e em uma delas, quando eu era sua aluna, a pergunta foi “Porque os alunos de psicologia não gostam de estudar percepção?”. É, realmente essa não costuma ser uma matéria popular entre os alunos, e estive refletindo sobre o porquê disso. Primeiro vamos ver o que professor Klaus me falou sobre o assunto:

Científica Mente - Professor, quando alguém te pergunta o que você é, qual a sua resposta?
Klaus – Eu digo que sou psicólogo.

Científica Mente - Você leciona duas matérias aqui na USP sobre percepção. Porque não se considera um psicólogo da percepção? Existe esse nome?
Klaus – Não, me considero um psicólogo especializado em comportamento, de modo geral, e o comportamento tem várias facetas. Uma delas é a percepção, é a parte sensorial, ou seja, a recepção de estímulos que vão gerar o comportamento. Eu não diria psicólogo da percepção, é apenas uma especialidade dentro da psicologia.

Científica Mente - E como o senhor define psicologia?
Klaus - Psicologia envolve estudar o comportamento, ou seja, o software do ser humano, que é um animal.

Científica Mente - E quem tem essa especialidade pode trabalhar em quê?
Klaus - Tem várias aplicações práticas, por exemplo, dentro da propaganda, dentro do design ligado à arquitetura, da ergonomia. Então, essa especialidade tem a capacidade de gerar uma atividade profissional.

Científica Mente - Qual a importância de estudar esse tema, ou seja, percepção, dentro da psicologia?
Klaus - Primeiramente há uma importância histórica, porque a psicologia científica começou estudando a percepção, considerando-se seu início com Wundt no fim do século XIX. Até mesmo os filósofos gregos se interessaram pela percepção. Portanto, do ponto de vista histórico se trata de um tema importante. Do ponto de vista conceitual da psicologia também é importante porque todo comportamento é conseqüência da recepção de estímulos. A psicologia da percepção estuda esse primeiro elo do comportamento.

Científica Mente – Não me esqueço de uma vez que o senhor passou em uma das suas perguntinhas do final das aulas o porquê de nós não gostarmos de estudar percepção. Você já encontrou uma resposta?
Klaus - Dentro do conceito de psicologia que a maioria das pessoas têm, a clínica é privilegiada. Ou seja, a visão de que há uma pessoa apresentando, por exemplo, um comportamento que não gostaria de ter, e o psicólogo seria aquele que ajudaria o indivíduo a mudar esse comportamento. E um outro conceito comum em psicologia é de que ela atua no relacionamento entre pessoas. Os alunos de psicologia geralmente chegam com esses conceitos. O conteúdo dado na minha disciplina é, na visão dos alunos, muito árido. Há uma certa tensão, certo temor. Acho até compreensível. Trata-se de algo diferente de outras matérias, em alguns pontos é mais científico, é diferente de opinião. Em clínica há mais essa questão da opinião, e do que a linha teórica prega. Em percepção não, há mais contato com outras áreas do conhecimento, como biologia, física, química. É um conhecimento mais fundamentado, nem sempre está de acordo com a psicologia clínica.

Científica Mente – Mesmo sendo uma área tão diferente da clínica, que parece ser a que os alunos preferem, você acha que é válido eles estudarem percepção?
Klaus – Sim, claro, tanto pelo ponto de vista da história da psicologia quanto por estar ligada ao comportamento. Mesmo alguém que vá trabalhar com psicologia clínica precisa saber que o comportamento de uma pessoa está ligado a como os estímulos chegam até ela. Talvez não faça parte daquilo que o clínico vai tentar modificar, mas ele tem que estar consciente de que aquilo que ele tenta modificar tem uma causa, que pode estar ligada à percepção.

Científica Mente – E quanto a alguém que queira fazer especialização nessa área, vai ficar restrito à pesquisa e à vida acadêmica?
Klaus – Não, claro que não. Tem emprego em agências de publicidade, empresas que se preocupam com design, tem várias opções de carreira. Eu mesmo já tive outras atividades profissionais. Já trabalhei com propaganda, com logotipos, com anúncios. Nesse campo, nós psicólogos trabalhamos em como as pessoas recebem esses estímulos, a legibilidade dos sinais. Por exemplo, na faculdade de Ribeirão Preto tem psicólogos trabalhando com sinais de trânsito. Qual cor, tamanho de letra, distância, como a informação está distribuída na placa. Cabe ao psicólogo ver se essas características são apropriadas às pessoas, se as informações estão sendo passadas de modo adequado à percepção humana. Os sinais de trânsito precisam ser passíveis de serem apreendidos por nós, do contrário não têm função. Outros exemplos são o design do automóvel. É difícil fábricas de automóveis grandes não terem um psicólogo. Também tem design de salas de aula, de ambientes de trabalho. É importante saber as formas que são mais adequadas á percepção humana, tanto da cadeira em que se vai sentar, quanto da arquitetura da sala onde se vai trabalhar, viver.


Bom, queria agradecer muito ao professor Klaus pela colaboração. Queria também dar um pouco da minha opinião. Como já expressei aqui no blog, acho que há muita falta de informação sobre o que é a psicologia. Se ficarmos restritos a achar que psicologia é igual à atuação clínica, podemos deixar muita coisa legal de fora, por puro desconhecimento. E até mesmo falar que “isso não é psicologia” (já ouvi muito isso com relação a matérias como percepção).


Uma vez vi uma pesquisa com alunos de psicologia no primeiro e último anos do curso. Foi dada a eles a tarefa de fazer um desenho de um psicólogo trabalhando. Nos dois grupos, de ingressantes e concluintes, o desenho do psicólogo clínico tradicional em consultório foi feito pela esmagadora maioria. Ou seja, nós mesmos, da área, não temos idéia de quanto o campo de atuação pode ser grande, e durante o curso isso não é mudado. Confesso que fiquei surpresa quando o professor Klaus me falou sobre a possibilidade de um psicólogo trabalhar com sinais de trânsito, ou em empresas de automóveis.

Precisamos nos informar mais sobre as possibilidades, para ganharmos em conhecimento, não excluindo matérias por achá-las inúteis, e também para ganharmos em possibilidades de emprego. Não acho que seja uma obrigação dos alunos gostar de todas as matérias e de todas as áreas. O problema não é esse. O problema é excluirmos conteúdos por puro preconceito e ignorância. Nos fechamos a uma visão super restrita do que é um psicólogo, e o que é pior, muitas vezes carregada de informações erradas e de senso comum. Se isso continuar assim, a idéia que as pessoas em geral tem do psicólogo vai continuar sendo propagada. E os nossos cinco anos de formação terão feito muito pouco por nós - ou melhor, nós teremos feito muito pouco neles.

Um comentário:

Silas disse...

acho que não só por este motivo, o de ser mais científico, os alunos tem a tendencia de não gostar de estudar percepção.

talvez tenha alguma relação mesmo com o ego pois cada um tem uma capacidade perceptiva diferente.

há quem crie padrões do que deve ser percebido e isso se infiltrou no senso comum colocando um cientísta como sendo mais inteligente que um ronaldinho gaúcho(que tem uma inteligência diferente)

no final so alunos ficam com receio de serem surpreendidos como tendo percepção inferior aos demais e acabam criando uma barreira protetora.