domingo, 30 de março de 2008

Psicólogos que estudam a percepção

Ainda dentro da linha de informar as pessoas sobre o que é a psicologia, resolvi falar um pouco mais sobre áreas pouco conhecidas e/ou entendidas dessa profissão. Estive conversando com o professor Klaus Bruno Tiedemann, que leciona a matéria Psicologia Sensorial e parte da matéria Percepção e Cognição para a graduação de psicologia na USP, e resolvi fazer uma pequena entrevista com ele. Costumeiramente ele dá uma perguntinha ao final de suas aulas, e em uma delas, quando eu era sua aluna, a pergunta foi “Porque os alunos de psicologia não gostam de estudar percepção?”. É, realmente essa não costuma ser uma matéria popular entre os alunos, e estive refletindo sobre o porquê disso. Primeiro vamos ver o que professor Klaus me falou sobre o assunto:

Científica Mente - Professor, quando alguém te pergunta o que você é, qual a sua resposta?
Klaus – Eu digo que sou psicólogo.

Científica Mente - Você leciona duas matérias aqui na USP sobre percepção. Porque não se considera um psicólogo da percepção? Existe esse nome?
Klaus – Não, me considero um psicólogo especializado em comportamento, de modo geral, e o comportamento tem várias facetas. Uma delas é a percepção, é a parte sensorial, ou seja, a recepção de estímulos que vão gerar o comportamento. Eu não diria psicólogo da percepção, é apenas uma especialidade dentro da psicologia.

Científica Mente - E como o senhor define psicologia?
Klaus - Psicologia envolve estudar o comportamento, ou seja, o software do ser humano, que é um animal.

Científica Mente - E quem tem essa especialidade pode trabalhar em quê?
Klaus - Tem várias aplicações práticas, por exemplo, dentro da propaganda, dentro do design ligado à arquitetura, da ergonomia. Então, essa especialidade tem a capacidade de gerar uma atividade profissional.

Científica Mente - Qual a importância de estudar esse tema, ou seja, percepção, dentro da psicologia?
Klaus - Primeiramente há uma importância histórica, porque a psicologia científica começou estudando a percepção, considerando-se seu início com Wundt no fim do século XIX. Até mesmo os filósofos gregos se interessaram pela percepção. Portanto, do ponto de vista histórico se trata de um tema importante. Do ponto de vista conceitual da psicologia também é importante porque todo comportamento é conseqüência da recepção de estímulos. A psicologia da percepção estuda esse primeiro elo do comportamento.

Científica Mente – Não me esqueço de uma vez que o senhor passou em uma das suas perguntinhas do final das aulas o porquê de nós não gostarmos de estudar percepção. Você já encontrou uma resposta?
Klaus - Dentro do conceito de psicologia que a maioria das pessoas têm, a clínica é privilegiada. Ou seja, a visão de que há uma pessoa apresentando, por exemplo, um comportamento que não gostaria de ter, e o psicólogo seria aquele que ajudaria o indivíduo a mudar esse comportamento. E um outro conceito comum em psicologia é de que ela atua no relacionamento entre pessoas. Os alunos de psicologia geralmente chegam com esses conceitos. O conteúdo dado na minha disciplina é, na visão dos alunos, muito árido. Há uma certa tensão, certo temor. Acho até compreensível. Trata-se de algo diferente de outras matérias, em alguns pontos é mais científico, é diferente de opinião. Em clínica há mais essa questão da opinião, e do que a linha teórica prega. Em percepção não, há mais contato com outras áreas do conhecimento, como biologia, física, química. É um conhecimento mais fundamentado, nem sempre está de acordo com a psicologia clínica.

Científica Mente – Mesmo sendo uma área tão diferente da clínica, que parece ser a que os alunos preferem, você acha que é válido eles estudarem percepção?
Klaus – Sim, claro, tanto pelo ponto de vista da história da psicologia quanto por estar ligada ao comportamento. Mesmo alguém que vá trabalhar com psicologia clínica precisa saber que o comportamento de uma pessoa está ligado a como os estímulos chegam até ela. Talvez não faça parte daquilo que o clínico vai tentar modificar, mas ele tem que estar consciente de que aquilo que ele tenta modificar tem uma causa, que pode estar ligada à percepção.

Científica Mente – E quanto a alguém que queira fazer especialização nessa área, vai ficar restrito à pesquisa e à vida acadêmica?
Klaus – Não, claro que não. Tem emprego em agências de publicidade, empresas que se preocupam com design, tem várias opções de carreira. Eu mesmo já tive outras atividades profissionais. Já trabalhei com propaganda, com logotipos, com anúncios. Nesse campo, nós psicólogos trabalhamos em como as pessoas recebem esses estímulos, a legibilidade dos sinais. Por exemplo, na faculdade de Ribeirão Preto tem psicólogos trabalhando com sinais de trânsito. Qual cor, tamanho de letra, distância, como a informação está distribuída na placa. Cabe ao psicólogo ver se essas características são apropriadas às pessoas, se as informações estão sendo passadas de modo adequado à percepção humana. Os sinais de trânsito precisam ser passíveis de serem apreendidos por nós, do contrário não têm função. Outros exemplos são o design do automóvel. É difícil fábricas de automóveis grandes não terem um psicólogo. Também tem design de salas de aula, de ambientes de trabalho. É importante saber as formas que são mais adequadas á percepção humana, tanto da cadeira em que se vai sentar, quanto da arquitetura da sala onde se vai trabalhar, viver.


Bom, queria agradecer muito ao professor Klaus pela colaboração. Queria também dar um pouco da minha opinião. Como já expressei aqui no blog, acho que há muita falta de informação sobre o que é a psicologia. Se ficarmos restritos a achar que psicologia é igual à atuação clínica, podemos deixar muita coisa legal de fora, por puro desconhecimento. E até mesmo falar que “isso não é psicologia” (já ouvi muito isso com relação a matérias como percepção).


Uma vez vi uma pesquisa com alunos de psicologia no primeiro e último anos do curso. Foi dada a eles a tarefa de fazer um desenho de um psicólogo trabalhando. Nos dois grupos, de ingressantes e concluintes, o desenho do psicólogo clínico tradicional em consultório foi feito pela esmagadora maioria. Ou seja, nós mesmos, da área, não temos idéia de quanto o campo de atuação pode ser grande, e durante o curso isso não é mudado. Confesso que fiquei surpresa quando o professor Klaus me falou sobre a possibilidade de um psicólogo trabalhar com sinais de trânsito, ou em empresas de automóveis.

Precisamos nos informar mais sobre as possibilidades, para ganharmos em conhecimento, não excluindo matérias por achá-las inúteis, e também para ganharmos em possibilidades de emprego. Não acho que seja uma obrigação dos alunos gostar de todas as matérias e de todas as áreas. O problema não é esse. O problema é excluirmos conteúdos por puro preconceito e ignorância. Nos fechamos a uma visão super restrita do que é um psicólogo, e o que é pior, muitas vezes carregada de informações erradas e de senso comum. Se isso continuar assim, a idéia que as pessoas em geral tem do psicólogo vai continuar sendo propagada. E os nossos cinco anos de formação terão feito muito pouco por nós - ou melhor, nós teremos feito muito pouco neles.

Princípios do senso comum: armadilhas e artimanhas

Por Isabella Bertelli Cabral dos Santos e Marco Antônio Corrêa Varella

O senso comum é todo um complexo bem entrosado de argumentações populares e cotidianas normalmente voltado para soluções práticas. A maioria do nosso raciocínio do dia a dia é pautada pelo senso comum. Ele tem ajudado muito nossa espécie a lidar com os desafios de nossa existência e a acumular conhecimento útil. Entretanto, essa hegemonia ao mesmo tempo que é nossa força, por sua praticidade milenar, pode ser uma fraqueza, por nos deixar muito vulnerável a manipulações. Séculos de estudos filosóficos permitiram a identificação de algumas das armadilhas do senso comum, o que nos possibilita adotarmos três posturas possíveis:

A) podemos adquirir alguma imunidade crítica de modo a não nos deixar ser manipulados e a desmascarar aqueles enganadores sociais, o que dá muito trabalho e fama de chato, de cricri ou mesmo cético;

B) ou podemos nós mesmos atuar como enganadores sociais, e enriquecer com artimanhas nos aproveitarmos das fraquezas argumentativas alheias, pena que o mercado já está muito saturado e concorrido, vide todo o discurso político, místico, propagandístico, fantástico entre outros;

C) ou então podemos nos tornar enganados com propriedade, conscientes de como somos manipulados, para sermos mais facilmente ludibriados e felizes, essa é uma boa porque não competimos com os enganadores profissionais e ainda ajudamos a menosprezar os céticos.

Bom, já que você é uma pessoa sensata, optou pela melhor opção!! Você quer mais é acreditar em práticas pouco fundamentadas, cair em contos da carochinha, descobrir que tudo é possível, viver contos de fada, rir dos cientistas e principalmente dar dinheiro a todos que lhe pareçam minimamente bem intencionados e cheios de certezas, verdades e convencimento. Seus problemas acabaram! Aproveite as dicas, ou melhor, a conscientização dos raciocínios próprios ao senso comum.

E siga-as plenamente e serás o maior dos enganados. Qualquer semelhança com horário eleitoral, astrologia, quiromancia, tarô, búzios, numerologia, futurologia, comercial de televisão, auto-ajuda quântica, conversa de autoridade religiosa ou vendedor não será mera coincidência.

1 – Evite o teste da observação.

O teste da observação é incômodo de ser aplicado. Aliás, evite qualquer forma de teste que possa ter um resultado infeliz. Prefira os testes da autoridade, comodidade e familiaridade.

No primeiro, o da autoridade, simplesmente focalize a autoridade, ou seja, quem está dizendo aquilo, e não o que está dizendo. A ênfase na autoridade nos livra de ter que pensar novamente para decidir a respeito da verdade ou falsidade de cada nova afirmação. Podemos avaliar a autoridade de uma vez por todas, e, desta maneira, tomar por antecipação a decisão de aceitar (ou rejeitar) suas afirmações futuras. Os critérios normalmente aceitos para avaliar uma autoridade são: prestígio, poder, sabedoria ou confiança pessoal. Abandonar o teste da autoridade pelo teste da observação pode ser muito arriscado – seja sensato e não desafie seu ídolo.

O teste da comodidade é facilmente aplicável. Ele requer simplesmente que aceitemos as afirmações agradáveis e rejeitemos as desagradáveis. Um tipo importante de afirmação agradável é aquela que remete a alguma coisa boa. O otimismo é um exemplo. O otimista se associa à possibilidade de alguma coisa boa. Pode-se crer que possamos permitir que nossa população continue a crescer, porque podemos subsistir às custas dos recursos do planeta ou porque a ciência achará uma solução para a poluição. Pode-se acreditar que a astrologia nos ajudará a conduzir nossos afazeres cotidianos.
Outro tipo importante de afirmação agradável é aquela que nos desliga de alguma coisa má. Como exemplos, temos a projeção e seus mecanismos relacionados. Se temos alguns sentimentos, como o medo ou o ódio, que não combinam bem com nosso auto-conceito, poderá ser cômodo, pelo menos no sentido de remover o desconforto, vê-los como essencialmente atribuíveis aos outros, como simplesmente uma resposta ao mal dos outros. Poderá ser cômodo saber que qualquer ódio que possamos sentir é a resposta de um homem virtuoso aos erros dos outros.

E o teste da familiaridade requer que aceitemos afirmações familiares e rejeitemos as não-familiares. As afirmações repetidas com freqüência, como qualquer publicitário sabe, devem conter um germe de verdade: “Brasileiro não desiste nunca”, “Se faz caretas no espelho, sua cara ficará desse jeito”, “Se aconteceu isso, é porque era para ser”.

2 – Evite termos bem definidos

O objetivo aqui é evitar referências empíricas explícitas, isto é, evitar a verificabilidade. Quatro sugestões podem ser oferecidas para se alcançar esse objetivo:

a) Usar termos vagos – Se os termos que se usa para se referir a observações são suficientemente vagos, então a observação será de pouca utilidade para se decidir sobre a veracidade ou falsidade de qualquer afirmação que os contenha. Os biscoitinhos da felicidade e o horóscopo sempre dizem: “Você tomará uma importante decisão brevemente”, evitando cuidadosamente qualquer definição de “importante” ou “brevemente”.

b) Usar definições verbais – Se for necessário definir os termos, deve-se simplesmente substituir um conjunto de termos, operacionalmente vagos, por outro tão vago quanto. “O que significa essa importante decisão?” “Aquela que você enfrentará e terá que escolher um caminho a seguir”.

c) Usar afirmações circulares – Se se fizer uma afirmação relacionando um termo vago (“Todas as pessoas boas...”) com um termo preciso (“votaram contra a Lei de Biossegurança”), mas se definir o termo vago como tendo apenas a relação estabelecida com o termo preciso (“uma boa pessoa é aquela que, entre outras coisas, teria votado contra a Lei de Biossegurança”) ter-se-á produzido uma afirmação inatacável pelos fatos. Ao se dizer que os crentes verdadeiros nunca morrem, e um suposto crente morre, ponderar-se-á que, pode definição, ele não poderia ser um crente verdadeiro.

d) Juntar uma cláusula de não-observalidade – Se se for incapaz de evitar uma afirmação com referência empírica precisa, ainda se pode escapar do teste da observação estipulando que o fenômeno não aparecerá se estiver sendo procurado. A pretensão de que se pode ler mentes é, por si só, totalmente verificável. No entanto, pode-se torná-la não verificável especificando que este poder funciona apenas quando está sendo usado para fazer o bem, e não quando se está tentando demonstrá-lo ou testá-lo; ou então, que se perde o poder na presença de mentes que abrigam pensamentos céticos ou críticos.

3 – Se for preciso observação, que seja da não-controlada

Este princípio estabelece que, se duas variáveis se alteram conjuntamente, elas devem estar causalmente relacionadas. Trabalhos escolares mais longos têm notas mais altas do que os trabalhos mais curtos; portanto, o professor conta as páginas. Este é essencialmente o tipo de raciocínio “depois disto, portanto por causa disto”. O valor desse princípio é que há tantas variáveis que variam conjuntamente em situações naturais e não-controladas que se dispõe de bastante liberdade na escolha das variáveis causais. Por exemplo, a taxa dos crimes aumentou nos últimos anos. Ao mesmo tempo, outras variáveis alteraram-se: a moral sofreu um abalo, o desemprego aumentou, os procedimentos de detecção de crimes foram modernizados e as posições das estrelas no céu alteraram-se. O princípio da observação não-controlada permite que se selecione qualquer uma destas variáveis para se explicar o aumento da taxa de crimes.

4 – Uma vez que tenha chegado a uma conclusão, generalize-a o mais amplamente possível

Esse princípio pede que não limitemos nossas conclusões com restrições, mas que simplesmente as afirmemos, de modo a termos um grande alcance. A intenção é, novamente, tornar desnecessárias as observações futuras. Assim, o que este princípio pretende não é a generalização meramente como fonte de hipóteses, que deveria ter sido testada, mas a generalização de conclusões, de tal modo que seja evitada a necessidade de testes futuros. Como exemplo, considere uma amostra pequena, digamos, de uma pessoa. As experiências dessa pessoa podem ser generalizadas para toda uma população. E não só isso, pode-se ainda selecionar somente alguns dados, extrair suas conclusões e não tirar mais amostras. Depois, use os dados que aparecerem mais rapidamente à mão ou à mente. Fundamente as conclusões na observação de pessoas em seu próprio círculo social, será mais eficaz. Concentre-se nos casos confirmatórios, empregando a segura técnica de “preparar as cartas do baralho” e “perguntar a quem já teve”.

5 – Uma explicação, uma vez aceita, não mais precisa ser rejeitada; as inconsistências com outras afirmações podem sempre ser tornadas ineficazes ignorando ou modificando uma das afirmações ou a relação entre elas.

As inconsistências, em si, não criam nenhum problema. É a consciência delas que incomoda. A consciência da inconsistência não é conseqüência da observação, mas do pensamento. Isto sugere duas soluções: não pensar, ou, se o fizer, pensar com muita cautela. Não pensar é talvez a alternativa mais segura: deve-se ignorar uma das idéias ou a relação entre elas. A repressão é o exemplo mais conhecido desta maneira de lidar com idéias conflitantes. Se você ignorar uma das idéias, não haverá consciência do conflito com a outra idéia. Ignorar as relações entre duas idéias também pode ser eficiente. Ao se evitar que as idéias entrem em contato, poder-se-á pensar a respeito de ambas. O exemplo clássico é o caso do homem que era capaz de afirmar sua crença na importância suprema das coisas espirituais aos domingos e, nos dias de semana, preocupar-se com quanto dinheiro uma pessoa tem ou que tipo de carro ela dirige. É suficientemente seguro pensar a respeito de duas idéias conflitantes se não se pensar a respeito delas simultaneamente. É até mesmo seguro pensar em ambas as idéias ao mesmo tempo, de cuidadosamente se evitar pensar na relação entre elas. Podemos pensar em um Deus benevolente e onipotente e um mundo no qual existe um diabo. Trata-se de não se preocupar a respeito de quão bem a teorização posterior está de acordo com a teoria utilizada para explicar fatos relacionados.

Se for necessário pensar, deve-se ter cuidado: pense de maneira a modificar uma das idéias ou a relação entre elas de modo a produzir uma aparência de compatibilidade. Tal pensamento “camuflador” é o que chamamos de racionalização, e é um meio importante de se obter a confirmação psicológica. Duas estratégias podem ser usadas.

A) Na diferenciação, divide-se a idéia em duas. Uma “mentira inofensiva” pode ser diferenciada de uma “mentira pesada” para nos sentirmos melhor. Da mesma forma, uma distinção entre bíblia literal e bíblia interpretada pode evitar conflitos com as descobertas da ciência. A diferenciação pode ser completamente racional, mas ela não é essencial na aplicação dessa técnica.

B) No fortalecimento simplesmente muda-se frente a uma idéia, de tal forma que ela pareça mais congruente com outra. Um estudante fraco um curso pode dizer que não está muito interessado. Existe menos desconforto associado ao fracasso em obter alguma coisa que realmente não se deseja. Por outro lado, podemos enfatizar os aspectos desejáveis das coisas às quais estamos associados. Uma pessoa que acabou de comprar um carro novo torna-se altamente interessada em propagandas que exaltam a sua virtude; um homem que lutou na guerra está mais inclinado a pensar que a guerra é justificável.

Pode-se também modificar a relação entre idéias conflitantes inventando-se uma história plausível na qual ambas as idéias são aceitáveis. Alguém diz ter poderes mágicos, num momento de falha pode-se argumentar que alguém usou uma mágica mais forte.


Espero que depois de ler esses princípios, você tenha sacado qual a nossa intenção. Definitivamente nós não queremos que você engrosse o mercado de misticismos à venda e nem seja levados por eles facilmente. Gostaríamos de contribuir com uma visão mais crítica, principalmente com relação àquelas coisas que querem se dizer fundamentadas, mas não o são, as famosas pseudociências. Se for para você acreditar em qualquer prática não fundamentada, que esteja ciente de que ela não é fundamentada. O importante é você ter uma visão crítica a respeito, sabendo que cada coisa é uma coisa – ou seja, senso comum é uma coisa, ciência é outra. A ciência tem se construído numa tentativa de ser diferente do senso comum. O pensamento científico vem do senso comum, pois não surgiu do nada, porém tenta ser mais refinado do que ele, evitando essas armadilhas e buscando outros critérios para pautar o conhecimento sobre o mundo.

Isso não significa que o senso comum está sempre errado e a ciência sempre certa. Não, nem sempre, e a sua visão crítica pode servir justamente para você não ser enganado por nenhum desses sistemas. Não acredite em coisas pautadas em senso comum sem saber que elas estão pautadas em senso comum. Não acredite em ciência só porque é ciência, mas saiba que é ciência, ou seja, tem uma metodologia diferente do senso comum. Apesar desse texto ser voltado para discutir o senso comum, nós sabemos que muita coisa tem sido justificada através do selo de qualidade da ciência, como se isso fosse garantia absoluta de verdade. Falaremos mais para frente mais sobre o mau uso da ciência. De qualquer forma, com pensamento crítico você pode ficar mais esperto tanto com o senso comum quanto com a ciência.

“(...) Uma dimensão importante do crescimento pessoal é o aperfeiçoamento do raciocínio. Desta forma, o método científico não deve ser deixado para uma elite científica (...). Um número significativo de indivíduos precisa se tornar possuidor desse conhecimento. Eles precisam aprender a pensar (também) cientificamente a respeito dos problemas que consideram importantes”. (Anderson, 1977).

Referência

Anderson, B.F. (1977) O experimento em psicologia. Editora pedagógica e universitária ltda. São Paulo.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Entrevista na allTV sobre vergonha

Na última sexta-feira, dia 14 de março de 2008, estive no programa Web Divã*, da allTV.

Renata Antonelli, a apresentadora, foi super simpática como sempre. Ela leu minha matéria na revista Psique, "Vergonha na Cara", que foi a capa da edição de janeiro e me convidou para ir ao seu programa. Postei no meu blog um texto adaptado do original publicado na revista (Afinal, por que temos vergonha?).

Foi muito legal, o chat estava super animado. Queria agradecer novamente à Renata pelo convite e ao meu namorado Marco, pela filmagem (Ver vídeo 1).

*O programa Web Divã vai ao ar no site da allTV todas as sextas-feiras, das 20h às 21h e trata de temas diversos da psicologia. Trata-se de um programa interativo, em que os internautas podem entrar no chat e participar, enviando comentários e perguntas aos entrevistados e à apresentadora. Vale a pena conhecer!

domingo, 16 de março de 2008

O que é Psicologia?



Na postagem anterior (O que é ciência?), comecei com um pequeno exercício de pensar em palavras que estivessem relacionadas à ciência. Poderia fazer a mesma coisa aqui, mas talvez caia melhor algo diferente. Vamos lá: quando você pensa em um psicólogo, que figura lhe vem à mente?


Aposto que a figura do psicólogo clínico, algo à “la Freud”, com seu divã e sua feição séria foi a mais recorrente. Pois é, não só os não psicólogos como os próprios estudantes de psicologia muitas vezes identificam a própria psicologia com uma de suas possíveis áreas de atuação, que é a psicologia clínica, e ainda mais especificamente, aquela realizada individualmente no consultório particular. Com esse pequeno e modesto texto, não pretendo esgotar o assunto, que pode ser abordado de mil e uma maneiras. Já ficaria feliz, se, ao final dele, você não achasse que psicólogo e psicanalista clínico tradicional são sinônimos.



Definir psicologia é um desafio porque na verdade não existe psicologia. Luis Cláudio Figueiredo (2003) diz que a psicologia, longe de ser um continente, é um arquipélago cheio de ilhas com suas próprias teorias, linhas de pensamento, definição de objeto de estudo, métodos de pesquisa, concepções de ser humano. Por isso, ele prefere falar em psicologias. Por mais que alguns autores critiquem essa visão, acusem-na de radical, acredito que há vantagens nesse modo de pensar. Longe de ser um conhecimento fechado, coerente e certo sobre o ser humano, a psicologia abriga várias linhas de estudo, cada qual com suas singularidades, e que não podem ser unidas num todo.



Acho que para quem não é da área isso esteja um pouco confuso, até porque a imagem que a psicologia tem na mídia é bem diferente dessa que estou tentando passar. Popularmente, o psicólogo é aquele que dá conselhos, que ajuda as pessoas a se sentirem bem, que estudou alguma coisa que não se sabe bem o quê, mas que tem um conhecimento sobre o que é certo ou não fazer em determinadas situações. Essa imagem está bem longe do que realmente a(s) psicologia (s) é(são) ou deveria ser.

Bom, há vários eixos de diferenciação que podem ser ressaltados, e não quero, de modo algum, dizer que os que vou apontar são os únicos ou mais corretos. Para começar, quero diferenciar a atuação clínica, a pesquisa em clínica, a pesquisa básica, e possíveis utilidades da pesquisa básica. Psicólogos querem ajudar pessoas, certo? Mais ou menos, eu diria. Muitos querem, e desses, a maioria pode estar na área clínica, que, em geral, é aquela voltada para atender pessoas. Dentro da grande área que chamei de clínica, pode haver alguns psicólogos que também pesquisam. A pesquisa nesse caso pode ser estudar casos, pesquisar como melhorar o atendimento das pessoas. A pesquisa clínica tem uma aplicação direta, que é na atuação clínica. Nesse eixo, há psicólogos em seus consultórios clínicos particulares, ou em instituições públicas, em escolas, em hospitais, no esporte, enfim, em muitos lugares.


Agora há aqueles psicólogos mais interessados em entender pessoas. Ou melhor, algum comportamento, alguma emoção, algum processamento de informações na mente. Esses normalmente são pesquisadores. Claro que muitos deles também estão interessados em ajudar pessoas, mas não todos. E essas pesquisas que eles fazem não necessariamente vão ter utilidade prática direta, por isso alguns as chamam de pesquisa básica. Em vez de estudar casos particulares, normalmente se estuda os nomotéticos, ou seja, normas, coisas comuns. Como exemplos, algumas perguntas que podem guiar pesquisas: Como os humanos adquirem a linguagem? Como processamos as informações do mundo? Como as imagens que chegam da retina são transformadas naquilo que vemos? Homens e mulheres são diferentes em aspectos cognitivos, comportamentais? Por quê? Da onde vem o preconceito? Por que sentimos vergonha? Como funciona a memória? Por que somos atraídos por bebês? As emoções são universais? E as expressões faciais? Enfim, são muitas as pesquisas que podem ser feitas por psicólogos. E elas não necessariamente vão gerar algum conhecimento prático, que ajude a solucionar alguma coisa, ou ajudar certas pessoas. Trata-se de um conhecimento sobre como as coisas funcionam, que pode ou não ser útil no futuro, no sentido de gerar alguma tecnologia, alguma prática, alguma forma de se ajudar pessoas.

Uma observação: não necessariamente os clínicos, pesquisadores clínicos e pesquisadores básicos são pessoas diferentes. O que quero dizer é que num mesmo período de vida, um psicólogo pode clinicar, desenvolver pesquisas na clínica, e ainda, pesquisas básicas. Uma coisa não exclui a outra. E claro, ele também pode ser professor, dar aulas, que é uma outra atividade, também não excludente.

E dentro de tudo isso, ainda para complicar, existem as linhas teóricas que guiam os clínicos, pesquisadores clínicos, pesquisadores básicos ou professores. Normalmente os psicólogos se identificam com uma maneira de pensar, de atuar, de entender o ser humano, que são várias. Vou citar algumas: a psicanálise, o behaviorismo/análise experimental do comportamento, etologia, psicologia evolucionista, cognitivismo, gestalt, abordagem centrada na pessoa.


Cada uma dessas linhas de pensamento tem origem histórica diferente (Figueiredo, 2002), objetos de pesquisa diferentes (ex. na psicanálise o objeto de estudo é o inconsciente, e na análise experimental do comportamento, o comportamento), métodos diferentes (ex. na etologia faz-se muita observação, na psicologia evolucionista, uso de questionários e entrevistas), enfim, são maneiras de entender e, nas linhas que se propõem a isso, de tratar o ser humano. Há alguns profissionais que preferem não se denominar como pertencente a uma dessas linhas teóricas, comumente porque se identificam com mais de uma, e/ou porque sabem que nenhuma das linhas “descobriu” e desvendou tudo do ser humano e preferem pegar um pouco de cada uma.

Ou seja, deu para perceber que a psicologia não é uma área fechada e com consenso. Há muita discussão e pesquisas em andamento, e tudo o que se sabe é que ainda sabemos muito pouco do ser humano, sejam seus aspectos comportamentais, cognitivos, emocionais. Por fim, podemos considerar que o que une esse arquipélago das psicologias é o interesse pelo ser humano nesses aspectos citados.


Por curiosidade, entrei na Wikipédia e lá está a definição de psicologia: “A psicologia (do grego Ψυχολογία; ψυχή (psique), "alma", e λογία (logos), "palavra", "razão", "estudo") é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano e animal (para fins de pesquisa e correlação, na área da psicologia comparada)”. (Observação: “Psique” significa “alma”, mas para esse termo atualmente é entendido como “mente”).

Outro lugar interessante de olhar para entender melhor o que é a psicologia é o site do MEC, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de psicologia.(http://portal.mec.gov.br/cne/index.phpoption=com_content&task=view&id=98&Itemid=227).



Claro que ainda vou publicar outras postagens sobre o assunto, se tiverem sugestões ou críticas, comentem. A partir da provocação de que psicologia e psicanálise clínica tradicional não são sinônimos espero ter aguçado a curiosidade de vocês para que procurem saber mais sobre o que o psicólogo faz.




Para saber mais

FIGUEIREDO, Luis Cláudio Mendonça. A invenção do psicólogo : quatro séculos de subjetivação 1500-1900. 5.ed. São Paulo: Escuta, 2002.

Matrizes do pensamento psicológico. Autor(a): Luis Cláudio M. Figueiredo. 12 ed. - Petrópolis, RJ - Editora Vozes – 2003.

domingo, 2 de março de 2008

O que é ciência?

Definir ciência não é tão simples quanto parece. Vamos começar com um exercício: pense em cinco palavras que lhe vêm à mente quando pensa em ciência.

Pronto? Bom, talvez tenham aparecido coisas como: verdade – conhecimento – rígido – correto – comprovado. Eu teria pensado em palavras assim algum tempo atrás, antes de entrar na faculdade. Depois disso, percebi que o que é ciência é uma grande discussão, com definições múltiplas e nada de consenso. O que não significa que ela não tenha algo de próprio que a caracterizaria. Por isso, nesse pequeno texto não pretendo, exatamente, responder e esgotar o título que eu mesma escolhi, mas sim levantar alguns pontos, a partir de alguns autores, para estimular a reflexão sobre o assunto. Não irei falar da história da ciência, deixo para outro texto, só lembro que falo da ciência moderna (início no século XVIII).



Ernst Nagel levanta alguns aspectos da ciência, que, lembrando, podem ser alvo de críticas por outros autores. Optei por falar um pouco de suas idéias tanto por ser uma figura importante na filosofia da ciência do século XX, quanto por achar interessante essa diferenciação entre ciência e senso comum que faz. Em “A ciência e o senso comum” ele faz a seguinte constatação: ao longo da história humana, os homens adquiriram muitas informações sobre o meio ambiente. Descobriram o fogo, a produção de ferramentas, como cultivar o solo, como fabricar meios de transporte etc e etc. Então, a aquisição de conhecimentos sobre vários aspectos do mundo não começou exatamente com a ciência moderna. Sendo assim, se pergunta:


“Se o conhecimento é tal que se pode conquistá-lo, mediante o exercício perspicaz dos dotes naturais e do “senso comum”, que excelência especial possuem as ciências e em quê contribuem suas ferramentas intelectuais e físicas para a aquisição de conhecimentos?” (p.15).

O próprio Nagel tenta responder à questão, mostrando o que a ciência teria de diferente do senso comum. O primeiro ponto, diz ele, é que a ciência busca encontrar explicações que sejam ao mesmo tempo sistemáticas e controláveis, e organiza e classifica o conhecimento sobre a base de princípios explicativos. Uma segunda característica da ciência seria a preocupação com o âmbito de aplicação válido de suas proposições. O senso-comum seria adequado para as situações nas quais certo número de fatores permanece inalterado, ou seja, se alguns fatores mudam, o conhecimento já não se torna mais adequado. Na ciência isso também acontece, mas ela se preocupa com isso, delimitando exatamente o campo de aplicação de seus conhecimentos. Uma terceira característica seria que o senso-comum é bastante contraditório, pois se preocupa quase que exclusivamente com as conseqüências imediatas dos acontecimentos observados. Já a ciência buscaria sistemas unificados de explicação, diminuindo as contradições.


Um quarto ponto é que as crenças do senso-comum podem sobreviver por muito tempo. Já alguns produtos da ciência tem vida curta. Isso porque os termos da linguagem comum são vagos e não específicos, enquanto os da ciência são precisos e específicos. Assim, os enunciados da ciência se tornam mais suscetíveis a serem submetidos a críticas através da experiência. Afinal, como realizar o controle experimental das crenças do senso comum se não há precisão, e muita contradição? Elas acabam sobrevivendo por séculos. Quinto: a ciência deixa de lado os valores imediatos das coisas, parecendo que está distantes dos acontecimentos da vida cotidiana. Essa aparente “distância” da vida real seria um aspecto inevitável da busca por explicações sistemáticas e de longo alcance. O senso-comum se interessa por questões mais valorizadas pelo cotidiano. Por último, as conclusões da ciência, diferentemente do senso comum, são produto de um método científico. Isso não assegura a verdade de toda conclusão a que chega a ciência. O que o método científico permite é a crítica de argumentações, tanto no julgamento da confiabilidade dos procedimentos, como na avaliação da força demonstrativa dos elementos sobre os quais se baseiam as conclusões. Já as crenças do senso comum são aceitas habitualmente sem uma crítica dos elementos disponíveis.


Li outro autor que me fez pensar bastante nessas questões: Fourez, no livro “A construção das ciências”. Como o livro inteiro trata disso, vou escolher alguns pontos que considero relevantes para comentar. Aliás, o livro é muito interessante justamente por dar uma noção bem humana do que seja ciência, desmistificando-a, tirando-a da “sociologia dos deuses” como fala o autor, e colocando-a no mundo real.




Para Fourez a ciência é uma feita por humanos, para os humanos e não cai do céu. O raciocínio científico é uma maneira socialmente reconhecida, e extremamente eficaz, ao que parece, de resolver nossas relações com o mundo. Ao contrário dos positivistas, o autor não acredita que a ciência chegue à verdade última das coisas, e nem que seja neutra e sobre-humana. “Onde o positivista diria ‘O mundo é assim’, Popper diria: ‘Nesta situação, parece-nos mais interessante representar o mundo desta maneira’ ” (p.33). Para Fourez, dizer que a ciência é historicamente condicionada não é tampouco negar seu valor e eficácia.

Com relação às características da ciência moderna, Fourez fala que a ciência se quer experimental. Ou seja, só se aceitará como discurso científico aquele que seja a respeito do qual se possa eventualmente determinar uma situação em que o modelo poderia não funcionar. É o critério de falseabilidade, determinado por Popper. Os cientistas, então, rejeitariam os discursos que funcionariam para tudo. Aliás, “falseável” se refere não a algo falso, mas a algo que se pode dizer “não é automaticamente verdadeiro, isso pode ser testado e se revelado como falso”.


A ciência não tem uma objetividade absoluta, pode-se falar em objetividade no sentido de que ela fala de coisas que se situam em um universo comum de percepção e de comunicação, convencional. O autor chama de ideologia a “observação fiel dos fatos” que ainda continua viva (ver meu primeiro texto desse blog). Os conceitos científicos não são dados, e sim construídos.
A ciência não estuda jamais o mundo da forma como é representado no cotidiano, mas sempre do modo como é traduzido na categoria de uma disciplina precisa e particular. Fourez cita Ernst Mach (1925): a ciência pode mostrar-se como a busca de uma maneira econômica de representação do mundo. Ela funciona como uma economia de pensamento, ligada a uma comunicação. A ciência pode então ser considerada como uma tecnologia intelectual ligada a projetos humanos de dominação e de gestão do mundo material. E é o sistema de legitimação mais importante de nossas sociedades industriais.

Bom, esse texto foi só para abrir o assunto. Pretendo falar mais disso, já que me interesso bastante por filosofia da ciência. E quanto ao exercício inicial, vocês devem ter reparado que algumas palavras ou expressões estão em negrito. Na minha opinião, são boas palavras para serem relacionadas à ciência moderna. Não que falem tudo sobre ela, mas nos levam a características muito discutidas e valorizadas do projeto humano a que chamamos ciência.

Para saber mais

Fourez, G. (1995). A construção das ciências: introdução á filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista.

Nagel, E. (1968). La estructura de la Ciência – Problemas de la lógica de la investigación cientifica. Buenos Aires: Paidos, pp. 15-26