domingo, 28 de abril de 2013

Entrevista com psicóloga: atuação em clínica e pesquisa


Continuando a sequência de entrevistas com psicólogos que atuam na área, o CientíficaMente conversou com Juliana Teixeira Fiquer, psicóloga clínica e pesquisadora. Trabalha com duas áreas diversas, mas que como veremos, podem ser exercidas juntas. O contato de Juliana está no final da entrevista.




CientíficaMente – Por que você escolheu cursar a graduação em Psicologia?

Quando eu era adolescente, minha mãe procurou um tratamento psicológico para mim, em função de algumas dificuldades emocionais que ela notava que eu tinha e que me faziam sofrer. Nessa época, eu não tinha conhecimento do que se tratava uma psicoterapia. Comecei a frequentar as sessões, que inicialmente me pareciam estranhas (ex. era estranho ter um adulto ali me perguntando algumas coisas, dizendo coisas, manifestando algum afeto). Entretanto, com o tempo, comecei a me sentir bem em ir lá. Aos poucos fui me sentindo mais confortável. Comecei a me familiarizar com a psicóloga; percebia o interesse dela em me ouvir; percebia o valor de coisas que ela dizia sobre mim, para meu bem. Passei a encontrar naquele lugar e naquela pessoa um espaço para contar o que me acontecia, o que eu sentia. Aprendi a prestar mais atenção em mim, entender o porquê de algumas reações que eu tinha, fui me tornando mais confiante em me posicionar socialmente em concordância com aquilo que eu pensava e sentia, aprendi a me respeitar mais, e respeitar mais as outras pessoas. Venci alguns medos, que antes de discuti-los com a psicóloga, pareciam tão reais e grandes. Com o tempo, os medos puderam ser superados, tornaram-se pequenos, e pude começar a rir deles.

CientíficaMente – Por quanto tempo você fez terapia?

Permaneci nessa psicoterapia por mais de 5 anos, e, ao longo desses anos, fui notando o quanto que aquela profissional da área da saúde me ajudava a me tornar uma pessoa melhor (para mim e para o mundo). Sou grata até hoje pela oportunidade que tive de fazer um tratamento psicológico. Tornei-me mais livre para viver. E, o desejo para ajudar outras pessoas a se tornarem mais livres de seus medos, tabus, dificuldades, foi sendo construído. Quando chegou o momento de prestar um vestibular, minha escolha profissional estava feita: eu queria ser psicóloga. Essa profissão fazia sentido para mim, me fazia sentir que eu poderia dar algum tipo de contribuição à sociedade, ou mais especificamente, a todos aqueles que sofressem em função de dilemas psicológicos/emocionais.

CientíficaMente – E como foi o curso?

Fiz minha graduação em psicologia na Universidade de São Paulo. Quando comecei o curso, achava que a Psicologia era uma ciência única e que formava psicólogos clínicos. Ao longo da graduação, entretanto, aprendi que a Psicologia é uma ciência muito mais complexa, composta por várias correntes distintas de concepção do homem, de seus problemas, e consequentemente, de solução de conflitos. Também aprendi que a Psicologia tem vários campos de atuação, como na escola, em empresas (ex. recursos humanos), em institutos de pesquisa, hospitais. E, a partir dessas percepções, fui começando a fazer escolhas. Busquei escolher quais das correntes de concepção de homem me faziam mais sentido para trabalhar. Busquei escolher em quais campos de atuação profissional eu sentia mais prazer.

Meu curso de graduação tinha ênfase na realização de pesquisas, e eu aproveitei essa ênfase para experimentar o que era fazer pesquisa em Psicologia. Quando eu estava no segundo ano da graduação, comecei a trabalhar – em formato de estágio de Iniciação Científica – com pesquisadores de mestrado e doutorado, na avaliação de relatos de afetos (positivos, negativos) de pessoas que moravam em cidades do interior do Brasil e em capitais. Fui observando que a pesquisa me permitia observar fenômenos, buscar entendê-los, encontrar respostas, abrir outras perguntas.

No quarto ano de graduação, comecei a atender pacientes também – no formato de atendimentos em clínica-escola – para avaliar se meu interesse inicial em ser psicóloga clínica ainda se mantinha. Fui observando, que assim como na área de pesquisa, a clínica me permitia observar fenômenos humanos. Permitia-me buscar entendê-los junto com os pacientes, encontrando algumas respostas, e ampliando algumas perguntas, que permitissem crescimento/melhora daquelas pessoas em sofrimento.

Minha definição do que eu seria após a graduação se constituiu assim: eu seria pesquisadora e psicóloga clínica, porque conseguia observar um raciocínio/um trabalho em comum nessas duas áreas de atuação. Seria o meu jeito de fazer teoria e prática, pesquisa e atuação, meio acadêmico e meio da saúde, se integrarem na minha vida profissional.


CientíficaMente –Foi fácil chegar nessa escolha?


É claro que, quando eu escrevo num texto breve minha trajetória de escolhas, ela parece ter sido simples, rápida, bem organizada. Mas gostaria de destacar que todo o percurso de minhas escolhas sempre foi feito com “altos e baixos”: eu tinha várias dúvidas, ficava às vezes perdida com o que eu estava fazendo, chegava a me questionar se conseguiria ser uma boa psicóloga, e assim por diante. Foi com o tempo, com a percepção mais madura de que as escolhas vão sendo construídas, que se perder também é caminho, que eu pude ir superando minhas angústias profissionais, e chegar a uma definição profissional, uma identidade.
Com o aumento dessa “paciência” com as dúvidas e medos profissionais, fui ficando mais forte para optar em me formar, começar a trabalhar em consultório (como psicóloga clínica) e ao mesmo tempo prosseguir nos estudos e pesquisa, fazendo mestrado e doutorado em Psicologia.


CientíficaMente – Sobre o que foi o seu mestrado? E o doutorado?

Meu mestrado foi focado em qualidade de vida e bem-estar das pessoas (ex. quais fatores ajudam a contribuir para os relatos de bem-estar das pessoas). No doutorado, me dediquei a estudar o “outro lado da moeda”: investiguei relatos de pacientes deprimidos, e outros fatores que podem contribuir para as dificuldades que esses pacientes têm.


Durante meu doutorado tive a oportunidade de estabelecer parcerias com grupos de pesquisadores nacionais e internacionais. Em âmbito nacional, fui parceira de pesquisa de grupos que avaliavam pacientes deprimidos no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-HCFMUSP). Em âmbito internacional, entrei em contato com uUniversity Medical Center Groningen - UMCG, Groningen, Holanda). Durante o doutorado é possível o pesquisador realizar seus trabalhos em ambientes acadêmicos distintos, em prol de sofisticação/enriquecimento do seu trabalho, o que é chamado de Doutorado Sanduíche no Exterior (SWE). Especificamente, o SWE é financiado por uma fundação do governo brasileiro (CNPq) e, trata-se de um doutorado iniciado pelo pesquisador no Brasil, mas que compreende um período de estadia em outro centro de pesquisa no exterior, que tenha reconhecido conhecimento na área de estudo em questão. Aproveitando essa possibilidade do Doutorado Sanduíche, bem como a parceria estabelecida com a UMCG, realizei um estágio acadêmico de nove meses na Holanda. Esse estágio propiciou-me um aperfeiçoamento em técnicas de pesquisa, trazendo-me mais maturidade científica.
m grupo de especialistas em análise de comunicação não-verbal em contextos psiquiátricos do Centro Médico da Universidade de Groningen (

CientíficaMente – Atualmente, você ainda faz pesquisas?

Sim, faço pós-doutorado no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Prossigo nas investigações relacionadas a diferenças entre pacientes deprimidos e pessoas sem depressão com relação à expressividade não-verbal. O foco de meu estudo atual é desenvolver instrumentos para clínicos (psicólogos, médicos) que permitam avaliar a gravidade do quadro depressivo, a melhora clínica e estimar o prognóstico dos pacientes por meio de pistas não-verbais de emoção (e não apenas através daquilo que o paciente relata verbalmente). Nem sempre quem sofre, sabe do que sofre, ou consegue falar do que sofre. Se a Psicologia avançar na compreensão desse sofrimento, mesmo diante da dificuldade do paciente em falar, considero que haverá um avanço em termos de tratamento de conflitos emocionais.


CientíficaMente – Você procurou ter alguma formação específica para atuar como psicóloga clínica?

Além dos avanços acadêmicos, fiz sim um curso de especialização em psicologia clínica (Formação em Psicanálise) no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, que também me ajudou muito a melhorar no atendimento em consultório.
Ou seja, a graduação em psicologia foi apenas o primeiro passo. Aprendi que prosseguir nos estudos, é fundamental. E isso não é um caminho penoso, mas predominantemente prazeroso, porque embora seja angustiante não ter todas as respostas, perceber o desconhecimento, é muito bom também continuar aprendendo sobre algo que a gente gosta.
Portanto, hoje trabalho no atendimento psicológico de pessoas (adultos, crianças) no consultório particular, e sou pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da USP.

CientíficaMente – Como é seu trabalho como pesquisadora? 

Sou pesquisadora no laboratório de investigação médica em psicofarmacologia (LIM23), no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Lá executo pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de medidas de expressividade que facilitem o diagnóstico e a avaliação de melhora clínica de pacientes deprimidos. Trabalho inserida num grupo multiprofissional, composto por farmacêuticos, psicólogos, psiquiatras e fisioterapeutas.
Também sou psicóloga clínica em São Paulo, trabalho em consultório particular, atendendo adultos, crianças, adolescentes e casais que estejam com algum tipo de conflito interpessoal e emocional.


CientíficaMente –  Como foram seus primeiros trabalhos relacionados à psicologia?

Durante a graduação, nunca trabalhei em algo que fosse relacionado a outras profissões. O tempo livre que eu tinha, utilizei para investir em avaliações sobre qual área da Psicologia me interessava. Por exemplo, comecei a frequentar congressos, simpósios, encontros de Psicologia (de diferentes áreas: hospitalar, escolar, organizacional). Ouvir profissionais de várias áreas contar sobre seus trabalhos em eventos é uma boa oportunidade para expandir a visão sobre o quê pode ser feito com a Psicologia. Como meu curso de graduação era integral, eu não tinha disponibilidade de horários para fazer estágios fora da Instituição. Por isso, como fui me aproximando da área de pesquisa, redigi um projeto de pesquisa em Iniciação Científica e submeti-o, com autorização e cooperação da professora que me auxiliava na pesquisa (orientadora), a uma fundação de pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), que me concedeu uma bolsa. A bolsa de iniciação científica é um auxílio financeiro para o estudante custear algumas despesas básicas para a execução de sua pesquisa. À medida que minha pesquisa foi avançando, eu fui escrevendo resumos dos meus achados para participar de Congressos, e desse jeito passei a ser frequentadora de congressos não apenas como ouvinte, mas também como apresentadora de trabalhos na área.

Como mencionei anteriormente, quando terminei a graduação, fui trabalhar em consultório particular, como psicóloga clínica, e também prossegui meus estudos, fazendo o mestrado e o doutorado. Quando terminei o doutorado, comecei a dar aulas de Psicopatologia numa Universidade do interior de São Paulo, o que também foi uma experiência nova e muito importante para mim. De repente, além de psicóloga clínica e pesquisadora, me vi como professora, mais um caminho que a Psicologia me abriu. Descobri que, além de gostar de ouvir pessoas, de pesquisar pessoas, gosto de ensinar pessoas. A cada dúvida de um aluno, você é convocada a pensar tanto naquilo que você ainda não sabe, como naquilo que você descobre que já sabe.


CientíficaMente –  Quais são os principais desafios do seu trabalho na clínica?

A clínica coloca-me constantemente diante do desafio de poder estar em contato com um outro humano (ex. o paciente), respeitando-o, cuidando dele, ao mesmo tempo que sendo verdadeira, justa, imparcial. As pessoas costumam chegar ao consultório de psicologia angustiadas, preocupadas com algum problema, mas também com receio de ouvirem que “tudo é culpa” delas. Existe, comumente, um conflito, entre a pessoa querer contar o que lhe acontece, e ao mesmo tempo não querer falar, ter receio de se expôr, ter receio do julgamento do psicólogo. E daí, me vejo muitas vezes sob essa linha tênue: caminhar no sentido de ouvir, investigar aquilo que se passa com o paciente, ao mesmo tempo que ter cautela, ir com cuidado, ao ponto de não ser violenta e assustá-lo. A psicoterapia é um tratamento que visa criar um espaço que possa fazer bem ao indivíduo, no qual ele possa falar, ser escutado, se escutar, promover mudanças, ganhar amparo, etc. Entretanto até o espaço terapêutico se tornar de fato terapêutico (no sentido do paciente conseguir confiar no terapeuta, sentir-se confortável, permitir-se falar sua verdade) é um percurso que pode ser longo para muitas pessoas. É difícil a gente chegar num lugar e contar sobre o que nos aflige para uma pessoa que não fazemos ideia de quem se trata. E, tem muitas vezes que a gente precisa de ajuda inclusive para formular o que nos aflige, porque nem sempre isso é claro. Existe, portanto, um desafio diário para mim, no contato com os pacientes, de como construir esse espaço terapêutico.


CientíficaMente –   E com relação à área de pesquisa, quais são as dificuldades?

Na área de pesquisa, também existem desafios. Os desafios variam desde aqueles mais concretos, até os mais abstratos. Por exemplo: no Brasil ainda existe uma dificuldade na execução de pesquisas em função de baixo investimento governamental. Muitas vezes os pesquisadores se desdobram para comprar materiais necessários para execução de projetos, para divulgar resultados de seus estudos, visto que não existe um auxílio financeiro sólido que ofereça condições suficientes de trabalho para o profissional. Noto que o investimento governamental em bolsas, auxílio pesquisa, etc., tem aumentado. Mas ainda estamos muito distantes do cenário positivo para a pesquisa observado em países da Europa e da América do Norte. Falando de desafios mais abstratos, penso que a pesquisa exige a observação de fenômenos/resultados, que não esperávamos, ou que (muitas vezes) não conseguimos entender o seu porquê. Desta forma, o raciocínio ativo, questionador, investigador, é sempre necessário. E, estar constantemente com a mente aberta para reflexões, inovações de pensamento, é um desafio.


CientíficaMente –  Quais são as principais vantagens,alegrias e satisfações no seu trabalho?

Em termos do trabalho como psicóloga clínica, eu diria que saber que meu trabalho pode agregar melhora na qualidade de vida das pessoas é gratificante. Receber um paciente com um problema, um dilema, uma vida dificultada por um medo, por algo mal elaborado, e vê-lo retomar o colorido da vida, retomar a corrida atrás de novas oportunidades, se dar uma segunda chance, não tem preço.  Em termos do trabalho como pesquisadora, eu diria que realizar um trabalho que me permite agregar algo à Psicologia e a Psiquiatria, no sentido da melhora da prática nessas áreas, para beneficiar as pessoas que estejam sofrendo com problemas emocionais, é, da mesma forma, sentir que meu trabalho tem um valor humano, existencial. Minha profissão me dá a alegria de sentir-me viva e útil.

Contato: Dra. Juliana Teixeira Fiquer

Rua Manoel da Nóbrega, 595, conjunto 83, São Paulo. Telefone: (11) 3063-0964

Muito obrigada, Juliana, por conceder essa entrevista ao CientíficaMente