A
pós-graduação era para ser um período maravilhoso, em que você tem a chance de
estudar, se aprofundar em um tema, conversar com pessoas inteligentes,
frequentar congressos, ler ótimos livros e artigos, e por fim produzir uma
pesquisa do jeito que você queria. Então por que costuma ser uma das piores
fases na vida de um estudante?
Esse
período sombrio frequentemente é marcado por um desânimo insistente, e em alguns
casos, depressão clínica. No mínimo, você fica por algum tempo “para baixo”. Não
passou por isso? Certamente conhece alguém que esteve nessa situação.
Saiu
um artigo na revista Nature sobre a alta frequência de casos de depressão entre
estudantes de pós-graduação. Dizem que principalmente aqueles alunos que foram
brilhantes na graduação sofrem bastante na pós. Alguns motivos listados foram o
isolamento causado pela competição do mundo acadêmico, altas expectativas e
falta de sono. Outro agravante é ter uma relação ruim com o orientador ou com
colegas. O artigo ressalta a falta de preparo das universidades para ajudar
esses estudantes, pois normalmente há ajuda apenas para os graduandos, mas não
para os pós-graduandos e suas demandas específicas.
No
blog CoNeCt, há um comentário sobre esse artigo e algumas outras possíveis
causas da depressão nos pós-graduandos. Vou acrescentar aqui algumas outras possibilidades.
Por que a pós-graduação é desoladora? (Obs. Estou considerando uma pessoa com
dedicação exclusiva à pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado).
1.
Estou sozinho.
O pós-graduando é um solitário. Geralmente ele tem o
próprio projeto e segue sozinho nele. Mesmo os que fazem parte de um grupo de
pesquisa, têm tarefas tão específicas que raramente encontram os demais. Os
horários das aulas não batem, e você não encontra mais ninguém conhecido com
frequência. Um está coletando dados, outro saiu da cidade para ir a campo,
outro está em casa lendo. Não há uma rotina de encontro das mesmas pessoas nos
mesmos lugares, o que dificulta o contato social. Você não tem com quem
conversar. Se tem, seu projeto é tão único que ninguém entende os seus
dilemas (mas o que você quer dizer com estar chateado porque o alfa de Cronbach
do segundo teste da terceira bateria de avaliações sobre tomada de decisão em
situação de incerteza estar dando abaixo de 0.5???).
2.
Sou um inútil.
Se você só estuda, isso significa que você só estuda,
ou seja, é um inútil. Aliás, esse estudo aí que você está fazendo serve para
que mesmo? Vai salvar as criancinhas da África? Vai resolver o aquecimento
global? Vai achar a cura para o câncer? Não? Então por que você está gastando
seu tempo nisso? Os outros te perguntam qual é a utilidade do seu estudo, e por
fim, você se pergunta. Você mesmo tem dúvidas se aquilo vai te levar a algum
lugar, e se vai beneficiar alguém de verdade. Alguns estão mais preocupados em
estar certos, e quando o experimento vai na direção contrária, ficam bem
estressados. Outros se preocupam com isso e com querer ajudar a humanidade, e a
relação entre uma pesquisa de pós-graduação e a aplicação no mundo real costuma
ser fraca. Além disso, ninguém entende que você está se dedicando ao estudo, principalmente quando está na fase de escrever a dissertação na sua casa ("ele não faz nada o dia todo, só fica nesse computador"). Não há reconhecimento social, porque é difícil explicar que você só estuda e o que é que você estuda (poucos entendem - quem
nunca fugiu da temida pergunta “E o que é exatamente que você estuda?”), e sua identidade fica abalada. Quem sou eu?
3.
Meu orientador não está nem aí para mim.
Para aumentar o sentimento de solidão e de falta de
reconhecimento, sequer seu orientador te dá bola. Ele sempre está ocupado com
aulas, mil pesquisas e artigos que têm que ser feitos de qualquer forma, e mais
dezenas de reuniões e bancas. Nem sempre é culpa dele, não me entendam mal. As
vezes o sistema é realmente o culpado. Enfim, o resultado é que você não tem
orientação, trabalha no escuro, não sabe se está indo na direção certa,
normalmente até ser tarde demais para evitar o vexame na defesa (ou o seu
pensamento constante de que a defesa será um vexame, que é bem pior). E se a
pessoa que mais deveria se interessar pelo seu trabalho não está ali, fica
difícil achar que seu trabalho tem algum valor.
4.
Não vou ter o que fazer com esse diploma.
Essa é mais típica dos doutorandos do que dos
mestrandos. Você tem certa desconfiança de que toda aquela dedicação na verdade
depois não servirá para nada. Sente que sua tese será jogada em um canto na biblioteca
(modernizando, será mais um arquivo nesse mundo da Internet). Você já está sem dinheiro agora e se pergunta o que será do amanhã. Seu diploma será
usado para que mesmo? Ah, lembrei, irei disputar meia dúzia de vagas com todos
os outros doutores do país. Fácil. Tradução: hoje = estudante de pós, amanhã =
desempregado sem esperança.
5.
Tudo o que faço é para aumentar uma linha do
lattes.
Depois de um tempo na vida acadêmica, você tem a
sensação de que tudo o que tem que fazer se resume a acrescentar coisas no seu currículo
lattes. Para que vou naquele congresso? Resposta – para ir à praia e colocar no
seu lattes que você apresentou o trabalho. Para que tenho que modificar algumas
linhas desse mesmo trabalho e ir a outro congresso? Resposta - para ir à praia e colocar no seu lattes que
você apresentou o trabalho. Para que tenho que escrever artigos que eu não
quero escrever e publicar em uma boa revista científica? Para aumentar uma
linha no lattes (publish or perish). É isso, minha vida se resume a aumentar
meu lattes, e aí a ordem se inverte: faço para publicar e não publico porque
fiz. E talvez aumentar o lattes não seja um objetivo tão nobre, e aí você sente
sua vida vazia.
Sozinho, inútil, deixado de lado,
desempregado e com uma vida sem sentido. E depois não sabem por que o pós-graduando
fica deprimido...
Brincadeiras à parte, a
pós-graduação realmente é um período difícil. As pessoas acham que o momento
mais delicado de decisão profissional é na hora de escolher um curso para
prestar o vestibular, mas eu discordo. Para mim até agora o momento mais
difícil foi depois de estar formada e ter entrado na pós-graduação, porque ali
não há tempo, você tem que saber quem você é. Sou pesquisadora? Sou psicóloga
social? Sou um professor? Sou um biólogo? Antes parece que há espaço
para o “teste”, mas depois que você se forma o mundo e você mesmo esperam
certas coisas, como ter um salário fixo, começar uma carreira, ter uma
identidade profissional. Para quem tem dedicação exclusiva aos estudos, a
pós-graduação é um adiamento da entrada no mercado de trabalho, e pode ser
angustiante.
Concordo com o artigo da Nature
quando afirma que as universidades deveriam se preocupar mais com o estado
psicológico dos estudantes. Penso que
seja necessário criar espaços que facilitem a interação social, a troca
de conhecimento e o sentimento de pertencimento a um grupo entre os
pós-graduandos. Também é necessário um sistema que valorize mais o trabalho de
todos, afinal o estudante precisa sentir que faz algo importante. O orientador
tem um papel crucial, é dele que tem que vir o maior apoio, pois é a nossa
figura de admiração e que representa o conhecimento, além de ser a autoridade
formal.
Boa sorte pós-graduandos de todo o
país!
11 comentários:
Isaaaaaa
que legal o texto!! Adorei e me identifiquei em várias partes!!ehehe
Parabéns!!!bjs katia
Na realidade as Universidades não se preocupam em dar uma assistência maior ao estudante...parabéns pelo espaço...
Oi Isabella, não precisei ler muito para me identificar e achei o máximo seu texto!!! Muito curioso e não sabia desse estudo. Adorei!!!
Estou na graduação ainda e só penso em participar de eventos e desenvolver pesquisas e aumentar meu lattes com o proposito de ser aprovado em um mestrado, acho que já estou ficando depressivo.
Que bom que gostaram! Abraços.
Olá João Carlos. Você não está depressivo, apenas está investindo na carreira. O problema é quando fazemos tudo isso e sentimos que não vai nos levar a lugar algum, sabe uma sensação de vazio? Aí talvez seja um começo de depressão. O que você descreve é normal para alguém que tem um objetivo claro e quer se destacar. Abraços.
Excelente artigo, realmente nos faz refletir sobre o nosso papel!
Obrigada, Wenden.
Excelente artigo!
Parabéns pelo texto! Nossa me identifiquei muito com algumas coisas que escreveu, é bom saber que não estou sozinha com minhas inseguranças em relação à pós-graduação... cheguei a rir ao ler algumas passagens do seu texto pois na hora vi que eu já tinha passado pelo mesmo questionamento.
Só acho que essa idealização de que a pós-graduação é para ser algo maravilhoso é equivocada. Na verdade, eu também caí nessa ideia sedutora e descobri que não é bem assim. Não há nada de transcedental ao cursar uma pós-graduação.
O objeto de estudos é tão específico que chega a ser de um taylorismo ingênuo do século retrasado. Nos anos dois mil queremos saber de tudo um muito. Nada menos do que muito de tudo me interessa. Creio que para outros estudantes esse sentimento também valha.
O senso comum do "método científico" difundido na academia foi um devaneio megalomaníaco proposto por Popper há quase uma centena de anos. Kuhn romantizou ainda mais a utopia. Ainda não estamos preparados para engolir Feyerabend e, enquanto isso, continuaremos a acreditar que um diploma (ou dois, ou mais) de pós-graduação preencherão o vazio do (des)conhecimento. Nada, só nos deixarão mais arrogantes e amargos - em função do tempo perdido para aprender e vivenciar coisas que realmente importam.
A pós-graduação não é mais do que um trabalho, que proporciona um contato maior com os ritos da comunidade acadêmica. A palavra-chave aqui é ritual - e não conhecimento. Conhecimento é uma questão muito mais complexa, que não emerge simplesmente de uma linha de produção ou de um diploma.
No meu caso, a depressão é consequência da perda dessa ingenuidade. Não que eu acreditasse no mito do método científico em algum momento, mas eu esperava poder me relacionar com a academia de uma forma produtiva e enriquecedora para mim e para "eles". O desafio está em manter a serenidade para concluir essa jornada sem perder a ternura.
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