Atendendo a pedidos de que o blog tenha mais entrevistas, conversamos com uma psicóloga escolar (ou educacional), ou seja, que atua em escola, para saber mais sobre seu trabalho.
1) Qual sua formação?
Fiz psicologia na USP, tendo os graus de bacharel, psicólogo e licenciado. Depois também fiz o mestrado, na USP, na área de psicologia experimental.
2) Como começou a trabalhar com psicologia escolar?
A área da educação sempre me interessou, mas para dar aula, não tanto para trabalhar como psicóloga. A verdade é que eu não me interessava pelas disciplinas de psicologia escolar, mas fiz questão de fazer licenciatura, que na USP é opcional: só faz quem tiver interesse. Mas na hora em que eu terminei a faculdade, tinham tirado a psicologia do currículo do Ensino Médio, o que fez com que o campo de trabalho do professor de psicologia ficasse bem restrito. Isso me afastou do plano de trabalhar em escola até que, quando eu estava terminando o mestrado apareceu uma vaga de psicólogo no colégio em que trabalho hoje. Me candidatei achando que não daria certo, que certamente haveria outras pessoas mais capacitadas concorrendo pela vaga, mas no final consegui o emprego e aqui estou agora.
3) Como é seu trabalho, o que faz?
A escola onde estou tem desde o maternal até o Ensino Médio. Meu trabalho envolve todas essas séries. É um trabalho bem dinâmico. Muitas pessoas acham que eu trato dos alunos, mas não é exatamente isso. Minha função no colégio é olhar o que está acontecendo quando há alguma dificuldade, conversar com professores, alunos, pais, coordenação, com todos, e orientá-los a respeito do que fazer, de como agir. Digamos, por exemplo, que algum aluno que está tendo dificuldade em alguma matéria, ou o professor acha que ele está com algum problema. Eu converso com o professor, vejo porque ele acha que o problema existe. Depois observo ou converso com o aluno, com os pais... em resumo, investigo o que está acontecendo. Muitas vezes descubro que a questão é pontual e tudo que é necessário é uma mudança de postura da escola ou dos pais, então oriento essa mudança de postura. Teve uma menina do maternal, por exemplo, que não falava nem uma palavra, toda sua comunicação era gestual. As professoras estavam super preocupadas, achando que ela pudesse ter algum problema, mas no final o problema era falta de estímulo para falar: todos ao redor da criança entendiam o que ela gesticulava, então para que ela iria se esforçar para verbalizar? Orientei que se estimulasse a comunicação verbal e tudo mudou. Há casos, porém, em que é necessário uma avaliação maior ou de profissionais de outra área. Se isso for necessário, é preciso encaminhar o aluno. Mas não é só fazer uma cartinha bonitinha, com meu carimbo e o timbre da escola: bem mais do que isso. Primeiro, preciso conversar com os pais, para explicar porque estamos querendo essa avaliação externa. Nesse momento, temos todos os tipos de reação: tem o pai que aceita super tranqüilo, diz que concorda e que vai procurar e dali uma semana já traz o telefone do profissional que vai atender o aluno; tem o pai que concorda, mas que por diferentes motivos não busca, e então é importante ligar para o pai reforçar o quanto é importante a avaliação, insistir que procure.
Há também pais que simplesmente não aceitam o encaminhamento. Dizem que seu filho não tem nada, que não é louco. Dá para notar que eles têm preconceito quanto ao que significa ser encaminhado pela escola, particularmente quando o encaminhamento é para um psicólogo. Esse é um momento sempre complicado e delicado, pois é preciso tentar explicar que não se procura profissionais fora da escola só porque se é louco. Aliás, se eu soubesse qual é exatamente a causa da dificuldade do aluno, eu não precisaria encaminhar! E eu explico para o pai que é importante fazer essa avaliação, para descartar a possibilidade de existir um problema que precisa ser contornado e até para que outra pessoa, de fora, que não está com o olhar enviesado do colégio, consiga dar pistas de como poderemos agir para ajudar o aluno. Porque, sim, muitas vezes pode acontecer de o problema que o aluno está enfrentando no colégio ser provocado por algo que não está claro para nós, mas que alguém de fora consegue perceber, e eu tento explicar isso para os pais, também. Depois que faço o encaminhamento os pais procuram o atendimento, procuro os profissionais para saber se está tudo bem, se eles precisam de alguma informação a mais da escola e perguntar se eles têm alguma sugestão para nosso trabalho com o aluno e passar essas sugestões para os professores.
Às vezes encontro profissionais super solícitos, que querem vir conhecer a escola, ou que não conseguem ir até lá mas que conversam conosco pelo telefone de forma bem receptiva. Em outros casos – e infelizmente tenho notado que é um número considerável de profissionais – tenho que tentar diversas vezes até conseguir um único contato, e esse é frio, seco, como se a escola quisesse invadir o trabalho que está sendo feito ou não pudesse ajudar em nada. De qualquer forma, converso com esses profissionais – tanto o receptivo quanto o que não é tão receptivo assim – e encaminho as sugestões deles para os professores. Também observo se está tudo bem, se o que foi sugerido está sendo feito, qual é o resultado que está sendo visto e encaminho essas informações para os profissionais que atendem o aluno. Ou aviso se algo aconteceu de diferente. Assim vamos trabalhando em parceria, trocando figurinha e ajudando aquela criança ou adolescente.
Mas o meu trabalho na escola não é só com os alunos quando eles têm dificuldade, é claro. Esse acaba sendo um dos trabalhos mais “comentados”, mas não é só isso. Algo que também faço é orientar os professores a como agir em certas situações. Digamos, por exemplo, que o professor tenha em sala um aluno com uma dificuldade muito grande, que precisa de uma atenção especial. Meu trabalho será feito no sentido de auxiliar o professor a como agir na sala e frente aos demais alunos, para que ele, ao tentar incluir um que tenha uma dificuldade, não acabe excluindo esse mesmo aluno por algum motivo (por exemplo, super protegendo ele quando não é necessário) ou negligenciando o trabalho com os demais. Há casos também em que faço trabalho com a turma. No momento, estou com três trabalhos ativos. Um diz respeito a parte da disciplina, e estamos trabalhando com dinâmicas para que a turma entenda que tem hora que é preciso ficar quieto e hora em que se pode ficar agitado. Outro é de orientação vocacional, com os alunos que estão acabando o ensino médio, para dar a eles algumas informações a respeito do mercado de trabalho, como escolher uma faculdade, essas coisas. O terceiro é com alunos do quinto ano, para prepará-los para ir para o sexto. Essa é uma fase em que há uma mudança muito grande para o aluno por diferentes motivos, e temos no colégio um projeto para tentar suavizar a mudança. E nesse colégio em particular, também temos uma atividade que eu acho que é bem legal, que é conversar com os alunos quando eles entram na escola. É um bate papo, só, para ver como eles estão, se estão adaptados. Serve também para que eles se sintam mais a vontade na escola e para que a escola os conheça um pouco melhor.
Finalmente é importante apontar que o psicólogo na escola também está lá para conversar e orientar os alunos, professores ou funcionários que precisem. Por exemplo, alunos que brigaram com os amigos e queriam conversar com alguém ou funcionários com problemas pessoais... não farei terapia com eles, é claro, mas acolherei a demanda e tentarei ajudar o quanto for possível – muitas vezes, indicando que procurem alguém fora, para uma ajuda maior.
4) Você gosta do seu trabalho na escola?
Como todo trabalho, há momentos maravilhosos e momentos não tão bons. Quando você vê, por exemplo, um aluno melhorar depois que fez uma intervenção que deu certo, é maravilhoso. Mas nem tudo são flores. Como eu disse antes, há vezes em que nosso trabalho é visto com preconceito, e parece que estamos querendo rotular o aluno, ou dizer que ele é doente ou louco... Não! Se eu soubesse o que o aluno tem, porque ele está com dificuldade, eu não precisaria encaminhar! E mesmo que haja algum problema, que a avaliação aponte alguma questão que deverá ser trabalhada, não é por isso que a escola irá tratar o aluno de forma diferente, vai excluí-lo – ela vai trabalhar pelo melhor para ele, de forma que ele possa superar a dificuldade que tenha. Tento mostrar isso sempre para os pais, mas nem sempre consigo, e isso é muito complicado, pois você fica engessado: quer ajudar o aluno, mas não sabe mais como.
5) Que dicas daria para quem gostaria de trabalhar como psicólogo em escolas?
Mente aberta. A escola é muitas vezes vista como a única vilã nos problemas educacionais atuais. É a escola que não ouve o aluno, é a escola que não dá atenção ao pai, que não está preparada para o mundo atual... Mas, não! A escola não é tão ruim assim! Claro que existem escolas boas e ruins, mas muitas estão tentando fazer um bom trabalho. Para conseguir avançar no processo educativo, porém, não é só a escola que será um determinante. Pais que apóiem o colégio, alunos empenhados, professores interessados, tudo conta. Se tentarmos trabalhar numa escola pensando que ela é o único elemento problemático na cadeia de ensino-aprendizagem, deixaremos de lado muitos pontos importantes. Acho que temos que procurar não vilões, não os responsáveis pelos problemas de aprendizado do aluno, mas soluções para esse problema. Soluções que, claro, deverão envolver todos os personagens da história do aluno: família, escola, o próprio aluno, seus amigos, etc. Se todos se empenharem para ajudar o aluno, o resultado não terá como ser ruim, e não terá que ter ninguém sendo acusado de nada. É sempre importante ter isso em mente para se fazer o melhor trabalho possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário