domingo, 12 de janeiro de 2014

Mãe, não vou fazer faculdade!

Se você fosse dono de uma grande empresa, contrataria uma pessoa que saiu da escola aos 12 anos, e que, portanto, não fez faculdade?

Não é sua realidade? Ok.

Imagine que essa mesma pessoa esteja dando conselhos sobre educação e sobre como conseguir um emprego. Daria ouvidos a ela?

                Pois bem, Dale Stephens é um americano que aos 12 anos saiu da escola. Preferiu cuidar de sua própria educação. Depois, fez provas para conseguir os diplomas de ensino fundamental e médio. Chegou a entrar na faculdade, mas detestou – achava que as pessoas iam para a faculdade para ir a festas e conhecer parceiros amorosos, e não para aprender, e acabou abandonando o curso. Hoje, tem uma carreira bem sucedida como empreendedor, e fundou o movimento Uncollege, algo como “não faça faculdade”, escreveu um livro e é conhecido mundialmente. Nada mau para quem parecia apenas um aluno rebelde, não?

                Dale pode ser considerado um aluno rebelde, em ótimo sentido. Não via graça no sistema escolar, e tinha muita vontade de aprender. Resolveu que iria fazê-lo por si próprio, ou melhor, que iria direcionar sua própria aprendizagem, indo atrás do que lhe interessava. Ao crescer, percebeu que o mundo acreditava que os jovens tinham que entrar na faculdade para serem considerados aptos a serem pessoas “de sucesso”. Não podia ser diferente.

Ao entrar na faculdade, percebeu que ela não prepara ninguém para a vida real, para os problemas que realmente terão que ser resolvidos. Conheceu muitas pessoas pouco interessadas em aprender, e mais focadas em “pegar” alguém em uma das dezenas de baladas que ocorriam a todo o momento – o interessante da faculdade era justamente o que acontecia entre uma aula e outra. (obs. Ao contrário do que se possa pensar, ele não é uma pessoa introvertida, pelo contrário, adora festas. Porém não acha que alguém deva pagar altas mensalidades e fingir que estuda para poder ter uma boa vida noturna).

Um exemplo de habilidade absolutamente essencial que em geral nem a escola nem a faculdade nos ensinam: como trabalhar em equipe. O professor passa um trabalho em grupo. Cena 1: Um faz sozinho e o resto se apóia. Cena 2: Dois fazem sozinhos e o resto não faz nada. Quando você chega em um emprego, por exemplo em uma empresa, vai ter que trabalhar em equipe. Você depende totalmente do trabalho de outras pessoas para realizar o seu, assim como outras pessoas dependem do seu trabalho. Aí começa o problema, porque não estamos preparados para isso.

Diplomas de graduação são antiquados, na visão dele. Hoje li no jornal O Estado de São Paulo que a falta de mão de obra especializada atinge 91% das empresas.

                “A criação de cargos cada vez mais específicos, o uso de equipamentos ultramodernos e a globalização dos negócios intensificaram o problema de mão de obra nas empresas.(...) Segundo Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral, “os investimentos em tecnologia, inovação e automação estão fazendo com que a mão de obra fique mais escassa, pois não há treinamento especifico para os cargos. (...) Aqui [no Brasil] ainda não existe um alinhamento entre formação acadêmica e capacitação prática”.

                Ou seja, os cursos de graduação, em geral, nos preparam para empregos que não existem mais, em um mundo que já não é mais o mesmo.

 Responda à questão:

Por que você vai para a faculdade?

Se formos a fundo na questão, é uma resposta desafiadora.


Tudo bem, podemos até concordar, mas qual a solução mágica proposta por Dale, para substituir a graduação? Se a graduação pode não ser a solução, qual seria? A saída é você hackear a sua educação, exatamente o título do livro dele, Hacking your education. E o que isso significa afinal?

Simplesmente que você pode aprender fora das estruturas e das formas tradicionais de ensino, como nas escolas e nas universidades. Hacker significa alguém que constrói alguma coisa. Tem a ver com independência. Com tomada de decisão. Com autonomia. Com pro atividade. Dale se auto proclama um “hacker acadêmico”. Por que não?

Quanto mais você é uma pessoa crítica e independente, mais é capaz de traçar seu próprio caminho de aprendizagem. Veja, ele fala de  a-p-r-e-n-d-e-r  e não de colecionar diplomas para pendurar na parede, muito menos de fingir que esses diplomas garantem que você tem a capacidade de resolver problemas reais no mundo real (que é o que te faz conseguir e manter um emprego, diga-se de passagem). Tirando profissões que exigem mesmo um diploma, como medicina e direito, praticamente todo o resto é possível de ser “hackeado”.

No livro, Dale conta histórias de pessoas que não foram para a faculdade e que construíram seu próprio caminho, assim como ele. E assim, dá dicas de como podemos fazer o mesmo. Algumas delas:

·         Não pense no que um diploma pode te dar. Pense em como você pode conseguir as coisas que um diploma promete. Por exemplo: a experiência social, um emprego e simplesmente aprender alguma coisa.

·         Tente descobrir no que você é bom, no que gosta de fazer, no que te satisfaz. Pense em possíveis ocupações (por exemplo: escritor, professor, músico, artista, designer etc.). Depois, pense em como você pode ser bom nessa ocupação, que habilidades teria que ter? Finalmente, pense se um curso de graduação realmente te ajudaria, ou se há outras maneiras de desenvolver essas habilidades fora da sala de aula.

·         Compartilhe o que está aprendendo. Tenha um blog ou um site, por exemplo. Se você está na faculdade, a sociedade assume que você está aprendendo (mesmo que não seja verdade), mas se você não está, terá mais dificuldade de mostrar seus avanços nos estudos – e as pessoas podem achar que tudo o que você tem feito é ver televisão e jogar vídeo game.

·         Organize grupos de estudos. Descubra pessoas que estão aprendendo o mesmo que você e marque encontros periódicos, para trocar conhecimento e fazer networking.

·         Descubra como você aprende melhor e estude mais dessa forma. Não abandone outras formas de aprendizado, apenas gaste mais seu tempo com a forma que melhor aprende. Por exemplo, se você é mais visual, leia mais. Se é mais extrovertido e sociável, vá mais atrás de pessoas para trocar conhecimento.

·         Use a Internet para estudar! Há muitos sites bons – Cousera por exemplo, com vídeo-aulas. Encontre pessoas que estejam estudando o mesmo que você! Encontre bons blogs e fóruns, faça comentários inteligentes (pratique o bom português, uma habilidade que quase ninguém tem).

·         Vá fazer trabalho voluntário. Isso não significa necessariamente trabalhos sociais, você pode ser voluntário em alguma empresa pequena – trabalhando de graça. Por quê? Para adquirir alguma habilidade, para se autoconhecer (saber no que é bom, o que gosta) -  troque a sua falta de experiência pela falta de salário.

·         Procure mentores ou professores com quem você possa conversar, inclusive aqueles de universidades importantes. Identifique os especialistas na sua área de interesse e tente entrar em contato com eles. Envie um e-mail, diga que é interessado no assunto de especialidade dele, convide para um café. Peça conselhos sobre como aprender mais sobre o assunto, peça indicações de mais pessoas com quem possa conversar, livros para ler, sites para visitar.

·         Descubra o que está acontecendo nas melhores universidades na sua área de interesse, tente frequentar palestras, debates, encontros. Converse com as pessoas, saiba quais são os tópicos em alta, as novidades, conheça as pessoas.

·         Ensine o que já sabe para alguém, e peça que a pessoa te ensine algo. Exemplos: cozinhar algo, uma língua, como escrever bem, como fazer um site, jardinagem, futebol, dança etc.

·         Descubra uma biblioteca pública, leia livros e revistas de graça. Conheça pessoas interessantes no local, troque opiniões sobre um livro.

·         Viaje pelo mundo. Quer aprender inglês? Junte dinheiro e vá morar um tempo no exterior. Tenha outras visões, entre em contato com diferentes culturas e pessoas, amplie sua visão de mundo, tente conviver com o diferente. É uma habilidade essencial atualmente.



Dale não é contra alguém ir para a universidade, desde que você a utilize para aprender. Essas dicas e as outras que ele dá no livro podem ser colocadas em prática também enquanto você está cursando uma graduação. Não são incompatíveis, podem ser complementares.





      Aprender é um processo para a vida. Não é algo que ocorre somente quando você está em uma escola, é algo que ocorre desde que você estava no útero da sua mãe e vai ocorrer até a sua morte. Pode ocorrer dentro de uma escola ou não. Quando dou aulas de inglês, pergunto aos meus alunos: Em que momento vocês estão aprendendo inglês? E eles respondem: Durante a aula. Eu digo: Não, vocês estão aprendendo em vários momentos, quando usam um aplicativo no celular, quando leem algum termo na Internet, quando escutam uma música, veem um filme. Quando vocês aprendem português? Nas aulas da escola? Não, você aprende desde que era um feto, e vai continuar aprendendo até o último dia da sua vida. E se você for esperto, vai ampliar e direcionar esses momentos de aprendizagem, para maximizar suas competências.

Acreditar que só se aprende dentro de uma sala de aula com a presença de um professor é uma visão ingênua do que significa aprendizado, e mais, uma visão passiva. Você é capaz de dar os passos para conseguir aprender algo e de tomar boas decisões que te ajudem a chegar lá. Você pode e deve pedir ajudar das pessoas, mas não necessariamente ser dependente de um professor e de uma instituição.



 Para saber mais: 

O livro Hacking you Education não foi traduzido ainda, li em inglês no meu kindle, comprando pela Amazon.

Dale Stephens fundou o movimento UnCollege, e mantém um site sobre o assunto.

Descobri esse curso no Hub Escola: Hackeando sua educação – autoeducação como um estilo de vida. O propósito do curso:

Criar espaços de conversas sobre a autoeducação e uma nova maneira de pensar a educação levando isso para a prática no desenvolvimento das pessoas e para o dia a dia delas.
O participante pode esperar aprender mais sobre si mesmo e sua maneira de aprender, sua relação com o aprendizado e ter maior poder sobre sua autoeducação.

Parece interessante, mas não fiz o curso e não posso dizer se é bom, se alguém já fez, por favor, compartilhe sua experiência.

Para saber ainda mais:

Precisa de um emprego? Invente-o! 

Tese de doutorado sobre aprendizagem auto-dirigida: Um estudo exploratório sobre a autodireção em ambientes informais - Sobre como os adultos vão atrás de aprender algo, direcionando sua própria educação.

Livro The Personal MBA: Master the art of business - Um MBA custa uma fortuna, e muitos o consideram essencial para alavancar a carreira.Como ter resultados melhores sem fazer o curso.

Livro The education of millionaires: everything you won´t learn in college about how to be successful - As pessoas bem sucedidas não aprenderam os fatores cruciais do sucesso na escola e na faculdade.







3 comentários:

Ezer disse...

Essa estratégia faz ainda mais sentido no Brasil, onde a educação em média é ainda menos proveitosa.

Uma alternativa interessante é o caminho do meio, estudar apenas o suficiente para passar e dedicar o resto do tempo com disciplina redobrada para se aprofundar no que realmente é importante. Minha intenção, quando eu tiver filhos, vai ser a de incentivar eles a terem projetos próprios no tempo livre, aprenderem brincando, e se dedicarem apenas o suficiente na escola.

Isabella Bertelli disse...

Oi Ezer, concordo com você. A educação no Brasil em geral não é boa, o que ainda faz com que tenhamos que ir mais atrás de formas de aprender. O caminho do meio é interessante, e como Dale disse no livro, hackear sua educação não é incompatível com estar em uma universidade. Fui o que fiz durante minha graduação. Quanto aos filhos, pois é, tenho pensado cada vez mais em como educar as crianças. As escolas no modelo atual são quase uma forma de tortura, e pouco eficientes. Matam a curiosidade natural das crianças. Ainda não sei bem como resolver isso, porque há algumas escolas em São Paulo, por exemplo, que são diferentes, como a Escola da Ponte em Portugal. Porém, custam uma fortuna, totalmente fora do orçamento da classe média. Ainda é um desafio... e o tal do homeschooling não é permitido por aqui, e também não sei se essa é a melhor forma.

Ludimila Ferreira disse...

Depender da única universidade federal da cidade é frustante e não ter meu curso em lugar nenhum por aqui é mais ainda, então resolvi pegar a grade horária da faculdade, mas estudar por conta. Vou ter um diploma? Não. Vou ter conhecimento? Com certeza. Curiosamente resolvi fazer isso antes de ler esse texto. Não demorei cinco anos pra decidir o que eu queria fazer pra não passar e ficar por isso mesmo.