Continuando a sequência de entrevistas com psicólogos que atuam na área,
o CientíficaMente conversou com Juliana Teixeira Fiquer, psicóloga clínica e
pesquisadora. Trabalha com duas áreas diversas, mas que como veremos, podem ser exercidas juntas. O contato de Juliana está no final da entrevista.
Quando eu
era adolescente, minha mãe procurou um tratamento psicológico para mim, em
função de algumas dificuldades emocionais que ela notava que eu tinha e que me
faziam sofrer. Nessa época, eu não tinha conhecimento do que se tratava uma
psicoterapia. Comecei a frequentar as sessões, que inicialmente me pareciam estranhas
(ex. era estranho ter um adulto ali me perguntando algumas coisas, dizendo
coisas, manifestando algum afeto). Entretanto, com o tempo, comecei a me sentir
bem em ir lá. Aos poucos fui me sentindo mais confortável. Comecei a me
familiarizar com a psicóloga; percebia o interesse dela em me ouvir; percebia o
valor de coisas que ela dizia sobre mim, para meu bem. Passei a encontrar
naquele lugar e naquela pessoa um espaço para contar o que me acontecia, o que
eu sentia. Aprendi a prestar mais atenção em mim, entender o porquê de algumas
reações que eu tinha, fui me tornando mais confiante em me posicionar
socialmente em concordância com aquilo que eu pensava e sentia, aprendi a me
respeitar mais, e respeitar mais as outras pessoas. Venci alguns medos, que
antes de discuti-los com a psicóloga, pareciam tão reais e grandes. Com o tempo,
os medos puderam ser superados, tornaram-se pequenos, e pude começar a rir
deles.
CientíficaMente – Por quanto tempo você fez terapia?
Permaneci
nessa psicoterapia por mais de 5 anos, e, ao longo desses anos, fui notando o
quanto que aquela profissional da área da saúde me ajudava a me tornar uma
pessoa melhor (para mim e para o mundo). Sou grata até hoje pela oportunidade
que tive de fazer um tratamento psicológico. Tornei-me mais livre para viver.
E, o desejo para ajudar outras pessoas a se tornarem mais livres de seus medos,
tabus, dificuldades, foi sendo construído. Quando chegou o momento de prestar
um vestibular, minha escolha profissional estava feita: eu queria ser
psicóloga. Essa profissão fazia sentido para mim, me fazia sentir que eu
poderia dar algum tipo de contribuição à sociedade, ou mais especificamente, a
todos aqueles que sofressem em função de dilemas psicológicos/emocionais.
CientíficaMente – E como foi o curso?
Fiz minha
graduação em psicologia na Universidade de São Paulo. Quando comecei o curso,
achava que a Psicologia era uma ciência única e que formava psicólogos
clínicos. Ao longo da graduação, entretanto, aprendi que a Psicologia é uma
ciência muito mais complexa, composta por várias correntes distintas de
concepção do homem, de seus problemas, e consequentemente, de solução de
conflitos. Também aprendi que a Psicologia tem vários campos de atuação, como
na escola, em empresas (ex. recursos humanos), em institutos de pesquisa,
hospitais. E, a partir dessas percepções, fui começando a fazer escolhas.
Busquei escolher quais das correntes de concepção de homem me faziam mais
sentido para trabalhar. Busquei escolher em quais campos de atuação
profissional eu sentia mais prazer.
Meu curso
de graduação tinha ênfase na realização de pesquisas, e eu aproveitei essa
ênfase para experimentar o que era fazer pesquisa em Psicologia. Quando eu
estava no segundo ano da graduação, comecei a trabalhar – em formato de estágio
de Iniciação Científica – com pesquisadores de mestrado e doutorado, na
avaliação de relatos de afetos (positivos, negativos) de pessoas que moravam em
cidades do interior do Brasil e em capitais. Fui observando que a pesquisa me
permitia observar fenômenos, buscar entendê-los, encontrar respostas, abrir
outras perguntas.
No quarto
ano de graduação, comecei a atender pacientes também – no formato de
atendimentos em clínica-escola – para avaliar se meu interesse inicial em ser
psicóloga clínica ainda se mantinha. Fui observando, que assim como na área de
pesquisa, a clínica me permitia observar fenômenos humanos. Permitia-me buscar
entendê-los junto com os pacientes, encontrando algumas respostas, e ampliando
algumas perguntas, que permitissem crescimento/melhora daquelas pessoas em
sofrimento.
Minha
definição do que eu seria após a graduação se constituiu assim: eu seria
pesquisadora e psicóloga clínica, porque conseguia observar um raciocínio/um
trabalho em comum nessas duas áreas de atuação. Seria o meu jeito de fazer
teoria e prática, pesquisa e atuação, meio acadêmico e meio da saúde, se
integrarem na minha vida profissional.
CientíficaMente –Foi fácil chegar nessa escolha?
É claro
que, quando eu escrevo num texto breve minha trajetória de escolhas, ela parece
ter sido simples, rápida, bem organizada. Mas gostaria de destacar que todo o
percurso de minhas escolhas sempre foi feito com “altos e baixos”: eu tinha
várias dúvidas, ficava às vezes perdida com o que eu estava fazendo, chegava a
me questionar se conseguiria ser uma boa psicóloga, e assim por diante. Foi com
o tempo, com a percepção mais madura de que as escolhas vão sendo construídas,
que se perder também é caminho, que eu pude ir superando minhas angústias
profissionais, e chegar a uma definição profissional, uma identidade.
Com o
aumento dessa “paciência” com as dúvidas e medos profissionais, fui ficando
mais forte para optar em me formar, começar a trabalhar em consultório (como
psicóloga clínica) e ao mesmo tempo prosseguir nos estudos e pesquisa, fazendo
mestrado e doutorado em Psicologia.
CientíficaMente – Sobre o que foi o seu mestrado? E o doutorado?
Meu
mestrado foi focado em qualidade de vida e bem-estar das pessoas (ex. quais
fatores ajudam a contribuir para os relatos de bem-estar das pessoas). No
doutorado, me dediquei a estudar o “outro lado da moeda”: investiguei relatos
de pacientes deprimidos, e outros fatores que podem contribuir para as
dificuldades que esses pacientes têm.
Durante meu doutorado tive a oportunidade de estabelecer
parcerias com grupos de pesquisadores nacionais e internacionais. Em âmbito
nacional, fui parceira de pesquisa de grupos que avaliavam pacientes deprimidos
no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP (IPq-HCFMUSP). Em âmbito internacional, entrei em contato com uUniversity Medical
Center Groningen - UMCG, Groningen, Holanda). Durante o doutorado é
possível o pesquisador realizar seus trabalhos em ambientes acadêmicos
distintos, em prol de sofisticação/enriquecimento do seu trabalho, o que
é chamado de Doutorado Sanduíche no Exterior (SWE). Especificamente, o SWE
é financiado por uma fundação do governo brasileiro (CNPq) e, trata-se de um
doutorado iniciado pelo pesquisador no Brasil, mas que compreende um período de
estadia em outro centro de pesquisa no exterior, que tenha reconhecido
conhecimento na área de estudo em questão. Aproveitando essa possibilidade do
Doutorado Sanduíche, bem como a parceria estabelecida com a UMCG, realizei um
estágio acadêmico de nove meses na Holanda. Esse estágio propiciou-me um
aperfeiçoamento em técnicas de pesquisa, trazendo-me mais maturidade
científica.
m grupo
de especialistas em análise de comunicação não-verbal em contextos
psiquiátricos do Centro Médico da Universidade de Groningen (
CientíficaMente – Atualmente, você ainda faz pesquisas?
Sim, faço
pós-doutorado no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Prossigo nas investigações relacionadas a diferenças
entre pacientes deprimidos e pessoas sem depressão com relação à expressividade
não-verbal. O foco de meu estudo atual é desenvolver instrumentos para clínicos
(psicólogos, médicos) que permitam avaliar a gravidade do quadro depressivo, a
melhora clínica e estimar o prognóstico dos pacientes por meio de pistas
não-verbais de emoção (e não apenas através daquilo que o paciente relata
verbalmente). Nem sempre quem sofre, sabe do que sofre, ou consegue falar do
que sofre. Se a Psicologia avançar na compreensão desse sofrimento, mesmo
diante da dificuldade do paciente em falar, considero que haverá um avanço em
termos de tratamento de conflitos emocionais.
Além dos
avanços acadêmicos, fiz sim um curso de especialização em psicologia clínica
(Formação em Psicanálise) no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, que
também me ajudou muito a melhorar no atendimento em consultório.
Ou seja,
a graduação em psicologia foi apenas o primeiro passo. Aprendi que prosseguir
nos estudos, é fundamental. E isso não é um caminho penoso, mas
predominantemente prazeroso, porque embora seja angustiante não ter todas as respostas,
perceber o desconhecimento, é muito bom também continuar aprendendo sobre algo
que a gente gosta.
Portanto,
hoje trabalho no atendimento psicológico de pessoas (adultos, crianças) no
consultório particular, e sou pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da USP.
CientíficaMente
– Como é seu trabalho como pesquisadora?
Sou pesquisadora no laboratório de investigação médica em
psicofarmacologia (LIM23), no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina
da USP. Lá executo pesquisas relacionadas ao desenvolvimento
de medidas de expressividade que facilitem o diagnóstico e a avaliação de melhora
clínica de pacientes deprimidos. Trabalho inserida num grupo multiprofissional,
composto por farmacêuticos, psicólogos, psiquiatras e fisioterapeutas.
Também
sou psicóloga clínica em São Paulo, trabalho em consultório particular,
atendendo adultos, crianças, adolescentes e casais que estejam com algum tipo
de conflito interpessoal e emocional.
CientíficaMente
– Como foram seus primeiros trabalhos
relacionados à psicologia?
Durante a
graduação, nunca trabalhei em algo que fosse relacionado a outras profissões. O
tempo livre que eu tinha, utilizei para investir em avaliações sobre qual área
da Psicologia me interessava. Por exemplo, comecei a frequentar congressos, simpósios,
encontros de Psicologia (de diferentes áreas: hospitalar, escolar,
organizacional). Ouvir profissionais de várias áreas contar sobre seus
trabalhos em eventos é uma boa oportunidade para expandir a visão sobre o quê
pode ser feito com a Psicologia. Como meu curso de graduação era integral, eu
não tinha disponibilidade de horários para fazer estágios fora da Instituição.
Por isso, como fui me aproximando da área de pesquisa, redigi um projeto de
pesquisa em Iniciação Científica e submeti-o, com autorização e cooperação da
professora que me auxiliava na pesquisa (orientadora), a uma fundação de
pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), que me concedeu uma bolsa. A bolsa de
iniciação científica é um auxílio financeiro para o estudante custear algumas
despesas básicas para a execução de sua pesquisa. À medida que minha pesquisa
foi avançando, eu fui escrevendo resumos dos meus achados para participar de
Congressos, e desse jeito passei a ser frequentadora de congressos não apenas
como ouvinte, mas também como apresentadora de trabalhos na área.
Como
mencionei anteriormente, quando terminei a graduação, fui trabalhar em
consultório particular, como psicóloga clínica, e também prossegui meus
estudos, fazendo o mestrado e o doutorado. Quando terminei o doutorado, comecei
a dar aulas de Psicopatologia numa Universidade do interior de São Paulo, o que
também foi uma experiência nova e muito importante para mim. De repente, além
de psicóloga clínica e pesquisadora, me vi como professora, mais um caminho que
a Psicologia me abriu. Descobri que, além de gostar de ouvir pessoas, de
pesquisar pessoas, gosto de ensinar pessoas. A cada dúvida de um aluno, você é
convocada a pensar tanto naquilo que você ainda não sabe, como naquilo que você
descobre que já sabe.
CientíficaMente
– Quais são os principais desafios do
seu trabalho na clínica?
A clínica
coloca-me constantemente diante do desafio de poder estar em contato com um
outro humano (ex. o paciente), respeitando-o, cuidando dele, ao mesmo tempo que
sendo verdadeira, justa, imparcial. As pessoas costumam chegar ao consultório
de psicologia angustiadas, preocupadas com algum problema, mas também com
receio de ouvirem que “tudo é culpa” delas. Existe, comumente, um conflito,
entre a pessoa querer contar o que lhe acontece, e ao mesmo tempo não querer
falar, ter receio de se expôr, ter receio do julgamento do psicólogo. E daí, me
vejo muitas vezes sob essa linha tênue: caminhar no sentido de ouvir,
investigar aquilo que se passa com o paciente, ao mesmo tempo que ter cautela,
ir com cuidado, ao ponto de não ser violenta e assustá-lo. A psicoterapia é um
tratamento que visa criar um espaço que possa fazer bem ao indivíduo, no qual
ele possa falar, ser escutado, se escutar, promover mudanças, ganhar amparo,
etc. Entretanto até o espaço terapêutico se tornar de fato terapêutico (no
sentido do paciente conseguir confiar no terapeuta, sentir-se confortável,
permitir-se falar sua verdade) é um percurso que pode ser longo para muitas
pessoas. É difícil a gente chegar num lugar e contar sobre o que nos aflige
para uma pessoa que não fazemos ideia de quem se trata. E, tem muitas vezes que
a gente precisa de ajuda inclusive para formular o que nos aflige, porque nem
sempre isso é claro. Existe, portanto, um desafio diário para mim, no contato
com os pacientes, de como construir esse espaço terapêutico.
CientíficaMente – E com relação à área de pesquisa, quais são as
dificuldades?
Na área
de pesquisa, também existem desafios. Os desafios variam desde aqueles mais
concretos, até os mais abstratos. Por exemplo: no Brasil ainda existe uma
dificuldade na execução de pesquisas em função de baixo investimento
governamental. Muitas vezes os pesquisadores se desdobram para comprar
materiais necessários para execução de projetos, para divulgar resultados de
seus estudos, visto que não existe um auxílio financeiro sólido que ofereça
condições suficientes de trabalho para o profissional. Noto que o investimento
governamental em bolsas, auxílio pesquisa, etc., tem aumentado. Mas ainda
estamos muito distantes do cenário positivo para a pesquisa observado em países
da Europa e da América do Norte. Falando de desafios mais abstratos, penso que
a pesquisa exige a observação de fenômenos/resultados, que não esperávamos, ou
que (muitas vezes) não conseguimos entender o seu porquê. Desta forma, o
raciocínio ativo, questionador, investigador, é sempre necessário. E, estar
constantemente com a mente aberta para reflexões, inovações de pensamento, é um
desafio.
CientíficaMente
– Quais são as principais vantagens,alegrias e satisfações
no seu trabalho?
Em termos do trabalho
como psicóloga clínica, eu diria que saber que meu trabalho pode agregar
melhora na qualidade de vida das pessoas é gratificante. Receber um paciente
com um problema, um dilema, uma vida dificultada por um medo, por algo mal
elaborado, e vê-lo retomar o colorido da vida, retomar a corrida atrás de novas
oportunidades, se dar uma segunda chance, não tem preço. Em termos do trabalho como pesquisadora, eu
diria que realizar um trabalho que me permite agregar algo à Psicologia e a
Psiquiatria, no sentido da melhora da prática nessas áreas, para beneficiar as
pessoas que estejam sofrendo com problemas emocionais, é, da mesma forma,
sentir que meu trabalho tem um valor humano, existencial. Minha profissão me dá
a alegria de sentir-me viva e útil.
Contato: Dra. Juliana
Teixeira Fiquer
Rua Manoel da Nóbrega,
595, conjunto 83, São Paulo. Telefone: (11) 3063-0964
Muito obrigada,
Juliana, por conceder essa entrevista ao CientíficaMente.
2 comentários:
Isabella, já favoritei seu blog, pois minha esposa é psicóloga e certamente adorará conhecer este trabalho muito interessante que você tem aqui. Parabéns! A entrevista flui com leveza e de forma interessante. Com tempo, deixe sua impressão no meu http://jefhcardoso.blogspot.com Ficarei muito contente!
Olá! Eu sou Sara Suelen curso psicologia na Estácio. É bom pra mim ter um exemplo como vc. que através deste post,abriu os meus olhos pra como é a psicologia clínica que na minha opinião é muito interessante. Obrigada!
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