sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Pós-graduação rima com depressão


                A pós-graduação era para ser um período maravilhoso, em que você tem a chance de estudar, se aprofundar em um tema, conversar com pessoas inteligentes, frequentar congressos, ler ótimos livros e artigos, e por fim produzir uma pesquisa do jeito que você queria. Então por que costuma ser uma das piores fases na vida de um estudante?

                Esse período sombrio frequentemente é marcado por um desânimo insistente, e em alguns casos, depressão clínica. No mínimo, você fica por algum tempo “para baixo”. Não passou por isso? Certamente conhece alguém que esteve nessa situação.

                Saiu um artigo na revista Nature sobre a alta frequência de casos de depressão entre estudantes de pós-graduação. Dizem que principalmente aqueles alunos que foram brilhantes na graduação sofrem bastante na pós. Alguns motivos listados foram o isolamento causado pela competição do mundo acadêmico, altas expectativas e falta de sono. Outro agravante é ter uma relação ruim com o orientador ou com colegas. O artigo ressalta a falta de preparo das universidades para ajudar esses estudantes, pois normalmente há ajuda apenas para os graduandos, mas não para os pós-graduandos e suas demandas específicas.

                No blog CoNeCt, há um comentário sobre esse artigo e algumas outras possíveis causas da depressão nos pós-graduandos. Vou acrescentar aqui algumas outras possibilidades. Por que a pós-graduação é desoladora? (Obs. Estou considerando uma pessoa com dedicação exclusiva à pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado).

1.       Estou sozinho.
O pós-graduando é um solitário. Geralmente ele tem o próprio projeto e segue sozinho nele. Mesmo os que fazem parte de um grupo de pesquisa, têm tarefas tão específicas que raramente encontram os demais. Os horários das aulas não batem, e você não encontra mais ninguém conhecido com frequência. Um está coletando dados, outro saiu da cidade para ir a campo, outro está em casa lendo. Não há uma rotina de encontro das mesmas pessoas nos mesmos lugares, o que dificulta o contato social. Você não tem com quem conversar. Se tem, seu projeto é tão único que ninguém entende os seus dilemas (mas o que você quer dizer com estar chateado porque o alfa de Cronbach do segundo teste da terceira bateria de avaliações sobre tomada de decisão em situação de incerteza estar dando abaixo de 0.5???).

2.       Sou um inútil.
Se você só estuda, isso significa que você só estuda, ou seja, é um inútil. Aliás, esse estudo aí que você está fazendo serve para que mesmo? Vai salvar as criancinhas da África? Vai resolver o aquecimento global? Vai achar a cura para o câncer? Não? Então por que você está gastando seu tempo nisso? Os outros te perguntam qual é a utilidade do seu estudo, e por fim, você se pergunta. Você mesmo tem dúvidas se aquilo vai te levar a algum lugar, e se vai beneficiar alguém de verdade. Alguns estão mais preocupados em estar certos, e quando o experimento vai na direção contrária, ficam bem estressados. Outros se preocupam com isso e com querer ajudar a humanidade, e a relação entre uma pesquisa de pós-graduação e a aplicação no mundo real costuma ser fraca. Além disso, ninguém entende que você está se dedicando ao estudo, principalmente quando está na fase de escrever a dissertação na sua casa ("ele não faz nada o dia todo, só fica nesse computador"). Não há reconhecimento social, porque é difícil explicar que você só estuda e o que é que você estuda (poucos entendem - quem nunca fugiu da temida pergunta “E o que é exatamente que você estuda?”), e sua identidade fica abalada. Quem sou eu?

3.       Meu orientador não está nem aí para mim.
Para aumentar o sentimento de solidão e de falta de reconhecimento, sequer seu orientador te dá bola. Ele sempre está ocupado com aulas, mil pesquisas e artigos que têm que ser feitos de qualquer forma, e mais dezenas de reuniões e bancas. Nem sempre é culpa dele, não me entendam mal. As vezes o sistema é realmente o culpado. Enfim, o resultado é que você não tem orientação, trabalha no escuro, não sabe se está indo na direção certa, normalmente até ser tarde demais para evitar o vexame na defesa (ou o seu pensamento constante de que a defesa será um vexame, que é bem pior). E se a pessoa que mais deveria se interessar pelo seu trabalho não está ali, fica difícil achar que seu trabalho tem algum valor.

4.       Não vou ter o que fazer com esse diploma.
Essa é mais típica dos doutorandos do que dos mestrandos. Você tem certa desconfiança de que toda aquela dedicação na verdade depois não servirá para nada.  Sente que sua tese será jogada em um canto na biblioteca (modernizando, será mais um arquivo nesse mundo da Internet). Você já está sem dinheiro agora e se pergunta o que será do amanhã. Seu diploma será usado para que mesmo? Ah, lembrei, irei disputar meia dúzia de vagas com todos os outros doutores do país. Fácil. Tradução: hoje = estudante de pós, amanhã = desempregado sem esperança.

5.       Tudo o que faço é para aumentar uma linha do lattes.
Depois de um tempo na vida acadêmica, você tem a sensação de que tudo o que tem que fazer se resume a acrescentar coisas no seu currículo lattes. Para que vou naquele congresso? Resposta – para ir à praia e colocar no seu lattes que você apresentou o trabalho. Para que tenho que modificar algumas linhas desse mesmo trabalho e ir a outro congresso? Resposta  - para ir à praia e colocar no seu lattes que você apresentou o trabalho. Para que tenho que escrever artigos que eu não quero escrever e publicar em uma boa revista científica? Para aumentar uma linha no lattes (publish or perish). É isso, minha vida se resume a aumentar meu lattes, e aí a ordem se inverte: faço para publicar e não publico porque fiz. E talvez aumentar o lattes não seja um objetivo tão nobre, e aí você sente sua vida vazia.

Sozinho, inútil, deixado de lado, desempregado e com uma vida sem sentido. E depois não sabem por que o pós-graduando fica deprimido...

Brincadeiras à parte, a pós-graduação realmente é um período difícil. As pessoas acham que o momento mais delicado de decisão profissional é na hora de escolher um curso para prestar o vestibular, mas eu discordo. Para mim até agora o momento mais difícil foi depois de estar formada e ter entrado na pós-graduação, porque ali não há tempo, você tem que saber quem você é. Sou pesquisadora? Sou psicóloga social? Sou um professor? Sou um biólogo? Antes parece que há espaço para o “teste”, mas depois que você se forma o mundo e você mesmo esperam certas coisas, como ter um salário fixo, começar uma carreira, ter uma identidade profissional. Para quem tem dedicação exclusiva aos estudos, a pós-graduação é um adiamento da entrada no mercado de trabalho, e pode ser angustiante.

Concordo com o artigo da Nature quando afirma que as universidades deveriam se preocupar mais com o estado psicológico dos estudantes. Penso que  seja necessário criar espaços que facilitem a interação social, a troca de conhecimento e o sentimento de pertencimento a um grupo entre os pós-graduandos. Também é necessário um sistema que valorize mais o trabalho de todos, afinal o estudante precisa sentir que faz algo importante. O orientador tem um papel crucial, é dele que tem que vir o maior apoio, pois é a nossa figura de admiração e que representa o conhecimento, além de ser a autoridade formal.

Boa sorte pós-graduandos de todo o país!

11 comentários:

disse...

Isaaaaaa
que legal o texto!! Adorei e me identifiquei em várias partes!!ehehe

Parabéns!!!bjs katia

Sensibilidade a navegar com poesias disse...

Na realidade as Universidades não se preocupam em dar uma assistência maior ao estudante...parabéns pelo espaço...

Unknown disse...

Oi Isabella, não precisei ler muito para me identificar e achei o máximo seu texto!!! Muito curioso e não sabia desse estudo. Adorei!!!

joao carlos disse...

Estou na graduação ainda e só penso em participar de eventos e desenvolver pesquisas e aumentar meu lattes com o proposito de ser aprovado em um mestrado, acho que já estou ficando depressivo.

Isabella Bertelli disse...

Que bom que gostaram! Abraços.

Isabella Bertelli disse...

Olá João Carlos. Você não está depressivo, apenas está investindo na carreira. O problema é quando fazemos tudo isso e sentimos que não vai nos levar a lugar algum, sabe uma sensação de vazio? Aí talvez seja um começo de depressão. O que você descreve é normal para alguém que tem um objetivo claro e quer se destacar. Abraços.

Histórico disse...

Excelente artigo, realmente nos faz refletir sobre o nosso papel!

Isabella Bertelli disse...

Obrigada, Wenden.

Unknown disse...

Excelente artigo!

Unknown disse...

Parabéns pelo texto! Nossa me identifiquei muito com algumas coisas que escreveu, é bom saber que não estou sozinha com minhas inseguranças em relação à pós-graduação... cheguei a rir ao ler algumas passagens do seu texto pois na hora vi que eu já tinha passado pelo mesmo questionamento.

Semiógrafo disse...

Só acho que essa idealização de que a pós-graduação é para ser algo maravilhoso é equivocada. Na verdade, eu também caí nessa ideia sedutora e descobri que não é bem assim. Não há nada de transcedental ao cursar uma pós-graduação.

O objeto de estudos é tão específico que chega a ser de um taylorismo ingênuo do século retrasado. Nos anos dois mil queremos saber de tudo um muito. Nada menos do que muito de tudo me interessa. Creio que para outros estudantes esse sentimento também valha.

O senso comum do "método científico" difundido na academia foi um devaneio megalomaníaco proposto por Popper há quase uma centena de anos. Kuhn romantizou ainda mais a utopia. Ainda não estamos preparados para engolir Feyerabend e, enquanto isso, continuaremos a acreditar que um diploma (ou dois, ou mais) de pós-graduação preencherão o vazio do (des)conhecimento. Nada, só nos deixarão mais arrogantes e amargos - em função do tempo perdido para aprender e vivenciar coisas que realmente importam.

A pós-graduação não é mais do que um trabalho, que proporciona um contato maior com os ritos da comunidade acadêmica. A palavra-chave aqui é ritual - e não conhecimento. Conhecimento é uma questão muito mais complexa, que não emerge simplesmente de uma linha de produção ou de um diploma.

No meu caso, a depressão é consequência da perda dessa ingenuidade. Não que eu acreditasse no mito do método científico em algum momento, mas eu esperava poder me relacionar com a academia de uma forma produtiva e enriquecedora para mim e para "eles". O desafio está em manter a serenidade para concluir essa jornada sem perder a ternura.