domingo, 17 de fevereiro de 2008

Psicólogo também é gente?

A resposta é óbvia. Ou não. Como estudante de psicologia esse é um assunto que me tira do sério!!! Vou me explicar melhor.

Outro dia eu estava num ponto de ônibus quando algumas pessoas estavam comentando sobre o Big Brother (Ok, é só um exemplo, não estou defendendo esse tipo de programa ou algo assim). Falavam sobre um participante, que é psiquiatra, e havia dado algum tipo de “piti” no dia anterior, brigando com um outro participante. Uma mulher então disse: “Nossa, achei aquilo um absurdo. Como que um psiquiatra faz esse tipo de coisa?? Eu que não ia me tratar com ele! Quem tá doente é ele!”.

Bom, esse tipo de pensamento é extremamente comum, e aplica-se normalmente a psicólogos e psiquiatras. Será que acham realmente que psicólogo não chora? Não sofre? Não fica bravo? Não se descontrola? Enfim, que não é humano? Sinto muito decepcionar, mas um curso de graduação não me tira a essência humana. Não me isenta de sofrer, não me imuniza contra qualquer tipo de problema a que os humanos estão sujeitos.
Eu tenho algumas hipóteses para explicar esse fenômeno. Uma delas é um possível resquício, digamos, antigo de um tempo em que a religião e o misticismo imperavam (não que isso ainda não aconteça). Quando tinham problemas, as pessoas iam atrás de magos, pajés, xamãs, sábios, gurus, oráculos ou algo que o valha, que eram exemplos, encarnações do bom espírito.

Os tempos mudaram (Foucault falou melhor sobre isso) e estamos em um mundo em que os especialistas, principalmente médicos e psicólogos, substituíram essas figuras. O que um curso de medicina ou de psicologia faz com uma pessoa? Será que nos 5 ou 6 anos passamos de reles mortais imperfeitos a deuses detentores da verdade e do equilíbrio supremo? Tiram minha condição humana e me põem uma alma endeusada?
É muito comum, quando falo que sou estudante de psicologia, as pessoas me fazerem perguntas escabrosas, que vão desde “Qual é o seu problema? Porque dizem que quem faz psicologia algum problema tem...” até “Ah, então olha aquele ali e me diz o que ele tem, como ele é, o que acha de mim...”.

Respondendo à primeira questão: Sim, tenho vários problemas, como qualquer um. Se algum deles contribuiu para eu gostar de psicologia eu não sei, talvez. E olhando para a minha classe, que tem 70 pessoas, tudo o que eu vejo são... pessoas. Cada um é de um jeito, cada um se veste de uma maneira, tem um jeito de pensar, de agir, cada um tem suas dificuldades e qualidades, assim como em qualquer outra sala de aula de qualquer outro curso. Se psicólogos tem mais problemas psicológicos do que as outras pessoas, eu não sei, e nunca vi pesquisa que apontasse para esse tipo de coisa.
Também é popular achar que psicólogos são “loucos”. Olha, para mim isso também vem junto com a idéia de que é um curso de magia ou coisas ocultas, que só uns maluquinhos podem entender e gostar. Ou então, minha hipótese preferida, é que as pessoas esperam um comportamento tão exemplar e maravilhoso do psicólogo, que qualquer coisinha que ele faça - que em qualquer outro mortal não causaria estranheza – é algo muito grande, digno de um louco.
E quanto à segunda questão, não, eu não leio mentes. Nosso curso não ensina como bater os olhos em alguém e, como uma “máquina de raios x mental” (rs, me perdoem a comparação), eu tirar um relatório completo sobre personalidade, problemas emocionais, tiques, comportamentos recorrentes, coisas desse tipo.

Dentro disso tudo eu também vejo uma outra coisa, que é a falta de informação. Não sei como é em outros países, mas aqui no Brasil a população é muito pouco estudada, e pouco propícia a ler divulgações científicas, segundo a Fapesp. Na minha opinião, as pessoas definitivamente não sabem o que é psicologia. Não sabem o que eu estudo. Ah, e muitos acham que eu nem estudo, e que meu curso é moleza. Já ouvi de um familiar “Ah, você é tão estudiosa, achei que você ia para a ciência, não para a psicologia...”. Por essas e outra que eu acho mais digno me auto-intitular de pesquisadora ou cientista, porque eu tenho vergonha (e medo!) de falar que sou psicóloga.

E o que mais me irrita: “Nossa, você como psicóloga agiu desse jeito? Perdeu a cabeça?? Que horror!”. Definitivamente, eu vou tirar um diploma de psicóloga e não de bom-exemplo-perfeito-supremo!!! Estudar certas emoções, certos comportamentos, não me torna vacinada contra absolutamente nada. A única diferença, talvez, seja que eu possa perceber um pouco mais rápido o que está acontecendo e tentar me tratar, mas ainda assim sabemos o quanto é difícil enxergar as coisas quando acontecem em nós mesmos. Portanto, se as pessoas acham que vão encontrar no psicólogo aquele que consegue colocar em prática certas “coisas” que fazem com que seja uma pessoa perfeita, estão muito enganados. Vão encontrar pessoas. Ainda não temos robôs exercendo essa função. E isso não tira, na minha opinião, a validade da profissão.

Esse é um assunto muito longo, provavelmente vou falar mais sobre isso. E também sobre psicologia. Quero ajudar a divulgar o que raios um psicólogo faz, porque isso pode ajudar a minar certas concepções arraigadas. E tirar toda a mágica misteriosa que parece rondar essa profissão.