A
pós-graduação era para ser um período maravilhoso, em que você tem a chance de
estudar, se aprofundar em um tema, conversar com pessoas inteligentes,
frequentar congressos, ler ótimos livros e artigos, e por fim produzir uma
pesquisa do jeito que você queria. Então por que costuma ser uma das piores
fases na vida de um estudante?
Esse
período sombrio frequentemente é marcado por um desânimo insistente, e em alguns
casos, depressão clínica. No mínimo, você fica por algum tempo “para baixo”. Não
passou por isso? Certamente conhece alguém que esteve nessa situação.
Saiu
um artigo na revista Nature sobre a alta frequência de casos de depressão entre
estudantes de pós-graduação. Dizem que principalmente aqueles alunos que foram
brilhantes na graduação sofrem bastante na pós. Alguns motivos listados foram o
isolamento causado pela competição do mundo acadêmico, altas expectativas e
falta de sono. Outro agravante é ter uma relação ruim com o orientador ou com
colegas. O artigo ressalta a falta de preparo das universidades para ajudar
esses estudantes, pois normalmente há ajuda apenas para os graduandos, mas não
para os pós-graduandos e suas demandas específicas.
No
blog CoNeCt, há um comentário sobre esse artigo e algumas outras possíveis
causas da depressão nos pós-graduandos. Vou acrescentar aqui algumas outras possibilidades.
Por que a pós-graduação é desoladora? (Obs. Estou considerando uma pessoa com
dedicação exclusiva à pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado).
1.
Estou sozinho.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLH4LcEYUJssUxJMBibQlc9WjbXFsyi72O7OBC7VR8UGyGbr5gsBVKSVI6hJVcG20m-O9kT3LIVURrjWd0ahkMjGURlzlyxPv1q3c_HWtW9zxp1_mgt-tjYOn-wDI3R6mRzImX3GSbiytH/s200/tpm-e-estudos.jpg)
2.
Sou um inútil.
Se você só estuda, isso significa que você só estuda,
ou seja, é um inútil. Aliás, esse estudo aí que você está fazendo serve para
que mesmo? Vai salvar as criancinhas da África? Vai resolver o aquecimento
global? Vai achar a cura para o câncer? Não? Então por que você está gastando
seu tempo nisso? Os outros te perguntam qual é a utilidade do seu estudo, e por
fim, você se pergunta. Você mesmo tem dúvidas se aquilo vai te levar a algum
lugar, e se vai beneficiar alguém de verdade. Alguns estão mais preocupados em
estar certos, e quando o experimento vai na direção contrária, ficam bem
estressados. Outros se preocupam com isso e com querer ajudar a humanidade, e a
relação entre uma pesquisa de pós-graduação e a aplicação no mundo real costuma
ser fraca. Além disso, ninguém entende que você está se dedicando ao estudo, principalmente quando está na fase de escrever a dissertação na sua casa ("ele não faz nada o dia todo, só fica nesse computador"). Não há reconhecimento social, porque é difícil explicar que você só estuda e o que é que você estuda (poucos entendem - quem
nunca fugiu da temida pergunta “E o que é exatamente que você estuda?”), e sua identidade fica abalada. Quem sou eu?
3.
Meu orientador não está nem aí para mim.
Para aumentar o sentimento de solidão e de falta de
reconhecimento, sequer seu orientador te dá bola. Ele sempre está ocupado com
aulas, mil pesquisas e artigos que têm que ser feitos de qualquer forma, e mais
dezenas de reuniões e bancas. Nem sempre é culpa dele, não me entendam mal. As
vezes o sistema é realmente o culpado. Enfim, o resultado é que você não tem
orientação, trabalha no escuro, não sabe se está indo na direção certa,
normalmente até ser tarde demais para evitar o vexame na defesa (ou o seu
pensamento constante de que a defesa será um vexame, que é bem pior). E se a
pessoa que mais deveria se interessar pelo seu trabalho não está ali, fica
difícil achar que seu trabalho tem algum valor.
4.
Não vou ter o que fazer com esse diploma.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_fsgsMaCgc86nvkeS5UbFlMuDkLRZxbZjhkvEzTsipnTy3zwLvLOYaBwNVD1qbeNbs-JQuXcQ-gA2ny2uFhsvTlA_uacAUaEhZ_-x0kjQggPuhjUa99GAP3kto_I-GeawLpM4bjHX5LTC/s200/201201031048346726923.png)
5.
Tudo o que faço é para aumentar uma linha do
lattes.
Depois de um tempo na vida acadêmica, você tem a
sensação de que tudo o que tem que fazer se resume a acrescentar coisas no seu currículo
lattes. Para que vou naquele congresso? Resposta – para ir à praia e colocar no
seu lattes que você apresentou o trabalho. Para que tenho que modificar algumas
linhas desse mesmo trabalho e ir a outro congresso? Resposta - para ir à praia e colocar no seu lattes que
você apresentou o trabalho. Para que tenho que escrever artigos que eu não
quero escrever e publicar em uma boa revista científica? Para aumentar uma
linha no lattes (publish or perish). É isso, minha vida se resume a aumentar
meu lattes, e aí a ordem se inverte: faço para publicar e não publico porque
fiz. E talvez aumentar o lattes não seja um objetivo tão nobre, e aí você sente
sua vida vazia.
Sozinho, inútil, deixado de lado,
desempregado e com uma vida sem sentido. E depois não sabem por que o pós-graduando
fica deprimido...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioF_WLTfurc1Xj7su74SmiceVacaiKK0-VSzbeK40txOjGX6NFTPtTt99mtNWa6C_eIgfIRtwWYrcltC486oqiC4w7RkBRopDlYbj4R1Re3mUlVDZWTBkgJkBKlZ4OBIlaT-ISeYamkE6M/s200/calvin_estudar.jpg)
Concordo com o artigo da Nature
quando afirma que as universidades deveriam se preocupar mais com o estado
psicológico dos estudantes. Penso que
seja necessário criar espaços que facilitem a interação social, a troca
de conhecimento e o sentimento de pertencimento a um grupo entre os
pós-graduandos. Também é necessário um sistema que valorize mais o trabalho de
todos, afinal o estudante precisa sentir que faz algo importante. O orientador
tem um papel crucial, é dele que tem que vir o maior apoio, pois é a nossa
figura de admiração e que representa o conhecimento, além de ser a autoridade
formal.
Boa sorte pós-graduandos de todo o
país!