Imagine a seguinte situação: um físico experiente e seu filho de poucos meses no colo. Eles estão em um laboratório repleto de fios, parafusos, caixas e botões. No meio de tudo isso, há um tubo de raios X. Quando o pai e a criança olham para esse objeto, vêem a mesma coisa?

Aparentemente é uma questão simples, mas por trás dela há toda uma discussão que envolve filosofia, e quem diria, até mesmo a ciência. Deixemos isso para mais à frente. Afinal, qual a importância disso para a vida das pessoas? O que interessa saber se um físico e um bebê olham a mesma coisa ou não? Não parece óbvio que sim?

O físico não está fazendo nada mais do que a criança ou uma pessoa comum que nada entende de física e de instrumentos. Ele está apenas olhando – porém o resultado não é o mesmo. Do mesmo modo, quando ouvimos uma língua estrangeira perto do nativo estamos tendo as mesmas impressões auditivas que ele. Para ouvir o mesmo que ele ouve, porém, precisamos aprender sua língua. Podemos não notar que as cordas do violão estão desafinadas, contudo isso é dolorosamente óbvio para o músico. Podemos não perceber que aquele amontoado de panos é a mais nova criação do estilista. Há muitíssimas maneiras de ouvir sons, assim como de ver um monte de linhas, formas, manchas.

Fourez diz ainda que o que nos dá a impressão de imediatez à observação é que não se colocam de maneira nenhuma em questão as teorias que servem de base à interpretação: a observação é uma certa interpretação teórica não contestada (pelo menos inicialmente). Como normalmente estamos próximos a pessoas que compartilham nossa cultura, e, portanto, uma visão de mundo semelhante a nossa, a ausência de um elemento novo dá um efeito de observação direta de um objeto. Portanto, mesmo não nos dando conta, nossa observação dos fatos é sempre a construção de um modelo de interpretação, que depende também de nossa história individual, nossas emoções, nosso estado motivacional, nosso gênero, nossa faixa etária.

E o que uma pessoa comum tem a ver com tudo isso? Popularmente é comum se pensar que a observação é direta, global, imediata. Ela não é. É importante que se desenvolva a noção de que os cientistas não são indivíduos observando o mundo com base em coisa nenhuma, são na verdade participantes de um universo cultural e lingüístico no qual inserem os seus projetos individuais e coletivos. Deve-se questionar a visão ingênua da ciência que a encara como um processo absoluto e não histórico. O cientista não é um observador fiel dos fatos, ele é um sujeito que se situa histórica e culturalmente. Assim, a ciência não é neutra e absoluta. Isso faz com que não seja válida?
Referências bibliográficas
Fourez, G. (1991) A construção das ciências – introdução á filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
Hanson, N.R. “Observação e interpretação”. In: Filosofia da ciência. Org. Morgenbesser, São Paulo: ed. Cultrix, s/d.
3 comentários:
Os cientistas, na verdade, tem o pequeno inconveniente de ter que provar matematicamente, ou cientificamente, o que dizem.
É o que separa ciência da pura observação.
Não que tudo seja perfeito depois de "provado", mas é algo que tem o intuito de formar um conhecimento sustentável (essa palavra está na moda).
E tudo bem que o pobre cientista não consegue desvencilhar a história de vida dele dos seus estudos, este "ruído" é despresível se o produto do estudo permanece no mesmo meio em que foi criado.
Isso gera erro e acertos, mas não impossibilita nada.
Troll, concordo com vc que a ciência não deixa de ser válida por ser feita por humanos (com seus interesses, crenças, desejos, projetos etc). Vou postar mais textos sobre isso, esse foi só o primeiro. Mas tem uma coisa, essa definição de ciência que você deu é questionável. Provar matematicamente é parte de alguns tipos de ciência, e mesmo assim não esgota nem define totalmente o que é ciência. Falarei mais disso mais para a frente.
Acho que estar ciente de que a ciência não é neutra, e sim feita por humanos e datada historicamente em vez de desmerecê-la torna nossa visão mais crítica e aguçada, contribuindo para que nos tornemos cientistas ou mesmo leigos interessados em ciência melhores.
Gostaria que você lembrase aos leitores que ciência é um conceito para além daquilo que comumente se entende. Que há ciência da linguagem, da História, da aprendizagem etc.E que quando a se envereda pelo caminho "científico" da chamadas ciências humanas, o terreno é mais escorregadio ainda.
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