Outro dia estava
em um shopping esperando uma amiga, e havia um quiosque vendendo livros
infantis. Fui olhar e me interessaram os de conhecimento, como O corpo humano e Cleópatra. Dentre os vários títulos, um me chamou a atenção: O grande livro das emoções.
Emoções parecem ser um assunto
piegas. Ou óbvio. #SQN.... É só observar a quantidade vendida do livro
Inteligência Emocional, que fez a fama de Daniel Goleman (e hoje ele tenta
falar sobre outros assuntos, mas continuam a insistir que ele fale sobre
inteligência emocional - ver Inteligência emocional não é tudo) para ver que o tema não é tão piegas ou óbvio assim.
Eu mesma já tratei várias vezes
sobre emoções nesse blog (Dica de livro - O Erro de Descartes, Isso é irracional!, Afinal, por que a vergonha existe?), especialmente defendendo que as
emoções não são contra a racionalidade. E por que insisto em falar disso? Porque percebo que as pessoas não internalizaram isso, e que ainda há carência
dessa discussão. Continuo ouvindo “seja frio e racional”, por isso penso que o
debate continua de pé, e é necessário que esteja na mesa de discussão.
Voltando ao livro que acabei
comprando no quiosque, O grande livro das emoções, que supostamente tem como
público-alvo crianças. O que me encantou nele foi a simplicidade com que
explicou as funções das emoções. O livro se divide em três seções “A partir de
mim...”, “Quero chegar...” e “Até os outros...”, com contos em cada capítulo
(storytelling S2).
“A partir de mim...quero
chegar...até os outros: a partir de si mesmo, com seu jeito de ser...você quer
ir, quer se aproximar dos outros para ter uma boa relação com eles.” (p. 8)
Voltando, na primeira parte
tratam de mostrar a importância de identificar e entender a função das emoções
em nós mesmos, como medo, ira, tristeza, depois de emoções que nos ajudam a chegar
até os outros, e finalmente as que realmente são cruciais para convivermos com
os demais, como empatia, gratidão, perdão.
O livro mostra de maneira leve e
elegante que as emoções têm uma função essencial, que é permitir a convivência
social:
Genial! Tirou as emoções do lado
negativo – do descontrole, desequilíbrio, falta de racionalidade, fraqueza, impulsividade
– e as colocou no lado da... normalidade. O lado de ser um
humano que funciona! Mensagem parecida traz DivertidaMente, em que as emoções fazem parte do nosso funcionamento normal.
Claro que há emoções que podem
nos levar a atos não tão aceitáveis, como eles mesmos citam – vingança,
impulsividade, tristeza etc. Ainda assim, elas fazem parte de quem somos, e se
soubermos identificar e tomar uma decisão melhor a partir delas, ótimo. O x da
questão é entender que as emoções têm uma função sim, que não são opostas à
racionalidade e que não nos fazem ser piores, mais fracos ou não nos levam só
a escolhas ruins. Na verdade, elas permitem ser quem somos.
Assim
como vários outros conceitos, há divergências entre autores sobre definição e
funcionamento, por isso vou eleger um para seguir, que é meu preferido para
esse tema, o neurocientista Antônio Damásio.
Emoções são o que acontece
no teatro do corpo, e sentimentos são o que acontece no teatro da mente (em O erro de Descartes).
As emoções são o conjunto de
modificações fisiológicas do corpo, e os sentimentos são o reconhecimento e
percepção dessas modificações, por isso os sentimentos seriam mais exclusivamente
humanos, enquanto as emoções ocorrem largamente em outros animais.
(Só um parêntesis)
Didaticamente, alguns
dividem o estudo do ser humano na psicologia em: emoção, cognição,
comportamento e motivação. Então emoções não são cognição (estudo das funções
da mente como memória, atenção, linguagem, raciocínio, tomada de decisão – o
lado mais intelectual e da inteligência “fria” como costumavam compreender),
comportamento (ação visível, atuação no ambiente) e motivação (estado que leva
à ação, ao comportamento). Em O Grande livro das Emoções, discordo de algumas classificações deles como emoções - por exemplo, empatia e vingança. Esses são construtos mais complexos, que incluem emoções, mas também cognição, comportamento e motivação.
Para que servem as emoções?
As emoções ajudam o animal a
identificar uma situação de risco ou de oportunidade, e mobilizam a ação – ou
seja – fazem com que ele tome uma atitude rapidamente para não perder a chance
de se salvar (em caso de risco) ou de perder uma oportunidade (por exemplo, de
comer ou de se reproduzir). Um exemplo simples:
A zebra vê um leão. Imaginem
se ela tivesse que raciocinar horrores para depois decidir o que fazer.
Primeiro ela teria que ter um cérebro potente, capaz de muitos cálculos.
Depois, isso levaria muito tempo, o que seria bem arriscado.
Seria assim: ela
vê o leão, o cérebro processa, aí identifica, “leão”, que categoria de animal é
esse? Ah, um predador. Beleza. Um predador de que magnitude? Pesquisando no
google...Um predador perigoso. Muito perigoso. Que faz o quê? Corre e te come.
Tá. E o que eu posso fazer? Bom, há muitos comportamentos possíveis, tem que
analisar melhor a situação. Tá chovendo? Procurar como enfrentar um leão na
chuva... etc e etc
Nesse
processo há muito gasto de tempo e energia (recursos preciosos!). Ao ver o leão, o corpo da zebra já
dispara uma série de reações fisiológicas – a que chamamos de medo – que a
levam rapidamente a fugir, enfrentar ou paralisar (são exemplos de três reações instintivas comuns dos animais).
E na gente, como funciona? A
mesma coisa.
As emoções são reações fisiológicas a partir de uma leitura rápida
do ambiente, em que nosso corpo nos prepara para agir. Então está parecendo que
as emoções são o contrário do racional. Sim e não.
Sim no sentido de que são
reações muito rápidas, mais primitivas e compartilhadas com outros animais, BUT nós somos animais. Isso significa que elas continuam tendo funções importantes
para nós.
E não são o contrário do
racional no sentido de que nos ajudam a ler o ambiente, ou seja, nos proveem
mais dados sobre o ambiente e sobre como deveríamos agir. Essa é a hipótese do
marcador somático do Damásio:
A hipótese
do marcador somático envolve a ideia de que a emoção é parte integrante do
processo de raciocínio e pode auxiliar esse processo, ao invés de atrapalhá-lo. O sistema de raciocínio teria evoluído
como uma extensão do sistema emocional automático. O nome marcador somático vem do fato
de que sentiríamos um estado somático, do corpo (emoção), que marcaria uma
imagem. A emoção proviria ao cérebro um quadro do estado do resto do corpo, por
isso “marcador somático” (em O Erro de
Descartes).
Para ficar mais claro: as emoções nos ajudam a entender o ambiente,
marcam as situações com um selo, com uma cor, com um tom, e isso nos ajuda a
decidir o que fazer. Entrei em uma rua escura, tarde da noite, estou com medo.
Isso já me deixa alerta, o que pode ser crucial para minha sobrevivência. Isso
é irracional? Não! Se eu não sentisse medo, poderia ser descuidada, me expor
mais e me dar mal.
Isso então significa que sempre as emoções fazem ótimas leituras do
ambiente que sempre vão nos ajudar a nos comportar de modo ideal?
Não. Como todo sistema, tem falhas. Serve para grande parte das
situações, por isso foi selecionado naturalmente, contudo isso não significa
que sempre vai funcionar, que nunca precisaremos raciocinar mais para decidir o
que fazer, que sempre nos levará à felicidade. Mas acredite, melhor com ele do
que sem ele! Por quê? Porque assim temos mais dicas sobre como agir, com mais
agilidade, com funcionalidade com relação ao ambiente.
As emoções mobilizam comportamentos, e de modo muito forte, mais do que
o processamento racional consciente. Um exemplo pessoal: para ir à academia,
costumo passar por uma rua deserta e escura, pois os postes de luz não
funcionam. Tenho como fazer outro caminho, um pouco mais longo. Acontece que
essa rua não me dá medo, parece uma falha do meu sistema de reconhecimento de
perigo. Racionalmente, sei que é estupidez andar nessa rua sendo que tenho
alternativa. Mas como não sinto, simplesmente sempre ando por ela, o que pode
ser bem perigoso.
Exemplo do contrário: andar de avião. Nosso corpo lê a situação como
perigo, porque é claro, quem em sã consciência vai entrar em uma máquina que
voa?? Isso não pode estar certo!!! A leitura do ambiente pelo corpo é
parcialmente correta, afinal, voar é perigoso para nós que não temos asas.
Agora, em termos de raciocínio, sabemos que é muito mais seguro do que andar de carro,
por exemplo. Mas temos mais medo do avião, e isso mobiliza muita gente a
evitá-lo e a pegar um ônibus, o que estatisticamente é bem mais perigoso.
Usar o medo como exemplo é fácil, com ele conseguimos entender muita coisa.
É só fazer o mesmo exercício para as outras emoções. Para que serve a alegria? Para me levar a repetir aquele contexto, aquele comportamento. E o nojo? Para
eu não me arriscar a comer comidas duvidosas e morrer de intoxicação alimentar.
E a tristeza? Para eu me afastar de uma situação, mudar algo na minha vida (em DivertidaMente, a função da tristeza é muito bem trabalhada, no caso, marcou uma situação de que a personagem não estava gostando, e assumir a emoção fez com que conseguisse ajuda dos demais).
Esses são exemplos de emoções primárias (emoções básicas para Paul Ekman), temos
as secundárias.
Cada autor faz uma divisão diferente, para simplificar, entendo
que as emoções secundárias exigem uma representação mental do outro superior ao
caso das primárias. Algumas das secundárias: vergonha (devo rever meu
comportamento, estou inadequado socialmente?), humilhação (alguém me lembrando
da minha posição social de modo rude), inveja (quero o que o outro tem, como conseguir?), culpa
(devo rever meu comportamento, estou fazendo coisas erradas), entusiasmo (quero
fazer logo!), paixão (quero essa pessoa, aproximação para reprodução).
Voltando ao Grande livro das Emoções. Ele defende então que reconhecer
as próprias emoções e as dos outros e lidar bem com elas é crucial para nos
relacionarmos bem com as pessoas. E aí Daniel Goleman entra com Inteligência
Emocional e diz coisa semelhante: o que é ser inteligente emocionalmente?Conseguir reconhecer emoções em si e no outro, conseguir controlar suas
próprias emoções, conseguir se auto motivar, conseguir lidar com as emoções do
outro.
Isso significa que inteligência emocional seja tudo na vida? Não! O próprio Daniel Goleman diz que estão superestimando o poder do QE, ele lembra que isso não é tudo na vida. Contudo, também não significa que seja irrelevante. Emoções são parte de quem somos, e quanto melhor lidarmos com ela, melhor para nós - para sofrer menos, agir mais adequadamente no ambiente, com os outros etc.
A questão é que ainda há muito mal-entendido sobre o que as emoções significam. Apesar da popularização do termo inteligência emocional, poucos compreendem que as emoções não são necessariamente o oposto do pensamento racional, e que são cruciais para nosso bom funcionamento.
Ou seja, o conselho "pense friamente" é uma fria. Pense sempre friamente e você será um psicopata (que tem dificuldade de sentir emoções), um ser nada desejado socialmente. O que também não significa que devemos seguir o que as emoções nos indicam sempre, como no caso do avião.
Essa discussão continua! Esse foi só o começo.
Para saber mais
O erro de Descartes – Antônio Damásio
Inteligência Emocional – Daniel Goleman
O Grande livro das Emoções - Esteve Pujol